Joel Neto

Um raio de sol pela manhã


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Quem vai ser o Artur? Que espécie de pessoa se tornará – e o que é possível entrever dela, ao fim de menos de quatro meses?

Não falo dos traços físicos. Quanto a isso, as opiniões já se dividem: amigos e familiares da Marta acham-no a imagem e semelhança da mãe, amigos e familiares do pai acham-no a carantonha grosseira e inapelável do pai. Provavelmente, é as duas coisas: testa do pai, olhos da mãe, nariz do pai, queixo ainda não se sabe de quem. A verdade é que primeiro se pareceu mais com um, depois com outro e agora se parece com tudo menos com a sua própria fotografia após mês e meio de vida.

Mas digo como pessoa – quem será ele? Essa, conferida a localização normal dos membros e o estado de saúde em geral, é que é a questão. Será afável, o Artur? Será dramático? Agressivo? Sedutor? Manhoso, diplomático, crispado, carente, trabalhador, preguiçoso?

A Pipa diz que, com os sobrinhos mais velhos, ficou tudo claro logo nos primeiros meses: ele gregário, gracioso e conciliador; ela austera, combativa e senhora de si. E, se realmente for assim com o Artur, penso que já podemos dizer ao menos que será sorridente.

Claro, também poderá ser uma série de outras coisas. Infinitamente atencioso ou até preocupado em não se deixar excluir, como a mãe; mais dado ao rancor ou, por outro lado, pouco menos do que um escravo da ideia da liberdade (no fundo, um oxímoro com pernas), como o pai. Com igual gosto abriremos os braços ao destino, desde que não deixe nunca de ser íntimo, como somos ambos.

Vamos ser nós a formá-lo, caramba. Já estamos a sê-lo – nós acima de qualquer outra pessoa, animal ou circunstância. Com certeza não moldaremos toda a sua personalidade, mas ao menos à intimidade poderemos persuadi-lo.

E também é natural que goste de comer. Que seja até ávido, sensualista com a comida. Somo-lo ambos, e no caso da Marta ainda há aquele bicho verde em que se transforma quando tem fome. Já se vêem sinais nele: mesmo sem apetite, mama – nunca se sabe quando vai faltar, o melhor é fazer provisões.

Antes de tudo, porém, vem o sorriso. Até o riso. A Marta garante que ontem, precisamente ontem que eu passei o dia a trabalhar num guião e a noite a gravar um programa, dobrou o riso pela primeira vez.

Esta manhã estive horas a tentar que repetisse, e nada. Mas, sorrisos, não faltaram. É um juízo de facto: o meu filho sorri imenso. Sorri para os pais, para os conhecidos e para os desconhecidos. Sorri de manhã – sorri quase sem parar de manhã -, à tarde e à noite. Sorri até a dormir. E é provocador, o que celebro como uma promessa de – suprema glória – sentido de humor. Olha em volta, a conferir a audiência, e não descansa enquanto não rouba um sorriso a cada um.

Evidentemente, nada disso é carácter, apenas feitio (ou uma vaga sugestão dele). O que fará de facto a diferença será o carácter. Ditadores, homicidas, terroristas – muitos foram encantadores em crianças. Os vizinhos descreviam Ted Bundy como um garoto simpático.

Mas o meu filho é um bebé que sorri sem parar. E é matinal, como a mãe – um raiozinho de sol pela manhã. Pode mudar imensa coisa, que estes dias já ninguém nos tira.