Um hino à libertação
Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.
“Spotlight”, o monumento de canção que anunciou “What’s your pleasure?”, o álbum anterior de Jessie Ware, foi editado a 28 de fevereiro de 2020. Com o Planeta a caminho do abismo da pandemia e do confinamento, o tema e respetivo vídeo foram a última festa antes do túnel escuro, sem certezas de qualquer luz ao fundo. O longa-duração seguinte da cantora e compositora inglesa chama-se “That! Feels good!” (PMR/Universal) e chegou exatamente uma semana antes da Organização Mundial de Saúde decretar o fim da pandemia de covid-19 como emergência sanitária global.
Se “What’s your pleasure?” era uma celebração do hedonismo num tempo em que múltiplas sugestões de intimidade podiam ser uma sentença de morte, “That! Feels good!” tem as marcas de um renascimento – do contacto, da despreocupação, sem dúvida do humor. Até os títulos dos discos parecem momentos distintos de um diálogo em curso. Musicalmente, o novo álbum tem mais funk, mais disco, mais suor, mais corpos. À equipa que vem rodeando Jessie Ware junta-se Stuart Price, lenda da casa das máquinas da pop dos últimos 25 anos – ajudando a compor o hino disco-house “Free yourself” e trazendo vibrações de divas e dos Daft Punk, algures em 2001, para “Freak me now”. Na companhia do fiel James Ford, geram-se pérolas do tamanho da soul orquestral e sofisticada de “Hello love” (cordas, metais, coros, acordes e harmonias que só param no céu) e da coroa deste álbum, “Begin again”, onde parece caber a grande fatia da vida que merece ser vivida, salsa no piano e tudo; voa durante cinco minutos, talvez não chegassem 50. A cada álbum, Jessie Ware parece descobrir novas dimensões para o seu canto, mas não se vislumbram limites por alcançar depois deste registo.
Durante longas passagens de “That! Feels good!” parece estar-se perante um registo que não faz mais do que documentar canções perfeitas que estavam aí, no ar, à espera de ser escutadas, reconhecidas e propagadas. É um hino à libertação, à autoconfiança, ao otimismo, dificilmente superável em 2023.