
De sobras sem utilidade nascem tábuas de cozinha, bancos, tabuleiros de xadrez. As mãos são de Luís Jorge Martins, que junta pedaços e combina texturas. As misturas acontecem na aldeia de Enxabarda, perto do Fundão.
Na Páscoa passada, Luís Jorge Martins quis oferecer uma recordação, por mais simbólica que fosse, às filhas Raquel e Marta e à nora Magda. Aqueles restos de madeira que vai trazendo da fábrica de móveis, da qual é sócio, como lenha para queimar no lume para aquecer a casa no inverno ou para arder no forno quando faz pão, estavam lá, à mão de semear. Pela primeira vez, olhou-os de outra forma e transformou-os em tábuas de cozinha. O projeto “Tábuas Velhas” nasceu ali. Depois, vieram as cunhadas e as sobrinhas. “Toda a gente levou uma tabuinha”, recorda o marceneiro, de 73 anos, que reaproveita madeiras na aldeia de Enxabarda, a pouco mais de 10 quilómetros do Fundão.
“É dar vida a pedaços de madeira em fim de vida. Os bocados que me agradam, vou pondo de parte”, conta. Não apenas as sobras da fábrica, mas também madeiras que envelheceram ao sol e à chuva, restos de móveis, portas antigas sem utilidade, bocados que, por vezes, resgata do lixo. Do que perdeu uso surgem tábuas de cozinha com várias formas e feitios, com ou sem pega, para pôr na mesa com o que se quiser, e também bancos e tabuleiros de xadrez. “Todas as tábuas contam uma história”, garante. Cada peça é única, não há outra igual. Tudo feito de forma artesanal.
É reaproveitar, é reciclar com a ajuda de duas máquinas, um disco de traçar madeira, uma lixadeira. De repente, o que não tem valor ganha outra dimensão, outra utilidade, uma nova casa. De madeiras velhas, nascem novos objetos. “Nem dá para acreditar como é possível que tábuas com 80, 100 anos, estejam completamente novas. As madeiras boas nunca envelhecem, a parte de fora é que está velha, dentro estão novas.”
As suas mãos conhecem a arte da marcenaria. “O que é de madeira, já fiz tudo”, confessa. Tem sabedoria e tem experiência para perceber o que resulta melhor a nível visual. Não descura detalhes e arroja nas combinações que faz com vários tipos de madeiras de várias árvores: freixo, sucupira, nogueira, pinho, carvalho, mogno, cerejeira, tola, limbali. “As texturas e as cores fazem uma coisa simpática”, comenta.
É a madeira que lhe diz o que fazer como se falasse, como se tivesse vontade própria. Luís Jorge Martins explica: “As tábuas têm determinadas características e delas é que saem as ideias. Não há receitas feitas. As pessoas que fazem coisas interessantes, procuram-nas”. Tem-lhe corrido bem, 99% das vezes, assegura. As peças custam entre 10 e 40 euros e estão à venda no Instagram com o nome do projeto. Por amor à arte. E por prazer também.