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Traições vingadas ao som da música

A música de Shakira com o DJ e produtor argentino Bizarrap bateu recordes no YouTube e no Spotify (Foto: DR)

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Shakira lançou uma canção visando explicitamente o ex-companheiro Piqué e a nova namorada e a Internet explodiu. Não é caso único. As “revenge songs” e o fenómeno que as amplifica, o feminismo e a misoginia, o impacto emocional nos envolvidos e as consequências graves para os filhos. Sem esquecer a vertente comercial e o marketing. Que são uma peça-chave neste puzzle.

Nas primeiras 24 horas depois de ser lançado, a 12 de janeiro, o novo tema da cantora colombiana Shakira, que dá pelo insuspeito nome de “BZRP Music Session #53” (por se tratar de uma colaboração com o DJ e produtor argentino Bizarrap), somou nada menos do que 82 milhões de visualizações no YouTube, um novo recorde. Segundo a página “Official World Record”, o tema tornou-se então na música latina recém-lançada mais vista na história da plataforma de partilha de vídeos. A tendência estendeu-se ao Spotify, o popular serviço de streaming de áudio: aí, assinou a melhor estreia de uma música em espanhol, com 14,4 milhões de reproduções em 24 horas. E o “hype” está longe de esmorecer. Na última quarta-feira, 25, exatamente duas semanas após o lançamento que incendiou a Internet, a música, toda ela uma mensagem cáustica para o ex-futebolista Gerard Piqué, de quem Shakira se separou há mais ou menos meio ano, andava já a rondar os 200 milhões de visualizações. Nesse mesmo dia, mantinha-se surpreendentemente “viva” no Spotify, ocupando o sexto lugar nos hits mais ouvidos. Curioso é constatar que os dois temas que lideravam o ranking – “Flowers”, de Miley Cyrus, e “Kill Bill”, de SZA, ambas americanas – abordam exatamente o mesmo tema: a traição. Ou como as “revenge sons” (músicas de vingança) parecem viver um momento particularmente fulgurante na cena musical.

A música de Shakira, em particular, cheia de recados diretos e inflamados para o antigo parceiro (“tanto finges ser um campeão e quando precisei de ti deste a tua pior versão”, “uma loba como eu não é para gajos como tu”, “eu valho por duas de 22, trocaste um Ferrari por um Twingo” ou ainda “muito ginásio, mas trabalha também um bocado o cérebro” são alguns exemplos disso), convoca uma série de questões e reflexões. Por um lado, o impacto emocional que uma disputa destas, com tais contornos e mediatismo, tem em ambos os envolvidos. E, mais inquietante ainda, nos filhos, Sasha e Milan, de oito e dez anos. Por outro, a forma como a arte e as manifestações culturais, ao longo da sua história, servem de retrato (e eventualmente de catarse) de desgostos pessoais. Mas também a perspetiva do aproveitamento comercial e do marketing. E as razões do sucesso de uma canção como esta (e outras do mesmo pendor). Ou, entrando num tema de raízes mais profundas, a discussão sobre se a música de Shakira e a mensagem que ela passa é um grito feminista. Ou se é, na verdade, o oposto, como também há quem defenda.

A música de Shakira e de Bizarrap manteve-se durante dias a fio na liderança dos temas mais ouvidos
(Foto: DR)

Comecemos por aí. Até porque é a própria Shakira quem parece apostada em fazer da música uma espécie de bandeira na luta pelo empoderamento das mulheres. Numa publicação feita nas redes sociais, dias depois do lançamento do tema, em que não escondia a satisfação pelos números registados nas várias plataformas, a autora de sucessos como “Waka Waka” ou “Hips don’t lie” escrevia assim: “Quero abraçar os milhões de mulheres que se revoltam perante os que nos fazem sentir insignificantes. Mulheres que defendem o que sentem e pensam e levantam a mão quando discordam, mesmo que outros levantem as sobrancelhas. Elas são a minha inspiração. Esta conquista não é minha, mas de todas. Temos de nos levantar 70 vezes sete. Não como nos ordena a sociedade, mas da maneira que nos ocorrer, daquela que nos sirva para seguirmos em frente pelos nossos filhos, pelos nossos pais e pelos que precisam de nós”.

As “revenge songs” (que, note-se, sempre existiram) parecem viver um momento particularmente fulgurante na cena musical. Além do tema de Shakira, também a música “Flowers”, de Miley Cyrus, versa o tema da traição
(Foto: DR)

E se pode ser argumentado que Shakira (45 anos) deu um murro na mesa quando optou por não fazer caixinha de uma alegada traição e por criticar a supervalorização da juventude feminina (Clara Chía, a nova namorada de Piqué, tem 22 anos), bem diferente é assumir que isso basta para transformar o tema num hino ao feminismo ou a cantora colombiana numa espécie de ativista pela causa. Teresa Silva, vice-presidente da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, releva isso mesmo. “Acho que é preciso ter muita cautela quando hoje se considera que tudo é feminismo. Porque é uma despolitização do próprio movimento feminista. Nem tudo o que uma mulher faz é feminista. Se eu acho que a arte pode ser feminista? Acho. Mas isso implica que quem está a fazer essa arte tem um engajamento consistente, duradouro e real para com aquilo que são as reivindicações do movimento feminista. E, em relação à Shakira, nunca me apercebi que tivesse grande envolvimento com esta causa.” Chama até a atenção para duas versões perversas do feminismo que são recorrentes no meio artístico. “Ou é um suposto empoderamento através da sexualização da mulher – ‘eu sou super sexy porque eu quero’ -, ou ‘eu sou uma bad ass [durona] que não preciso de homens para nada, porque consigo fazer a minha vida sem eles’. Tudo muito centrado no eu. O feminismo está muito para além da minha satisfação individual na minha relação com os homens, não é uma moeda individual de troca, nem de validação. Baseia-se na assunção de que existe uma discriminação com base no sexo e que é preciso uma luta organizada para acabar com todas as formas de discriminação contra as mulheres.”

“Kill Bill”, de SZA
(Foto: DR)

Teresa Silva também recusa perentoriamente a teoria oposta: de que a música de Shakira é antifeminista porque contém críticas a outra mulher (a nova namorada de Piqué, com quem o antigo jogador alegadamente traiu a cantora, ainda durante o tempo em que estavam juntos). “É algo que me deixa um bocado desconcertada. Então dantes as mulheres tinham de ficar em silêncio, sem protestar, mesmo quando eram vítimas. E agora estamos a exigir-lhes que se calem para que sejam solidárias com as amantes dos maridos? O que é que nós andamos aqui a defender?”, indigna-se Teresa, apontando o dedo a um certo “feminismo pop” que tem proliferado através das redes sociais, que “é muito seletivo nas suas reivindicações e expressões e que individualiza a causa”. Em suma, entende que a canção em causa “não é nem feminista nem antifeminista”. “É uma expressão artística e as expressões artísticas não têm de ser politizadas.”

A líder associativa chama ainda a atenção para um outro ponto que lhe parece pertinente e que acaba por ser revelador de uma “visão patriarcal e misógina” que prevalece na sociedade. “Há muito a ideia de que a Shakira não está a ser elegante porque fez uma música de protesto. Parece que continuamos sempre à espera que as mulheres se resignem elegantemente, sem muito alarido. É o que nós chamamos de injustiça epistémica. Continuamos a não dar as mesmas oportunidades às mulheres de dizerem que têm voz, de partilhar as suas experiências. Curiosamente, há por aí tantos rappers que cantam músicas com letras misóginas e não perdemos o mesmo tempo a abordá-las como perdemos com estas. Continua a haver dois pesos e duas medidas.” E dá um exemplo concreto. “Tenho ouvido dizer que a Shakira anda a ‘lavar roupa suja em público’. E aí temos de ter em conta duas coisas. Uma é que, quando se é uma megafamosa, toda a vida privada é pública. Mesmo sem a música, já toda a gente sabia da traição. E depois, a verdade é que o Piqué não teve qualquer pejo em ser fotografado com a nova namorada. Porque é que nós achamos que a Shakira é que lava roupa suja em público e não ele? Porque é que consideramos a música dela um ataque e não que houve um ataque dele? Eu acho que o ataque começou por ele. Quem quebrou os vínculos do relacionamento, de um relacionamento que é longo e em que há crianças envolvidas, foi ele, não foi ela.”

O drama dos filhos e uma fuga em frente

As crianças envolvidas, os dois filhos do ex-casal, são justamente uma das partes mais relevantes desta história. Porque se uma separação conflituosa traz sempre consequências negativas para os pequenos, não custa adivinhar que, numa disputa a esta escala, os efeitos adversos se exponenciem. Cathia Chumbo, psicóloga que, em 2012, criou, no Hospital Arrifana de Sousa, em Penafiel, a “consulta do divórcio”, não tem dúvidas de que as consequências de um divórcio litigioso são “elevadíssimas”, variando consoante as idades dos filhos. “As crianças de tenra idade podem apresentar alterações do sono, potenciadas pelo aumento da ansiedade e dos medos, e alguns dos comportamentos que possam ter sido adquiridos até então poderão ser alvo de retrocesso. Por exemplo, o facto de dormirem sozinhos, que pressupõe um processo de autorregulação. Numa fase posterior, o medo da perda e do abandono pode conduzir a situações de ansiedade da separação. No caso das crianças que já frequentam a escola, constatamos possíveis alterações no rendimento escolar. E a tensão que possuem poderá ser externalizada sob a forma de comportamentos agressivos com os pares e professores.”

Shakira e Piqué, que estiveram juntos durante 12 anos, selaram judicialmente a separação e a custódia dos dois filhos menores (entregue à artista colombiana) em dezembro. A autora de “Waka Waka” nas imediações do tribunal onde decorreu o processo
(Foto: Quique Garcia/EPA)

A especialista acrescenta ainda que, “perante o medo da rejeição”, podem também surgir “os conflitos de lealdade, muito presentes nestes casos, em que o jovem pode sentir a necessidade de se aproximar de um dos progenitores em detrimento de outro, pelo medo que sente de ser rejeitado”. Já durante a adolescência, por vezes, assumem “uma postura de busca pela liberdade e autonomia”, o que consequentemente “poderá vir associado a uma postura pautada por comportamentos desviantes, como o delito e os comportamentos aditivos.” De uma forma geral, o litígio pode ainda impactar ao nível da autoestima, provocar depressão, ansiedade ou mesmo dificuldades ao nível da vinculação na vida adulta.

Cathia Chumbo chama ainda a atenção para o facto de, por vezes, estarem em causa casos de conflito tão elevado que se podem gerar situações de stress tóxico, em que “as crianças estão constantemente reativas a qualquer estímulo, uma vez que a atividade cerebral reage como se estivessem perante uma situação de perigo constante”. “Esta situação poderá, a longo prazo, provocar alterações do ponto de vista neurológico, por vezes irreversíveis, uma vez que coexiste um aumento da produção de adrenalina e de cortisol e há a possibilidade de alterações no tecido neuronal.” E não tem dúvidas de que, perante um caso que envolve uma mediatização deste género, as consequências poderão ser “ainda mais nefastas”. “Porque não se trata apenas da abordagem parental, mas de uma exposição excessiva pelos meios de comunicação social, que poderão ter um comportamento de uma elevada denegrição daquelas que devem ser as figuras de suporte principal da criança.”

O antigo jogador do Barcelona junto ao tribunal onde foram oficializadas a separação e a custódia dos dois filhos menores
(Foto: Josep Lago/AFP)

Mesmo ao nível dos protagonistas, esta conflitualidade pode trazer dificuldades acrescidas na digestão do processo. Catarina Mexia, psicóloga clínica especializada em terapia de casal, lembra que, atualmente, a questão da infidelidade “já é tratada do ponto de vista do trauma”, visto que frequentemente há sintomas de stress pós-traumático”. Bem como quadros de ansiedade e depressão. Diz também que estes processos de ataque acabam por funcionar como “um distanciamento em relação à situação”. “Esta raiva, esta ativação emocional, esta canalização das emoções para o ataque cria uma barreira, impede que façamos um processo de reflexão, não nos permite processar a situação como era suposto.” E isso vai complicar todo o processo. Nalguns casos, as marcas podem mesmo eternizar-se. “Tenho pessoas que me procuram porque ainda não ultrapassaram vivências de divórcios traumáticos, mesmo passado muito tempo.”

De resto, não tem dúvidas de que a disputa a que estamos a assistir entre Shakira e Piqué “é a amplificação daquilo que é a realidade de muitos ex-casais”. Sejam os ataques feitos através das redes sociais, das chamadas “esperas” no local de trabalho ou à porta de casa, de mensagens acusatórias sem-fim. “Até já tive uma paciente que literalmente lançou o carro dela para cima do carro onde ia o marido. Felizmente ninguém se magoou, mas há assim coisas muito extremas. Nós não gostamos de perder. E, nestes casos, é a perda não só de alguém de quem gostávamos, mas também de um projeto de vida que se tinha em comum. Esta noção de que se é trocado mexe muito com a nossa autoestima. E então ripostamos. Para algumas pessoas, a melhor defesa é mesmo o ataque.”

A vingança na arte e a lógica das marcas

O facto de a música de Shakira (e outras, já referidas neste texto) tratar um tema com que, com maior ou menor proximidade, nos identificamos é possivelmente uma das razões para o número astronómico de visualizações e reproduções que a canção tem registado. Mas a “música de vingança”, como lhe chamam, está longe de ser uma novidade. Na verdade, as canções sobre amores e desamores sempre existiram, com a música a funcionar como uma espécie de terapia, uma forma de expiar as dores. Temas como “Bad blood” e “All too well”, de Taylor Swift, “Lose you to love me”, de Selena Gomez, “Don’t hurt yourself”, de Beyoncé, ou mesmo “Cry me a river”, de Justin Timberlake são alguns exemplos mais ou menos recentes disso. Mas, recuando décadas, já Nancy Sinatra tinha feito o mesmo em “These boots are made for walking”. E a lista de casos é interminável. A tendência, de resto, alarga-se às várias formas de arte. Desde sempre.

Helena Mendes Pereira, gestora cultural, curadora e investigadora do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, começa por ressalvar que, no seu entender, no caso de músicas como esta, não falamos propriamente de arte, mas de “manifestações de cultura, nomeadamente da cultura contemporânea e de massas”. Em relação à arte propriamente dita, recorda que esta foi sempre uma forma de exposição de sentimentos privados, apontando alguns exemplos famosos. Desde logo, a escultura “Êxtase de Santa Teresa”,de Lorenzo Bernini. “Posteriormente, foi escrito um romance que dizia que aquela mulher tinha sido disputada por Bernini e Borromini, dois grandes artistas daquela época, e que Bernini, com aquela obra, estava a provocar Borromini, dizendo que conhecia a cara de prazer dela [a mulher retratada na estátua está a ter um orgasmo].” Mas também o quadro impressionista “Olympia”, em que Édouard Manet procura denunciar o facto de os homens da alta sociedade recorrerem com frequência a prostitutas.

Ao longo da história, a arte sempre serviu de espelho – e quiçá de catarse – a sentimentos do foro privado. “O êxtase de Santa Teresa”, de Bernini, é exemplo disso

Outro exemplo maior desta tendência é o autorretrato da pintora mexicana Frida Kahlo, vendido em 2021 por um valor-recorde de 31 milhões de euros. “No retrato, a Frida tem na testa a imagem do Diego Rivera, mas na testa dele está um olho que parece olhar para outra direção. Como quem diz: ‘Eu vivi para este homem, mas ele viveu para o Mundo’.” Para a docente universitária na área das Artes, são “alguns exemplos de que isto sempre existiu, embora não tivesse o impacto que tem agora”.

“Olympia”, de Manet

Nesta perspetiva, Paula Guerra, socióloga e professora na Universidade do Porto, com trabalho regular na área da cultura musical, salienta que a polémica à volta da canção que visa Piqué “assume esta amplitude por estarmos perante estrelas mediáticas pop em que a amplificação das ações é total”. Um sinal dos tempos. “Independentemente do sofrimento que está em causa, tudo é permitido, em nome do mercado e do neoliberalismo contemporâneo. Cada vez mais, deixa de haver uma divisão clara entre aquilo que é público e aquilo que é do foro privado. E há uma lógica de que ‘vende milhões, portanto vale a pena’. Há uma legitimação deste sistema e esta cultura é patrocinada por todos. Pelos próprios media, porque a máquina tem de ser alimentada todos os dias, mas também pela sociedade em geral.” Uma fórmula que não fica completa sem um outro fator relevante: “As redes sociais e a amplificação que elas trazem”.

O que nos remete para a lógica comercial e do marketing, peça-chave neste puzzle. A própria Shakira aflora o assunto num dos versos da canção. “As mulheres já não choram, as mulheres faturam.” E, de facto, olhando para os contornos do lançamento do tema “BZRP Music Session #53”, nada parece ter sido deixado ao acaso, numa lógica de potenciar o alcance da obra. Tanto que Bizarrap, o produtor da música, estudou marketing digital. A própria artista colombiana caracteriza-se, a nível profissional, por ter tudo bem calculado e medido. Um exemplo? A música foi lançada na noite de uma quarta-feira, para potenciar o seu auge no dia seguinte. Sendo que o dia mais fulgurante para os conteúdos partilhados no YouTube é, adivinhe… a quinta-feira.

Além da própria letra, que tem, em teoria, tudo para ser um êxito. Isso mesmo foi explicado por Pere Bacardit, professor de marketing na EAE Business School (Madrid), ao jornal espanhol “La Vanguardia”. Versos corrosivos, ironia, indiretas, “uma mensagem que chega a um público transversal e não só à geração Z”. “A nível de estratégia nas redes sociais, a Shakira soube gerar mistério e alimentar a curiosidade sobre o que pensava da amante do seu ex para concentrar tudo nesta canção. Também foi muito relevante usar marcas comerciais, as de luxo e as mais ‘mainstream’: com isso se consegue que essas marcas amplifiquem a canção.” O docente espanhol refere-se aos versos em que Shakira canta: “Trocaste um Ferrari por um Twingo, trocaste um Rolex por um Casio.” A Casio, por exemplo, respondeu nas redes.“Este relógio é para a vida toda” foi uma das mensagens publicadas. A Renault, marca de automóveis que tem o modelo Twingo, também não se ficou.

Fernando Santos, professor no IPAM Porto e na Universidade Europeia e coautor do livro “Gestão de Marcas 0.0”, destaca que, “hoje em dia, é mais fácil as marcas trabalharem em cima destas oportunidades que surgem, das tensões sociais e culturais, por causa das redes sociais”. “O conceito de ‘real-time marketing’ é frequentemente usado neste âmbito, e assumido como estratégico na comunicação de algumas marcas.” O docente dá exemplos concretos, que nos são próximos. “Em Portugal, o Lidl, a Control e o Licor Beirão são exemplos paradigmáticos de marcas que usam a comunicação no espaço digital com o objetivo de gerar notoriedade e ‘engagement’, construindo sobre acontecimentos recentes, das mais diversas esferas, que acabam por, de alguma forma, ser relevantes em termos de atenção gerada.” Admite ainda que, na gestão de marcas, “não há fórmulas nem ninguém consegue prever, com exatidão, qual será o resultado de uma determinada ação de comunicação, por exemplo”.

Mas, referindo-se ao “retorno” das ações da Renault e da própria Casio, lança várias questões para a discussão. “No mundo pós-modernista em que vivemos, será que a atenção gerada – muitas vezes efémera – pode ter real impacto nas trajetórias destas marcas, a longo prazo? Num mundo em que as marcas são entidades culturais, tanto como outras entidades, pode ser má a visibilidade gerada por toda esta situação? Quem gosta do Twingo e quem não o aprecia irá mudar a sua opinião após esta polémica? Eu diria que, provavelmente, não. Devem as marcas ignorar estas tendências ou aproveitá-las? Naturalmente, depende da estratégia de cada marca, do seu posicionamento e do seu tom de comunicação. No fim do dia, a Shakira e o Piqué andam nas bocas do mundo, a uma escala global, e são as suas marcas pessoais que mais beneficiam. Não será essa a sua estratégia?”. Por isso, Fernando Santos não resiste a voltar a uma tirada velhinha que insiste em manter-se atual – falem bem ou falem mal, mas falem de mim. “É uma frase já com muitos anos, mas que parece ainda mais relevante na era das redes sociais. E é também um bom epílogo para toda esta situação.”