Joel Neto

Um pomar na Terra Chã


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Às vezes pergunto-me se o meu filho chegará a comer fruta deste pomar. Quer dizer: duas dezenas de árvores do lado de dentro dos muros, mais duas vezes isso espalhadas do lado de fora, e ao fim de cinco anos temos o quê? Araçás com fartura, amarelos e vermelhos (mas araçá não é bem fruta, é dano colateral). Goiabas que cheguem para o Chico ir parar ao hospital com uma apendicite (mas fruta que precisa de açúcar também não é exactamente fruta). E, de resto, que mais?

Dois limoeiros ainda deram meia dúzia de limões, mas de qualquer modo os limoeiros dão sempre. Já três anoneiras não produziram mais de duas anonas, e uma ainda está pendurada na árvore, muito raquítica. Dois diospireiros iludiram-me com umas boas três centenas de dióspiros, de que vieram a borregar (aliás já bem grandes) 295 – e os outros ainda precisaram de cuidados intensivos, que prestei com todo o zelo para salvar quatro e, no fim, descobrir que a Marta não gosta de dióspiros. Para lá disso, um citrino nesta e outro naquela árvore, tudo derrubado pelo vento – nem sequer as macieiras deram a maçãzinha da praxe, em promessa de outras venturas, e a ameixeira, que no ano passado já nos tinha oferecido meia dúzia de ameixas, este ano voltou para trás e brotou só uma (aliás, azeda).

Foi o quê, excesso de vento? Falta de chuva? Superavit, deficit, os humores de Nosso Senhor, a ironia retorcida do universo perante o facto de, enfim, ter nascido a criança para que no fundo este pomar fora plantado e, portanto, ser preciso forjar novas e mais imperscrutáveis maneiras de lançar água sobre a fervura, que a vida também não é só felicidade?

Quer dizer: até com o grito do Ipiranga eu sonhei. Brincaríamos aos agricultores e ainda sobreviveríamos da fruta. A frustração é de tal ordem que dou por mim a estudar as árvores em busca de outras finalidades. Aquela pereira está a gerar acima do enxerto a forquilha perfeita para uma casa de árvore. Aquele abacateiro, se engrossasse como deve ser, levava mas era um belo baloiço. Aqueles cumquateiros… Bem, que raio faço eu com um monte de cumquateiros estéreis, a não ser talvez umas árvores de Natal enfeitadas em Dezembro?

Não é justo. Fiz passeios lindos, uma pérgula para cobrir de vinhas, uma cabana de trabalho bem a meio, uma casota para os cães que é uma autêntica obra de arquitectura – fruta, nada. Já cá trouxe a Andreia e o marido, para podarem isto em condições. Este ano chamei o João Pires, que me deixou uma lista de cuidados, tratamentos e intervalos de actuação. Zero. Num ano temos cochonilha, no ano seguinte pulgões “e” cochonilha, um ano depois lagarta mineira “e” pulgões “e” cochonilha. Vejo a lista de remédios, e já nem consigo perceber os apontamentos. E é agora. Quando tentei ser biológico eram mais coisas ainda, extractos e caldas e chorumes e sei lá mais o quê.

“Nas nossas, não pomos nada…”, disse a Andreia, com o seu meio sorriso. Nem químico nem biológico. Nem água, sequer – nos Biscoitos é assim. Já eu decidi plantar um pomarzinho na Terra Chã, recheada de velhas quintas, famosa tanto pela castanha como pela laranja, que em tempos exportou até para Inglaterra – só lá vamos com sangue, suor, lágrimas, aditivos e o euromilhões da horticultura.

Olha, pode ser que o garoto prefira a PlayStation.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)