A maternidade, essa missão tantas vezes solitária

É comum as mães sentirem-se sós, sobretudo nos primeiros meses após o nascimento dos filhos. E, ainda assim, o tema continua a ser pouco abordado. As causas, os riscos e as estratégias para combater a solidão.

Maria Leitão tem 47 anos e dois filhos, com uma diferença de dez anos. Os dois pós-partos foram necessariamente distintos, até pela maior maturidade que já tinha aquando do segundo filho. Houve, porém, uma sensação comum: a da solidão que vem com a maternidade. É até algo que volta e meia nota quando tem oportunidade de falar mais demoradamente com futuras mamãs – não para intimidar, claro, apenas para que não sejam apanhadas na curva. “Desde logo, passamos uma grande parte da licença sozinhas. Depois, parece que deixamos de contar como pessoa, como se deixássemos de ter vida e de ter assuntos interessantes ou coisas para partilhar com pessoas que não estão a passar pelo mesmo, ainda que sejam os nossos amigos de sempre.”

Sobretudo nos primeiros meses. “A minha vontade era falar de como o meu bebé se ria, das covinhas que fazia, do quanto interagia, mas depois não me sentia à vontade. Era como se passar a vida a falar de um bebé fosse careta. Mas se alguém ao lado estivesse a falar dos filmes que viu, das peças de teatro a que foi, já era aceitável.” Maria lembra-se até de sentir uma certa incompreensão face às necessidades específicas de um ser tão pequeno. “Lembro-me que me chegaram a dizer: ‘Mas porque é que não trazes o bebé para beber um copo? Ele tem de se habituar’. Mas não, claro que não tem. Porque é que um bebé tem de se habituar a estar na rua à noite e ainda por cima num ambiente de barulho e fumo?”, questiona, algo indignada. Para compor o ramalhete, ainda havia as pessoas que assumiam que tudo era um mar de rosas, porque ter um filho é “um estado de graça”. O que simplesmente a desencorajava de falar de quaisquer agruras que sentisse.

Um aglomerado de dificuldades que redundaram na tal solidão que não esconde. O tema não é ainda rotineiro, mas a sensação de Maria é partilhada por muitas outras mulheres, sobretudo nos meses que se seguem ao nascimento dos seus bebés, garantem três psicólogas ouvidas pela “Notícias Magazine”, todas habituadas a trabalhar com mulheres durante as fases da gravidez e do pós-parto. “Há muitas mães que relatam que se sentem sozinhas”, nota Bárbara Fonseca, psicóloga clínica perinatal, que, nas redes sociais, tem procurado sensibilizar para esta e outras questões relacionadas com a maternidade. “Muitas vezes, mesmo quando têm uma rede de suporte, seja o companheiro, sejam os pais, relatam esse sentimento de solidão. É muito mais comum do que as pessoas imaginam.”

Ana Amaro Trindade, psicóloga na clínica Amamentos, em Lisboa, concorda. “A maternidade não foi feita para ser vivida em solidão. Durante muito tempo a vida fazia-se em comunidade, as mulheres não estavam tão isoladas, só há uma geração ou duas é que a realidade começou a mudar. Agora as mães acabam por estar muito isoladas. Há cada vez mais mulheres que não estão à espera daquilo que vão viver, porque não há uma experiência partilhada, muitas vezes nem sequer viram irmãs mais velhas a passar por isso.” Já Cláudia Castro Dias, que na clínica Up2Kids, em Vila Nova de Gaia, acompanha crianças e pais, realça que, apesar de a solidão ser um tema habitual quando nos referimos à população idosa, está pouco estudada quando o tópico é a maternidade. Ainda assim, há estudos reveladores. “A percentagem de mulheres que assumem sentimentos de solidão no primeiro ano após o parto andava já na ordem dos 30% e é algo que parece ter-se agravado com a questão da pandemia e do confinamento. Há estudos que falam em percentagens acima dos 50%.”

Números muito significativos, sobre os quais recaem duas agravantes: por um lado, o facto de estar provado que a falta de uma rede de apoio eficaz é um potencial “fator de risco para o desenvolvimento de doença mental”, nomeadamente de depressão pós-parto, como assinala Bárbara Fonseca. Por outro, a constatação quase unânime de que o sistema e a própria sociedade não estão a prestar atenção suficiente a estas mulheres.

Mas vamos ao início – ou seja, aos fatores que contribuem para a sensação de solidão. Além da tal perda progressiva da vida em comunidade, já enunciada por Ana Amaro Trindade. “Além de passarmos muito tempo com um bebé que chora o dia todo, parece que ninguém consegue compreender o que estamos a viver, sobretudo quando não há pessoas próximas que estejam a passar pelo mesmo.” Acresce que, como salienta Cláudia Castro Dias, “o suporte que as mães têm nesta fase é muitas vezes diferente do que desejavam ter” e isso leva a “um maior isolamento e incerteza”. Sendo certo que o pós-parto é, por natureza, um “período sensível”. “Desde logo porque há uma diminuição de contactos sociais. Há um bebé, que precisa de cuidados emergentes, e portanto todos os outros contactos ficam temporariamente em segundo plano. Depois, há também uma identidade a aparecer e esta avaliação nem sempre é positiva, é muito comum em consulta a comparação com outros pais e a perceção de que ‘eu é que estou a fazer mal, porque os filhos dos meus amigos dormem todos bem, mas os meus não’.” A isto soma-se uma certa “falta de empatia por parte de pessoas que não têm filhos ou até por parte do parceiro”. Além da tão perversa romantização. “É aquela sensação de ‘fui mãe e devia estar muito feliz por isso e não estou’. Isso leva a que as mulheres se isolem ainda mais.”

Bárbara Fonseca também assinala a questão da identidade. “A perceção de solidão está muito relacionada com a sensação de se estar perdida. Porque, de facto, há uma perda de identidade. Antes, as mulheres têm uma panóplia de funções, trabalham, têm tempo para elas, para estar em casal, para sair com as amigas. De repente, a partir do momento em que o bebé nasce, deixam de fazer tudo aquilo que faziam, assumem um papel completamente novo e a identidade que sempre as marcou passa para segundo plano. Sendo que nos primeiros dois meses o bebé não vai sequer retribuir um sorriso, de alguma forma é uma dedicação muito pouco recíproca, o que também ajuda a que a mãe se sinta sozinha.”

Mas, afinal, onde está a linha que separa uma quase natural sensação de solidão no pós-parto de problemas de saúde mais preocupantes? Ou por outra, quais são os sinais de alerta? Cláudia Castro Dias entende que a recusa em partilhar as dificuldades, mesmo quando há oportunidade para isso, é um deles. Ana Amaro Trindade aponta no mesmo sentido. “Se uma mulher, deliberadamente e durante um período de tempo considerável, decide isolar-se, isso é um sinal de que algo não está bem.” Bárbara Fonseca lembra, a propósito, que tem disponível, na sua página, um rastreio de ansiedade e depressão, que pode ajudar a despistar eventuais patologias. E chama a atenção para a importância de criar “uma rede de suporte que empatiza diretamente com aquilo que estamos a viver” e que pode ser encontrada, por exemplo, em grupos de mães, presenciais ou online, pagos ou gratuitos, destinados ao exercício físico ou a outro qualquer fim. “Isso permite estar em contacto com outras pessoas que percebem perfeitamente que mal dormiste, que acordaste éne vezes durante a noite para dar de mamar, que estás exausta.” E isso pode ser uma enorme ajuda. Ana Amaro Trindade deixa outros conselhos úteis. “Ter uma rotina é importante, sentir que continuamos a ser produtivas, nem que seja ir à mercearia. Dar um passeio com o bebé, apanhar sol, estar em contacto com a Natureza. E nisto o babywearing ajuda imenso porque nos permite levá-lo para todo o lado – dentro do que é o respeito pelo bebé, claro – e integrá-lo nas tarefas do dia a dia.”