
Sim, há transformações relevantes que chegam com o ocaso da fertilidade. O que não implica suportar tudo sem pedir ajuda. Na verdade, o acompanhamento médico e as terapêuticas adequadas podem fazer toda a diferença. Só que grande parte das mulheres ainda não tem consciência disso, avisam os especialistas.
As primeiras mudanças surgiram cedo, pouco depois dos 40 anos. Isabel Almeida, hoje com 52, começou por sentir “umas alterações no ânimo de viver”. Mais desanimada, mais ansiosa, muitas vezes sem energia. Mas, achando que aquele era o preço a pagar por os anos estarem a passar, não ligou. Mais tarde, vieram as dores nas articulações. E as dificuldades no sono. “De repente, passou a incomodar-me o ressonar do meu marido.” Algures durante este processo, viu no Instagram uma publicação sobre a pré-menopausa que lhe despertou curiosidade. E o interesse pelo tema foi crescendo. Até que percebeu que podia fazer algo por ela e pelos sintomas que a andavam a maçar fazia tempo. Hoje, toma, por indicação médica, progesterona [hormona sexual feminina], que a ajudou a recuperar a qualidade de sono, e ainda um suplemento para a ansiedade e as oscilações de humor. Acima de tudo, entende por fim o porquê das mudanças que foram tomando conta dela, o que lhe dá outro ânimo. “Não estou louca, não estou sozinha e tenho muitos anos com qualidade de vida pela frente.”
Mas a visão esclarecida de Isabel, e o acompanhamento que tem tido, estão ainda longe de ser regra. Isso mesmo reconhece quem acompanha de perto muitas outras mulheres que passam pelo mesmo. “Há ainda um desconhecimento grande em relação ao que pode ser feito. A menopausa tem de ser vista como algo perfeitamente natural, mas não como um fatalismo”, sublinha Fernando Cirurgião, diretor do serviço de ginecologia e obstetrícia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (São Francisco Xavier). Cláudio Rebelo, coordenador de ginecologia-obstetrícia no Hospital CUF Porto e presidente da Secção Portuguesa de Menopausa da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, concorda que há ainda muita falta de informação. “Não são só as mulheres portuguesas, mas sim as mulheres europeias de forma global, sendo mais notório nas mulheres dos países do sul da Europa [Itália, Espanha, Portugal e Grécia]. Múltiplos questionários clínicos demonstram que apenas uma pequena percentagem das mulheres estão devidamente informadas.”
O especialista aponta mesmo o dedo a “mitos errados sobre os verdadeiros riscos das terapêuticas” e à ideia de que “tudo é natural e, portanto, não é para ser acompanhado e tratado”. Os resultados deste desconhecimento entram-lhe frequentemente pelo consultório dentro. Recorda, por exemplo, o caso de uma paciente de 47 anos que lhe chegou com queixas de cansaço extremo, insónias, alterações de pele e cabelo. Diagnóstico: burnout. “Não foram considerados os sintomas porque não tinha calores e ainda era ‘muito nova’ para ser a menopausa”, realça. Andou a indutores de sono e antidepressivos, mas ao fim de um ano continuava a não melhorar. Foi só aí que começou a terapia hormonal. E que se livrou, por fim, daquele tormento.
Cristina Mesquita de Oliveira, fundadora da VIDAs – Associação Portuguesa de Menopausa e do Movimento Menopausa Divertida Portugal, é incisiva. “A maioria das mulheres nem sequer sabe que não sabe nada de menopausa. Apesar de já se ter feito um caminho no sentido de alertar para os sinais a que devem estar atentas, a maioria ainda não está nesse ponto. Todos os dias nos chegam [à associação] pedidos de ajuda e em muitos casos são mulheres que andam há muitos anos perdidas, com doenças, nomeadamente depressões, que podiam ter sido evitadas se tivessem procurado ajuda quando começaram os primeiros sinais da menopausa.” Cristina avança com números que dão que pensar. “Em 342 pedidos de ajuda que recebemos [em pouco mais de um ano], só em seis casos não havia registo de toma de antidepressivos.”
Para se perceber melhor este ponto, vale a pena ir ao princípio, ao que é a menopausa, aos seus meandros e efeitos. Fernando Cirurgião lembra que a menopausa é “o esgotar do capital folicular”. “As mulheres chegam a ter milhares e milhares deles, depois vão-se gastando e envelhecendo, até à idade média dos 52, 53 anos.” Sendo que a extinção dos folículos implica também o fim do período. “A mulher entra na menopausa quando está 12 meses sem menstruar”, salienta Cláudio Rebelo.
Ora, este ocaso da fertilidade implica alterações hormonais relevantes – não só caem os níveis de progesterona, como cessa a produção de estrogénios -, de consequências várias. “Os sintomas e sinais mais incómodos surgem dois a três anos antes da menopausa e mantêm-se intensos nos primeiros cinco anos de pós-menopausa”, assinala o especialista. E são quais? “Destacam-se os sintomas vasomotores [ondas de calor, fogachos e suores noturnos], alterações dos padrões do sono [insónia medial], as alterações do humor [irritabilidade, ansiedade, agravamento de sintomas depressivos pré-existentes] e o aumento de peso, com redistribuição da gordura e predomínio da gordura abdominal.”
Mais tarde, surgem as queixas relacionadas com a atrofia vulvovaginal, sejam a incontinência urinária, as infeções urinárias de repetição, a dor durante as relações. Ou mesmo o prolapso do útero (quando este sai da posição normal e desce para o canal vaginal). E ainda a diminuição da libido, a perda da massa óssea, com risco aumentado de fraturas, ou o aumento do risco cardiovascular.
Mas a ideia não é assustar. Até porque, com o devido acompanhamento, tudo isto pode ser, no mínimo, mitigado. “Não existindo uma fórmula mágica idêntica para todas as mulheres, é importante procurar uma equipa multidisciplinar que acompanhe a transição e o período de menopausa e pós-menopausa”, frisa Cláudio Rebelo. Fernando Cirurgião aponta que, além das terapêuticas dirigidas, particularmente úteis no caso da osteoporose e da secura e atrofia vaginal, a reposição hormonal é frequentemente “uma opção indicada para minimizar uma parte relevante dos sintomas”. E lamenta que continue a ser olhada de lado por causa de uma alegada ligação ao cancro da mama quando os estudos mostram que “até sete anos de terapêutica não há risco acrescido”.
Chegados aqui, há outra questão fundamental a colocar: o que pode ser feito para aumentar o conhecimento e a literacia em relação a todas as questões que envolvem a menopausa? Cláudio Rebelo elenca vários pontos. Desde a importância de privilegiar uma abordagem multidisciplinar, com o envolvimento de especialistas de várias áreas, à disseminação de informação de qualidade. Releva ainda a necessidade acabar com o estigma de falar sobre menopausa e de incentivar figuras públicas e influencers a partilhar os seus testemunhos. Além de “apostar em políticas de saúde pública que priorizem a saúde das mulheres na meia-idade e menopausa” e de “promover a comparticipação de fármacos inovadores”. Cristina Mesquita de Oliveira é particularmente crítica em relação a este ponto. “Há uma falha clara do papel do Estado. A saúde da mulher, sobretudo na menopausa, continua a ser negligenciada de forma grosseira. Muitas vezes, a única solução é recorrer a serviços pagos, o que contraria o princípio universal de acesso à saúde. Além de que esta é uma lacuna que está a ser aproveitada por certas marcas para fazer negócio. Lançam supostas campanhas de sensibilização nesta área, quando o único objetivo é promover a venda de todo o tipo de produtos.”
Sinais possíveis de menopausa
- Ansiedade
- Cansaço marcado
- Oscilações de humor
- Esquecimentos súbitos/confusão mental
- Sensação de tristeza/depressão
- Alteração do peso corporal
- Alteração do período menstrual
- Alteração do desejo sexual
- Dores musculoesqueléticas
- Infeções urinárias
- Alteração do colesterol e da tensão arterial
- Fogachos
- Alteração dos padrões de sono
* Se suspeitar que a menopausa está próxima, procure ajuda especializada, preferencialmente junto de uma equipa multidisciplinar.