Margarida Rebelo Pinto

Tempos dão-se no futebol


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Cada escritor tem as suas obsessões literárias e temáticas. Basta percorrer a sua obra para perceber qual o tema que a atravessa, ao qual gosto de chamar Tema de Vida. Por exemplo, nos romances de Graham Greene abundam os triângulos amorosos. Nas histórias de Murakami, existe um sentimento constante de solidão que atravessa as personagens masculinas e as femininas são misteriosas e com um pequeno defeito físico. Jorge Luís Borges, considerado um dos pais da literatura moderna, dizia que andamos a escrever sempre o mesmo livro. Talvez seja uma visão demasiado redutora, contudo, enquanto escritora, não vou negar que no fundo é um bocadinho assim. O meu tema na literatura é a espera, ao qual chamo a vocação de Penélope.

Viver à espera dos homens é um traço inerente ao eterno feminino, porque as mulheres durante milénios não se podiam mexer. Literalmente. E em vários países e culturas, continua a ser uma desoladora realidade. A necessidade de controlar as mulheres, fechando-as num espaço circunscrito e retirando-lhes todos os tipos de liberdade é um desejo masculino que atravessa séculos e fronteiras, culturas e estratos sociais. As motivações que levam os homens a agir de tal forma, tanto podem ter um fundamento religioso, quanto amoroso, ou outro. Rezam as crónicas sobre os nossos reis, profícuos em amores extraconjugais, que, ao se encantarem com esta ou aquela dama, de imediato desejavam encerrá-la num convento, num palácio ou numa extensa e formosa propriedade onde a dita dama ficaria, qual ficus benjamina, plantada à espera.

A independência feminina é uma realidade ainda recente a frágil, recheada de falhas e de retrocessos, num Mundo em que o machismo continua a dar sinais de grande vitalidade. Os homens que apreciam de coração aberto e com poucas reservas uma mulher independente, não abdicam de uma ou outra exigência que lhes dê alguma sensação de poder ou de posse, ainda que tal se materialize em pequenos gestos. Já ouvi várias narrativas pessoais com frases do género, ‘casei com a Mimi porque sabia que ia ser boa mãe’, ou ‘fiquei com a Teté porque ela esperou por mim’. Esperar por um homem é uma virtude ou uma fraqueza? Na literatura, os tempos de espera são fundamentais para a construção narrativa: o herói enceta uma viagem na qual irá enfrentar antagonistas e angariar aliados, na senda de encontrar um objeto que irá salvar a sua família ou o Mundo, ou a resposta para uma dúvida fraturante que o atormenta. Enquanto não regressa a casa, vitorioso e portador do elixir milagroso, alguém o espera, para o abraçar à chegada. Embora os livros imitem a vida, a grande questão é que nos romances as histórias acabam, mas na vida continuam, e a palavra fim só aparece associada a uma certidão de óbito.

É muito poética a ideia de ficar à espera de alguém, ou de ter alguém à nossa espera. No entanto, aquilo que serve a literatura, nem sempre serve a realidade. Quem espera nem sempre alcança e, entretanto, a vida passa ao lado. Quem nos quer bem e para a vida, não espera que a vida passe para voltar. Tempos dão-se no futebol, chamam-se prolongamentos.