Tentou a sorte na adolescência com a Central Models e o concurso Cabelo Pantene, decidida a ser atriz. A vida trocou-lhe as voltas, a moda foi o caminho e tornou-se na mais bem-sucedida modelo portuguesa de todos os tempos. É esquisita com a comida, preguiçosa para treinar, sofre de ansiedade e já sente a pressão da maternidade. Fala do assédio e da falta de diversidade no mundo das passarelas. Sara Sampaio foi anjo da Victoria’s Secret e, aos 31 anos, a morar em Los Angeles, os desfiles são outros: anda atrás do sonho do cinema e a aventurar-se nos negócios.
Passa das dez da manhã, Sara já nos espera numa sala ampla da agência Dentsu Creative, com morada num antigo palacete em Lisboa. Está agarrada ao telemóvel, de cara fechada, e eis que levanta os olhos, verdes, tão verdes, e esboça um sorriso de lábios carnudos. Veste um fato Stivali amarelo-canário, em cima só o blazer, nada mais, e não precisa de dizer uma palavra para encher a sala. Há qualquer coisa de magnético em Sara. Está com uma dor de cabeça por andar a dormir pouco, só o confessa no final da entrevista, quando desata a arregaçar as calças e a trocar os saltos altos pelos rasos. “Por mim andava sempre de rasos.” Pensa em inglês, leva tempo para falar em português, mas obriga-se a isso, prefere dar calinadas e pedir desculpa logo a seguir. Mostra os anéis e os brincos vistosos, “são da nova coleção do Luís Borges”, o amigo de sempre. E fotos do chihuahua Luigi, a quem deu fama nas redes sociais, que agora mora em casa dos pais e que acabou de ir à tosquia “com máquina zero”. A top model tem aura de estrela internacional e doçura de miúda, tudo ao mesmo tempo.
Anda numa roda-viva desde que aterrou em Portugal. Tinha saudades?
Tenho vindo cá bastantes vezes neste ano, mas há sempre saudades e desde que cheguei ainda não parei, estive com a minha família no Alentejo, um fim de semana de férias, depois vim para Lisboa e foi trabalhar, trabalhar, trabalhar.
Aos 31 anos, está a caminhar para fora de pé, para longe dos desfiles. A carreira de modelo esgota-se inevitavelmente no tempo?
Não é necessariamente com esse pensamento que estou a fazer outras coisas. A moda foi uma coisa que aconteceu de surpresa, nunca tinha sido o meu sonho, mas aconteceu e aproveitei a oportunidade. O que sempre quis foi representar e agora que tenho mais controlo dos meus horários também quis investir em negócios.
Entrou no capital da Phunk, marca de bebidas hard seltzers, no ano passado e assumiu o cargo de Chief Innovation Officer. Como é que se está a sair nos negócios?
Acho que estou a fazer um bom trabalho (ri). Nos Estados Unidos, bebo muito hard seltzers e aqui em Portugal nunca encontrava nada até conhecer a Phunk. Acabámos de lançar uma bebida nova, é o primeiro lançamento desde que entrei para a empresa e foi inspirada nas minhas coisas preferidas, a tequila e a hard seltzers. Tive a oportunidade de trabalhar no produto desde o zero até estar nas prateleiras e isso foi muito giro a nível criativo. Desde escolher as receitas, rótulos, caixas, campanhas.
Tem mais investimentos? Sabe-se que adquiriu uma ilha digital no Metaverso.
Essa já vendi, no ano passado. Foi uma experiência, quis ver como aquilo era e testar também as criptomoedas. Ainda está muito no início, ainda ninguém sabe muito bem no que aquilo vai dar. Mas tenho outros investimentos, investi numa cadeia de hambúrgueres vegan, a Neat Burger, que é do Lewis Hamilton, o Leonardo DiCaprio também é investidor. E tenho outros mais pequenos, mas a única empresa de que faço parte mesmo, em que tomo decisões, é a Phunk.
O sonho da Sara pequenina, o de ser atriz, também tem vindo a ganhar forma.
Muito devagarinho.
Ainda neste ano estreou a comédia romântica “At Midnight” com a Sara no elenco. No ano passado, gravou o filme “Billy Knight” com Al Pacino. Em 2021, dizia estar a estudar representação.
Ainda estou a estudar, é um trabalho contínuo. Infelizmente, ainda não tenho projeto atrás de projeto, por isso gosto de manter a minha ferramenta bem oleada para quando as oportunidades aparecem. Tenho aulas, coaching, tudo nos Estados Unidos. A verdade é que uma das razões por que mandei as minhas fotografias para a Central Models e me inscrevi no concurso Cabelo Pantene quando era miúda foi precisamente para tentar a representação. Mas depois a moda, lá está, aconteceu. Foi ótimo, só que ali por volta de 2018 comecei a sentir que me faltava alguma coisa, que não estava a fazer aquilo que sempre quis, que é ser atriz.
Começou a levar o objetivo a sério?
Comecei a focar-me mais, mudei-me para Los Angeles, tornei-me mais seletiva nos trabalhos de moda. Tenho feito audições, agora o lado bom é que é tudo em self-tape.
Moda, negócios, representação. Olhando para a infância, entre Rio Tinto e Leça da Palmeira, para a miúda que praticou karaté, salto em comprimento, ballet, hip-hop, que tocou violino. Sempre quis ter vários planos na vida?
Sempre gostei é de experimentar coisas novas. Era uma criança muito ativa. Lembro-me de ter uns oito anos quando uma escola de violino veio à minha escola, fiquei apaixonada, quis estudar violino e a minha mãe lá me inscreveu. No desporto, sempre fui boa, em alguns vá, no futebol tenho dois pés esquerdos. Mas no atletismo, ginástica, natação, karaté. Acho que todas as semanas pedia à minha mãe para experimentar uma coisa nova.
O curso de Matemática Aplicada, na Universidade de Lisboa, ficou a meio.
Nem a meio, ficou mais no início. É uma coisa a que não penso voltar. O que queria era estudar representação, só que os meus pais convenceram-me a tirar um curso a sério, como eles diziam. Gostava muito de Matemática, daí ter entrado em Matemática Aplicada. Só estive lá um semestre e meio.
Isto porque uma viagem a Londres com Luís Borges lhe mudou a vida. Conquistou a primeira agência que visitou. De Londres para Paris, de Paris para Nova Iorque.
Pode parecer, mas não foi algo que aconteceu muito rápido. Depois de Londres, vivi em Paris durante nove meses e se tive dois trabalhos já foi sorte. Aquilo custou. Só depois, quando me mudei para Nova Iorque, é que as coisas começaram a andar, e mesmo assim foi muito devagarinho.
Foi? Em 2013 tornava-se na primeira portuguesa a pisar a passarela da Victoria’s Secret.
Mesmo com a Victoria’s Secret custou. Trabalhava com eles já há três anos, tentei o show (icónico desfile da marca) três vezes e só à terceira é que o fiz. Há muitas lágrimas por trás até finalmente ter o sim.
O caminho foi duro para uma miúda, longe de casa, que andava a tentar a sorte?
Chorei muito. Principalmente na segunda vez que fiz o casting para o show e não fiquei, esse custou-me. Já estava a trabalhar quase todas as semanas com a Victoria’s Secret e não percebi porquê. Mas é seguir em frente e tentar para o ano.
E conseguiu.
Obviamente fiquei muito feliz, mas parte de mim também pensava finalmente, finalmente.
Não era vaidosa nos tempos de escola. E tem 1,72 metros de altura, a fugir aos padrões de “high fashion”. O que tem a dizer à adolescente de 15 anos que enviou fotos para a Central Models e se mandou para o casting do Cabelo Pantene?
Não era mesmo vaidosa, não sabia nada sobre moda, não tinha interesse sequer. Sempre gostei de tirar fotografias, mas não era a miúda estilosa. Aliás, só gostava de usar leggings e sweatshirts, era assim que ia para a escola todos os dias. Não sei o que lhe diria. Talvez para aproveitar, para absorver.
O pai mergulhador, a mãe administrativa do grupo Sonae. Como é que lidaram com o fenómeno repentino?
Quando era mais nova sempre lhes disse que quando tivesse 18 anos ia sair de casa. E a verdade é que saí (ri). Queria muito a independência. Também sempre disse que um dia ia viver nos Estados Unidos, tinha esse fascínio. E aconteceu. Tenho noção que às vezes é difícil. A minha mãe preocupa-se sempre, ainda tenho de mandar mensagem de cada vez que aterro no avião, hei de ter 60 anos e ainda vou ter de lhe mandar mensagem a dizer que aterrei bem.
Desde então, seis globos de Ouro da SIC?
Já perdi a conta. Os globos estão em casa dos meus pais, no Porto. Sei que o meu pai teve de reforçar a prateleira que aquilo estava a ficar pesado (ri).
E não só. Capas e editoriais na “Vogue”, “Elle”, “Marie Claire”, “Maxim”, “GQ”. Foi eleita “modelo revelação” pela revista “Hola” em 2014 e “revelação do ano” pela “Sports Illustrated”. Foi a primeira portuguesa a entrar no ranking das “mais sexy do Mundo” elaborado pelo site models.com. Nunca acusou a pressão?
Todos os dias. Todos os dias a minha vida parece “overwhelming”. Quando chegas a certa altura na tua carreira tens sempre a pressão de te manteres lá em cima. É uma pressão que vem sobretudo de mim própria, porque não quero desiludir pessoas, não me quero desiludir a mim. Foi um trabalho que tive de fazer nos últimos anos.
Qual?
O de ser mais meiguinha comigo, de não exigir de mais.
Transforma-se em frente a uma câmara. É algo que se treina?
Sem dúvida. E quanto mais faço, mais aprendo, começo a saber quais são os meus melhores ângulos, os piores, as luzes que prefiro, as cores que ficam melhor em mim, como gosto da maquilhagem, do cabelo. Mas, lá está, sempre gostei de tirar fotografias, vem da parte de querer representar, de poder ser uma pessoa completamente diferente. Sinto até que a minha personalidade muda dependendo da forma como estou vestida, de como tenho o cabelo, a maquilhagem, às vezes do lugar onde estou no Mundo. Muitas pessoas dizem que sou sexy e costumo dizer que sou sexy até abrir boca, sempre que falo é um “blá-blá-blá” (voz histriónica), que não é nada sexy. Gosto de estar sempre a fazer piadas, não levo nada a sério.
Já perdeu o sotaque do Porto.
De vez em quando sai. O sotaque está uma mistura, ora sai mais americano, outras vezes ao norte, às vezes sai mais lisboeta.
Mas as piadas é uma coisa de sempre?
Sempre fui muito palhaça, muito dramática quando era criança e gosto de fazer as pessoas rir. Estou mais ligada a esse meu lado agora do que nos meus vintes. Nos meus vintes, levava as coisas muito a sério, explodia, era muito impulsiva. Quando és mais jovem tens uma necessidade de que as pessoas te aceitem, de fazer as vontades a toda a gente, não queres que ninguém te julgue. Agora estou mais calma, mais resolvida, se não gostam, está tudo bem.
Aprendeu a pôr limites.
Isso mesmo.
Depois daquele primeiro desfile, em 2015 entrava na família dos anjos, no leque restrito das manequins exclusivas da marca. Viveu o mundo da Victoria’s Secret por dentro. Os bastidores das passarelas não têm boa fama.
Há sempre competitividade, mas felizmente entrei com dez raparigas, entrámos ao mesmo tempo. Como estávamos todas a passar pelo mesmo e tínhamos por volta da mesma idade, muitas delas ficaram amigas para a vida. Vamos de férias, estamos sempre em casa umas das outras, foi a melhor coisa que podia acontecer. Mas claro que os bastidores dos shows são sempre caóticos, tens umas 30 ou 40 raparigas a fazer maquilhagem, cabelos, é uma confusão, toda a gente nervosa, com adrenalina, às vezes cansada. Mas é giro. Tenho saudades, por acaso.
Foi tudo cor-de-rosa?
Claro que nem tudo são rosas. Há muito trabalho, muito cansaço, dias longos, mas gosto de me focar no positivo.
O contrato acabou em 2021, haverá regresso?
Nunca digo nunca. Mas não é onde vejo a minha vida nos próximos anos.
A marca enfrentou acusações de assédio a modelos. “Se querem realmente proteger as modelos contra o assédio sexual, vão atrás de agentes e agências”, disse na altura.
O que acontecia muito – e ainda acontece – é que a pressão que se punha, muitas vezes, nem vinha das marcas, vinha mais dos agentes. Soube de muitas histórias de agentes pressionarem manequins, de não darem apoio, de saberem que certos fotógrafos poderiam ser menos bons mas mandarem-nas na mesma. Há pessoas más em todo o lado, claro. Mas os agentes que são, supostamente, quem nos deve proteger, muitas vezes são cúmplices. Do género, “sim, ele é horrível, mas neste momento está a fotografar tudo, por isso vai”.
Sentiu isso na pele?
Não tão grave como alguns casos de que soube, mas já tive situações menos boas, onde houve pressão. Só que não sou de ficar calada. Já tive uma discussão grande com um dos meus agentes, porque ele estava com medo, não queria criar anticorpos. Tive de ser eu a pedir-lhe para me proteger. Tenho uma personalidade dessas, há modelos que não a têm e às vezes são pressionadas a fazerem coisas que não querem.
A polémica da falta de diversidade de modelos nos desfiles da marca veio a reboque do assédio e ecoou pelo Mundo.
A diversidade era algo que faltava muito no mundo da moda, aliás ainda temos um caminho muito longo para percorrer. E as marcas têm de assumir responsabilidade por isso. O que me custou mais foi culparem as manequins por serem o que são. Sou o que sou, não vou dizer que não ao trabalho porque outra pessoa representaria mais diversidade. Isso tem de ser um trabalho das marcas, das agências.
Falou-se na mensagem patriarcal e sexista dos desfiles.
Essa foi outra coisa injusta neste movimento contra a Victoria’s Secret, apontarem o facto de nós, modelos, sermos muito sexy. Houve um policiamento, um movimento contra a mulher poder ser sexy, de “se fores sexy és antifeminista”. E isso vai contra tudo o que é ser feminista. Se quero ser sexy, posso ser sexy. Houve hipocrisia nessa parte do debate. Agora, obviamente que ser sexy pode ter muitas formas e isso realmente faltava, a diversidade.
Na altura, não falou publicamente sobre o tema.
Claro que quando tenho um contrato não posso falar sobre tudo. A única coisa que fiz foi tentar, com as pessoas com quem trabalhava, lançar o debate, dizer que é preciso mudar. Só que no final do dia não sou eu quem manda.
No final do dia, a bandeira da diversidade não passa da tal hipocrisia?
Para certas marcas, sim. Não digo que não houve um esforço para evoluir por parte de algumas, isso consegue-se ver.
Quando olha à volta para o mundo da moda, vê mudanças?
Algumas, sem dúvida. Mas ainda há muito caminho pela frente. Muitas marcas ainda olham para a diversidade como uma quota que têm de preencher para ninguém as chatear e não como uma coisa que deveria ser instintivo e natural. Nesta última Fashion Week houve um declínio de diversidade gigante, principalmente na Europa, o que mostra que ainda falta muito.
O que é que ganhou e o que é que perdeu na vida por ser top model?
Ganhei muita coisa. Talvez tenha perdido alguma privacidade, faz parte.
Uma busca rápida no Google pelo seu nome e o que surge é “Sara Sampaio novamente solteira?” Incomoda-a esse lado da exposição mediática?
(Ri) Depende. Depende de como os meios abordam certas coisas. Também aprendi a ser mais privada. Quando era mais nova tinha mais dificuldade em lidar, agora desde que haja respeito não me importo. É quando deixa de haver respeito que me chateia.
Já aconteceu?
Já, já. Posso dar um exemplo. Quando falei publicamente sobre a questão da saúde mental, muitos meios usaram isso de forma sensacionalista para gerar polémica em vez de aproveitarem o lado positivo de eu estar a falar sobre o tema. Isso deixou-me triste, desapontada.
A batalha contra a ansiedade e a depressão é conhecida. Está a ser acompanhada?
Tenho um psicólogo e um terapeuta, que são o mesmo (ri). E tomo um antidepressivo já há uns anos, eventualmente quero deixar, é nisso que estou a trabalhar. Sei que vou ter de lidar a vida toda com isto e a única coisa que posso fazer é trabalhar para melhorar. Vai haver dias menos bons, outros melhores. Tenho descoberto muito sobre mim a fazer terapia, a ter ferramentas para saber lidar com certas coisas. Ter a consciência do problema já é meio caminho andado.
Os problemas começaram na adolescência. Chegou a arrancar pestanas, sobrancelhas.
Chama-se tricotilomania. Nunca foi uma coisa que me transtornasse. Na verdade, é um mecanismo que o meu cérebro criou para libertar a ansiedade. Sabe-me bem, dá-me prazer, por isso é que é tão difícil parar. Começou quando tinha 15 anos, ficava muito stressada, muito nervosa com testes, e quando não tens ferramentas para lidar com a ansiedade, ou quando não se fala, ou quando não sabes o que é, o teu corpo arranja maneiras de lidar com ela. Esta perturbação obsessiva foi uma delas. Não sei bem explicá-la, é um hábito ansioso que tento combater.
Como roer as unhas?
Exatamente. É como roer as unhas, arrancar peles, morder a bochecha, é o mesmo mecanismo. Também não arranco pelos até ficar sem sobrancelha, sabe-me bem passar as unhas e puxar e quando faço isso o dia todo, o pelo parte, cai, e fico sem pelo nessa zona.
Vamos à vida lá fora. Londres, Paris, Nova Iorque durante oito anos. Poucos meses antes da pandemia, mudou-se para Los Angeles.
Isso é uma questão interessante, mudei-me mesmo antes da pandemia para Los Angeles, em agosto de 2019, tive sorte. Em 2018 já estava a ir muitas vezes a Los Angeles e em 2019 comprei casa lá, mudei-me e poucos meses depois tudo parou. Graças a Deus que estava ali e não em Nova Iorque.
É uma mansão, uma casa avaliada em cinco milhões de dólares.
É uma casa normal (ri). Os preços lá é que são mais caros do que cá.
Dava graças a Deus por estar em Los Angeles na pandemia. Porquê? Encontrou a morada definitiva?
Para já. Gosto muito de Los Angeles, faz mais o meu estilo. Faz-me lembrar Portugal, o tempo é melhor, tem mais espaço, Natureza, a única coisa chata é que é longe. Sempre que quero vir cá perco quase um dia e meio. Mas para já é onde faz sentido estar, o futuro nunca se sabe.
Como é hoje um dia de trabalho nos Estados Unidos?
Depende. O trabalho de manequim mudou muito nestes últimos anos, com as redes sociais. Num dia normal, acordo, vou dar de comer aos cães. Tenho dois shiba inu, de 14 e 15 anos, que eram do meu ex-namorado e agora são meus (ri), é uma longa história. Vou passeá-los. Depois respondo a emails, reuniões no Zoom. Às vezes tenho de filmar self-tapes, tirar fotografias para o Instagram. Isto, claro, quando não estou a fotografar. Quando estou a fotografar, vou ao estúdio, trabalho o dia todo e volto para casa.
E um dia de folga?
Se estiver bom tempo vou à praia, às vezes vamos almoçar a sítios giros, fazer caminhadas, jantares, karaoke, que adoro. Saio à noite de vez em quando. Lá não há muito a tradição de ir à discoteca, são mais “house parties”. Mas sou muito caseira, gosto de estar em casa a ver Netflix.
Disse vamos, plural.
Muitas das minhas amigas, que conheci na Victoria’s Secret em Nova Iorque, mudaram-se para Los Angeles. Agora estão é todas a ter filhos (ri). Mas vá, eu sou a tia fixe. A Jasmine (Tookes) tem uma bebé de quatro meses e agora sempre que vou lá a casa já pergunto onde é que está a minha bebé. Na verdade, adoro bebés, por isso elas podem ter muitos que eu tomo conto deles. Ainda há dias, uma amiga pediu-me para ficar com o filho a tarde toda, foi divertido.
Desenrasca-se?
Tenho duas sobrinhas do meu irmão, já tenho treino a mudar fraldas, a dar de comer.
Está a sentir a pressão da maternidade?
Um bocadinho. Senti sobretudo agora quando fiquei solteira de novo. Não me imaginava com quase 32 anos a ter de estar a recomeçar. Mas acho que isto também vem do facto de trabalhar desde os 16, de ter uma vida à volta de adultos, de lidar sempre com pessoas mais velhas. Às vezes esqueço-me que tenho de ter calma e preciso de me dizer “também ainda não tens 50 anos, Sara, ainda há tempo”. Vi um meme no outro dia que dizia que “estar solteira nos 30 significa que escapaste ao teu primeiro divórcio” (ri). Então pronto.
É um objetivo ser mãe, portanto.
Gostava de ser mãe. E há de acontecer se tiver de acontecer.
Vem a Portugal no Natal, no verão, sempre que tem um trabalho na Europa. A família está no Porto. O que é que nunca deixa de fazer quando lá vai?
Vou sempre com os meus pais à Bonn, uma pizaria em Leça. E ao Arquinho do Castelo. Depois fico em casa o dia todo, vou só ver amigas, a minha família.
Continua a querer comer piza todos os dias?
Continuo. Só que agora descobri que sou alérgica ao trigo, o que tem sido horrível (ri). É difícil encontrar pizas sem glúten, já encontrei um sítio em Los Angeles, o que dá para tirar a barriga de misérias. Mas não posso comer piza todos os dias, a idade já não perdoa. E nem é só pela questão física, a alimentação também está muito ligada à saúde mental, reparo que quando tenho menos cuidados não tenho energia.
Cozinha?
Sei cozinhar algumas coisas. Sou muito boa a seguir receitas. Aliás, sou ótima a seguir instruções. Até a construir as mobílias do IKEA, já montei uma data delas para as minhas amigas, tenho muito jeito. Só que cozinhar dá muito trabalho e sendo só para uma pessoa é chato. Também passo muito tempo a viajar, se compro comida estraga-se e isso custa-me. Acabo por encomendar muito.
Obriga-se a treinar, apesar da preguiça. As rotinas de treino de uma modelo são duras, imagina-se.
Ultimamente estou muito preguiçosa. Sempre fui muito magrinha, muito ativa, lá está, fiz vinte mil desportos quando era mais jovem. Mas custa-me, nem sempre tenho força mental para ir ao ginásio. Às vezes, uso a estratégia de marcar aulas ou de ter um personal trainer e aí sinto a obrigação de ir para não estar a fazer as pessoas perderem tempo. Mas chego a passar um, dois meses sem treinar. Só que depois fico com dores de costas, não me sinto saudável. Tem de ser.
Ainda é forreta, mulher de poucos luxos?
Já me dou a alguns luxos. Aquilo em que invisto mais é em viagens, adoro viajar. Acho até que o segredo da vida é trabalhar para poder viajar.
Tem a lista de todos os países que já visitou?
Tenho, tenho uma app onde registo, chama-se Been. Já fui a 50 países.
Algum que a tenha surpreendido?
Gostei muito do Equador, em especial as Galápagos. Tudo o que é ilha paradisíaca eu adoro. E da Namíbia, África do Sul, Tanzânia, gostava de explorar mais África.
Ainda compra roupa na Zara e na H&M?
Ainda. É uma mistura. A minha regra é: bons sapatos, boas malas, bons acessórios, depois a roupa pode ser Zara. Obviamente tenho acesso a outro tipo de marcas, mas se for eu a comprar, gosto de ir a lojas como a Zara, sobretudo se forem coisas que são tendências da estação. Se for um casaco que vai durar a vida toda já invisto mais. Mas não sou de gastar muito dinheiro em roupa. Gosto muito é de malas, essa é a minha perdição, sobretudo da Chanel (ri).
O fast fashion é uma questão premente, devido ao impacto ambiental. A sustentabilidade é uma preocupação?
Começo a ter muita perceção disso e tenho mais cuidado. Agora, compro muito mais em segunda mão. Nos Estados Unidos, há um site que se chama The RealReal, é uma espécie de Net-a-Porter mas com peças em segunda mão, e faço muitas compras lá, principalmente sapatos. Porque destruo sapatos. Há dias comprei lá uns da Gucci por 40 dólares (36,68 euros).
Mais de oito milhões de seguidores só no Instagram, não é coisa pouca. Sente a responsabilidade?
Não muito. Obviamente quero ser uma boa influência, mas não é isso que me faz publicar isto ou aquilo. Sou quem sou e faço-o por mim e não por estar à espera de influenciar de uma forma ou de outra.
Num vídeo do TikTok, publicado há uns anos, mostrava-se em poses que não a favoreciam propositadamente. Era um alerta?
Acho que sim, tanto para mim própria, como para os outros. Para não nos perdermos tanto em comparações. Estamos sempre a comparar-nos, sobretudo quando estamos em baixo, muitas vezes com uma foto que foi completamente trabalhada. Falo por mim, tiro mais de cem fotografias até escolher as cinco de que gosto, depois ajusta-se a luz, há maquilhagem, cabelo, poses. Precisamos de nos lembrar que uma foto pode parecer muito espontânea, mas não é, é tudo programado. Temos de deixar de comparar o nosso pior com o melhor de alguém, com uma fantasia de alguém.
As redes sociais são uma epidemia?
Definitivamente, e também sou vítima delas, de me comparar com outras pessoas. Faz parte de ser humano. Publiquei aquele vídeo também para mostrar que não sou perfeita. Não sejam tão duros comigo, ora porque tenho uma borbulha, ora porque tenho celulite.
Mas recebe esses comentários?
Muito. Se estiver a ter um dia em que me estou a borrifar para tudo, ignoro. Noutros dias menos bons, em que estou mais em baixo e leio coisas que atacam algumas inseguranças, penso que se calhar têm razão. E é preciso saber parar esse ciclo negativo. É o mal das redes sociais, qualquer pessoa tem uma opinião e uma plataforma para te insultar.
Quis mostrar que não é perfeita. Quais são, então, os defeitos de Sara Sampaio?
Quanto tempo têm? Sou muito teimosa, tenho sempre razão – mas também quando não tenho, o que é raro (ri), sei admitir. Se estiver muito cansada transformo-me num monstro, irrito-me facilmente, expludo na pessoa que está ao meu lado. Estou sempre de meias (ri), até no verão, há pessoas que acham que é um defeito. Gosto de dormir em quartos quentes, o que tem sido alvo de discussões com ex-namorados. Sou muito esquisita a comer, não gosto de muita coisa, não gosto de sushi, não gosto de picante. Tenho tantos defeitos.
Voltamos ao princípio, aos 31 anos, e com a vida a caminhar em tantas direções, para além da moda. Como é que se vê daqui a outros 31?
Aos 62? Se puder estar a fazer cinema, ótimo. Se não, quero estar numa ilha, sem fazer nada, a apanhar sol, com vinte cães à minha volta.