Publicidade Continue a leitura a seguir

Um acelerador de partículas em 1992

Publicidade Continue a leitura a seguir

Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

Cada período musical parece fundeado entre futuros: futuros prévios agora a pleno vapor ou precocemente mirrados; futuros a acontecerem em tempo real e só-não-ouve-quem-não-quer; e futuros germinados que só se vislumbram lá mais para a frente. Presenciado a partir de um ângulo luso-anglo-americano, o ano 1992 foi assim, e muito.

O grunge contribui para a onda gigante que leva rock novo para os palcos principais. The Cure, REM e GNR têm os seus maiores êxitos (“The wish”, “Automatic for the people”, “Rock in rio Douro”). Estreiam-se em longa-duração, e com aparato, os Pearl Jam, Pavement e Manic Street Preachers. Gente mais experiente tem enfim a atenção devida, dos Mão Morta (“Mutantes s.21”), a Lemonheads (“It’s a shame about Ray”) e L7 (“Bricks are heavy”). Entre os cantores e compositores em nome próprio, emergem Tori Amos (“Little earthquakes”) e PJ Harvey (“Dry”). No hip-hop, a algazarra de uma linguagem descentrada e por cristalizar: o que une o ativismo industrial de The Disposable Heroes of Hiphoprisy, o retorno à sujidade punk dos Beastie Boys em “Check your head”, o espiritualismo dos Arrested Development e o idioma urbano e duro em “Daily operation” dos Gang Starr?

Ainda menos cristalizada, e em estado de graça, está a eletrónica dançável. Em 1992 as raves são um processo em curso e cada porta revela mundos. Com “U.F. Orb”, a dupla inglesa The Orb leva a música ambiental (e psicadélica, e perversa) ao cimo do top de vendas. Os Stereo MC’s introduzem funk e hip-hop nas batidas dopadas mas traçadas com x-ato de “Connected”. Mas é em “Accelerator”, o segundo álbum de The Future Sound of London, formados por Garry Cobain e Brian Dougans, que se continua a embarcar em 2023 com uma sensação de vertigem boa pelo que vem a seguir. Não há poeira neste tecno manipulado com sentido lúdico, som otimista e de ruidosas perspetivas em aberto encimado pela clássica “Papua New Guinea”, uma selva cibernética de ritmos quebrados e voo livre. É um futuro que ainda arrepia.