Vasicol e as matriarcas da cerâmica

Adelina Matos (à esquerda) e Isa Parracho (à direita) são, respetivamente, a terceira e quarta geração à frente da Vasicol (Foto: Nuno Brites/Global Imagens)

No centro de Portugal, em Porto de Mós, localiza-se a Vasicol. A empresa surgiu em 1900, numa pequena olaria de um bisavô, mas cresceu sob as rédeas de três gerações de mulheres. Isa e Adelina falam do fatídico incêndio, dos funcionários e do futuro.

A conversa acontece lado a lado com os fornos da antiga olaria. O aspeto bruto da construção, com falhas de pintura e de tijolos aqui e ali, denuncia que já não é utilizada. Mas continua a ter uma função: contar a história de uma empresa que tem, pelo menos, 123 anos. É Adelina Matos, uma das muitas mulheres que aparecerão neste texto, que nos guia por esta narrativa.

“Nasci na empresa.” Gosta de reforçar que a frase não é um exagero. A casa na qual cresceu era “encostadinha” à fábrica. “Havia uma porta da nossa cozinha que servia a empresa, pela qual as pessoas passavam e pela qual o meu pai e a minha mãe entravam ao trabalho.” Por isso, desde tenra idade tem memórias de brincar junto ao local de trabalho dos pais. Junto ao barro. Junto às tintas. Junto aos funcionários.

Inicialmente, todas as pinturas eram realizadas manualmente
(Foto: DR)

Tudo levou a que hoje aqui esteja, à frente da Vasicol, que, além de centenária, se mantém uma empresa familiar. Quanto ao segredo para a longevidade e, acima de tudo, para o convívio saudável entre familiares, Adelina Matos responde com a normalidade de quem faz parecer que gerir uma grande empresa com uma grande família é fácil. “Se há algum segredo, não o sei. Continuamos aqui porque em todas as gerações houve a passagem de carinho por uma empresa que é mais do que apenas uma empresa.” É um legado.

E em matéria de preparar terreno para as próximas gerações, e de ir plantando gosto pelo negócio das cerâmicas, parece que já há frutos. Um dos netos de Adelina Matos já vai passando fins de aulas, férias e fins de semana na fábrica. Não a trabalhar, mas a brincar com os materiais que tanto o apelam. “Ele está sempre a pedir-me para irmos pintar vasos.” Adelina atira que a ligação ao setor já vem no ADN.

Desde 1900 que a matéria-prima do negócio é o barro vermelho
(Foto: DR)

Voltamos ao início. Não há documentos que possam atestar a data certa de começo do negócio, mas pensa-se que terá sido por volta de 1900 que Joaquim Coelho (avô de Adelina) começou a criar peças em barro, numa pequena oficina. Maria Conceição, a primeira matriarca de muitas, segurou as rédeas da empresa quando o marido faleceu. O negócio foi crescendo. Compraram uma das primeiras máquinas de prensa do país. E depois compraram uma das primeiras semimecanizadas, quando a eletricidade chegou a Portugal. Até ao final do século XX, trabalhavam quase em exclusivo para o mercado nacional. Hoje, o cenário inverte-se: exportam 99% da produção.

A decisão importante

A reviravolta no negócio – uma das maiores e melhores da história desta empresa, já que permitiu que esta crescesse em produção, faturação e funcionários – foi responsabilidade de Adelina Matos. “Antes de mim o meu pai já tinha tentado exportar, mas não correu bem e acabou por desistir. Quando chegou a minha oportunidade pensei ‘porque não?’ e não podia ter feito melhor escolha.” Hoje, é uma das mulheres à frente de um dos únicos pontos de fabricação de cerâmica em terracota do país.

Os fornos faziam parte do processo de secagem
(Foto: DR)

A geração seguinte, encabeçada por Isa Parracho, teve também um contributo fundamental e, acima de tudo, de reconhecimento do legado. Foi a quarta geração que adquiriu mais duas empresas, a juntar à original, e criou ainda a “Maria Portugal Terracota”, focada no mercado português e que homenageia as Marias que criaram, cresceram e seguraram a empresa.

Já falamos da primeira Maria, a bisavó, mas há ainda a segunda geração: a avó que, com a reforma do marido, decidiu tomar a dianteira. Há a terceira ronda, com Adelina (a única que não é Maria) e a irmã, Maria Neves. Agora, Isa, o irmão e dois primos seguem o caminho dos antepassados. “Se será por mais cem anos? Não sei, teremos de esperar para ver.”

(Foto: DR)

Também Isa Parracho cresceu na empresa. Também as suas memórias de infância são pautadas pela cor do barro, pelo cheiro das tintas e pela azáfama da fábrica. Também ela tem o ADN de que Adelina falava.

Resiliência a dificuldades estão no currículo. Em 2008, a Vasicol passou por aquele que é descrito como o momento mais marcante: um incêndio que destruiu as instalações por completo. Foi nesse ano que Isa Parracho, depois de alguns anos a trabalhar para outra empresa, após terminar o curso superior, entrou no negócio. “Exigiu muito trabalho e só temos a agradecer aos funcionários, que estiveram sempre do nosso lado, oferecendo-se para reconstruir e pintar tudo.” Quando se reergueu, “iniciou-se uma nova era na vida da Vasicol”, concluiu. Uma nova era pautada pela maior produção de sempre. São quase três milhões de peças fabricadas por ano, mais de 200 funcionários e com um compromisso para com a matéria-prima portuguesa.

Ainda que fortemente mecanizado, há detalhes de produção manuais
(Foto: Nuno Brites/Global Imagens)

Os funcionários são, aliás, apontados por Adelina e Isa como os pilares da empresa. Quando Adelina entrou no negócio eram 12. Muitos ficaram ou regressaram, sendo a Vasicol, nos dias de hoje, um “emprego para a vida”, já que grande parte dos funcionários fica presente até à reforma. “Há aqui pessoas a trabalhar que andaram comigo ao colo, em bebé”, destaca Isa Parracho.

(Foto: Nuno Brites/Global Imagens)

Nome: VASICOL – Olaria de Barro Vermelho
Atividade: Cerâmica
Data de fundação: 1900
Morada: Rua Ilídio Pires, 7,Moitalina – Pedreiras, Porto de Mós – Leiria
Número de funcionários: Mais de 200