Joel Neto

Sr. Ribeiro


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

A primeira coisa que faço quando troco o meu filho é abrir a fralda antiga, estender uma compressa húmida sobre a zona púbica e voltar a fechá-la. A Marta leu não sei onde que isso propicia a micção (que digo eu: despacha o xixi), e quem já teve um rapaz sabe que há uma certa conveniência em que ele faça xixi antes da muda, caso contrário lá se vai mais um body, lá se vão mais 15 minutos da nossa vida e lá se vão mais dois anos de longevidade dos tímpanos do vizinho da frente.

Entretanto, se for de manhã, hora a que ele está bem-disposto, aproveito o compasso de espera para uns exercícios de estimulação cognitiva (que digo eu: para fazer umas tolices). Faço tolices, canto tolices, danço tolices. É uma coisa em que achava que seria péssimo, e se calhar sou. Mas um tipo não sabe bem aquilo de que é capaz até dar por si aos 48 anos, de camisola de gola alta e óculos de ver ao perto, a dançar a Samantha Fox pela casa, na tentativa de adormecer o garoto – fazer umas tolices é a coisa mais fácil.

De resto, se for de noite não há estimulação. Mas, ocorrendo a muda antes do rancho, haverá sempre uns exercícios intestinais, porque os gases têm sido o espinho na carne dele. Ontem, bastou rodar-lhe um nadinha as pernas para que desse uns bons 15 puns (aqui diz-se “fofós”), o que o deixou aliviadíssimo. E, sendo assim, ainda lhe massajei o ânus com outra compressa – nós usamos água termal e compressas de tecido não tecido, nome que me diverte imenso -, para o ajudar a evacuar (que digo eu: bem, vocês sabem).

Rematei com Cicalfate e uma beijoca na barriga, o que se fosse de manhã o faria rir. Sendo noite, a operação alargou-se ao já célebre biberão da madrugada, algo entre os 110 e os 125 ml, aquecidos a 30-35 ºC. Cuidado com os engasgos, não interromper em caso de sequiosidade extrema, que nem Putin ousou começar a III Guerra Mundial – enfim, o costume. A acabar, rapaz ao alto, com uma fralda de pano a proteger o pijama (o meu). Qualquer arroto é bom, mas quanto maior melhor. A um arroto de grau 5 chamamos “um Sr. Ribeiro”, o que vem aumentar para cerca de 50 as alcunhas dele, entre as quais Gôdu, Xinxim, Bezerrim, Espreguiçoso, Mr. Magoo, Bambini Gordini, Signore Gorduchini, Don Comiglione, Gordicho, Gordichona, Indivíduo e (lá está) Sr. Ribeiro.

Já de manhã não há biberão, mas aproveito para lhe trocar a roupa, o que aliás me apresso a fazer, porque a Marta prefere vesti-lo com um pijama confortável e eu tenho mais tendência para fazer dele um homem pequenino (ou então um rapper, com aquelas roupas fixes que o Tomé lhe ofereceu, caso em que passa a chamar-se MC Tattoo). No fim, mando relatório por email, para a Marta introduzir os dados na sua app (oh, como ela gozaria comigo se tivesse sido eu a instituir uma app…). Estando tudo em paz, sou capaz de classificar a fofice e até de informar da banda sonora. Ontem à noite, o grau médio de fofice foi 4 e ouvimos Johnny Cash. Se fosse de manhã, ele teria sorrido. Assim, adormeceu na posição mágica, com o braço direito a cingir-me a cintura e o esquerdo pousado no meu peito.

A minha perplexidade: como é que tantos homens, durante tanto tempo, consideraram uma sorte não se envolverem nisto?

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)