A Comporta, qual Comporta?
Para quem vem de Lisboa, existem dois caminhos para chegar à zona da Comporta: pela A2, ou apanhando o ferry em Setúbal, poupando cerca de 80 quilómetros, enquanto se usufrui da bela travessia do rio Sado que tem o seu quê de poético, quiçá de iniciático. É lindo, sem dúvida, mas o preço subiu tanto nos últimos tempos que me faz pensar que existe uma terceira forma de chegar ao destino mágico, de helicóptero. A saber: 20,40 euros por passageiro com o carro incluído, 12,20 para motociclos e 5,40 para bicicletas. Mas não é tudo; cada passageiro extra paga 5,40 euros. Ou seja, uma família com dois filhos paga 36,6 euros. Só ida. Assim se alcança a terra prometida dos ricos e dos famosos de Portugal e do mundo que se tornou moda e símbolo de status, polvilhado de influencers que fotografam e filmam para o Instagram cada loja, cada restaurante e cada ninho de cegonhas, mergulhadas no êxtase profundo de estarem no spot que está a dar, porque a Comporta é o que está a dar. É vê-las de salto agulha e vestidos colados à pele, chilreando em bandos, numa excitação que causa estranheza a quem passa lá férias há décadas.
Duas povoações concentram a vida social: a Comporta e o Carvalhal. Na primeira, o desenvolvimento chegou há mais de uma década, criando uma identidade que era a imagem de marca da região, um certo Boho Chic que foi também a imagem de Ibiza nos anos 1960 e 70, até se tornar um antro do novo-riquismo europeu e não só. Lojas como a Lavanda, o minimercado Gomes e restaurantes como o Jacaré e as Piadinas na vila, ou o Sal na Praia do Carvalhal encarnam o verdadeiro espírito da Comporta. O mesmo se pode dizer dos hotéis Sublime e Quinta da Comporta, pela arquitetura, materiais de construção e espaços exteriores. O pior é o resto. E o resto é um espetáculo de exibicionismo que inflacionou cada metro quadrado deste paraíso natural, onde a mata de pinhal e a beleza dos arrozais colados às dunas criam um cenário idílico que desemboca em apoteose num areal extenso que abraça o Atlântico.
Vamos à praia dar um mergulho. Parque de estacionamento, 3,50 euros por dia. Na Praia do Carvalhal, duas cadeiras e um chapéu de colmo na praia custam entre 45 e 65 euros por dia, a não ser que seja hóspede do Sublime. Uma cama com tela na Praia do Pêgo custa 145 euros por dia. Os vendedores de bolas de Berlim foram desincentivados a parar nas áreas concessionadas, portanto quem quiser deliciar-se com o pecado clássico das praias portuguesas tem de correr até fora do perímetro da concessão e gastar uns singelos três euros.
Tudo é caro na Comporta: as casas para alugar, os minimercados, as velharias. Os restaurantes típicos foram sendo substituídos por nomes sonantes de impérios lisboetas da restauração. Onde existia aquilo a que vulgarmente chamamos uma “loja do chinês” brilha agora uma elegante loja de marcas de luxo onde encontramos uma linha de vestuário que a Gucci desenhou para a Comporta, cujo estilo mais se parece com o que se usava no Maine no tempo do George Bush. A Comporta das estradas de terra para a praia e das casas de pescadores recuperadas para estadias de verão, onde a simplicidade era o verdadeiro chique, já não existe.