Margarida Rebelo Pinto

Sair da roda do ratinho


Sempre que mais um final de ano se aproxima, é inevitável encetar um balanço daquilo que correu bem e mal, melhor ou pior. Queremos sentir os pés firmes no chão, mesmo que o caminho seja feito de pedras. Sentimos que o tempo, essa dimensão misteriosa, corre cada vez mais rápido. O calendário deu a volta, os filhos cresceram ou emigraram, os pais adoeceram ou partiram, alguns amigos também já não se encontram entre nós, rebentou mais uma guerra sangrenta, enquanto outra decorre e ninguém lhe vê o fim. Fazemos uma revisão interna e externa dos grandes acontecimentos mundiais, nacionais e pessoais, e aquilo que vemos não é bom nem é bonito.

Tivemos um Governo que engordou com os impostos como nenhum outro e que, no entanto, se revelou incapaz de cumprir o que é esperado num país democrático nas frentes que são essenciais para a dignidade e o bem-estar dos seus cidadãos: na Saúde, na Defesa, na Justiça e na Educação. O desrespeito continuado pelas instituições criou falhas estruturais tão extensas e profundas que quase nos habituámos a elas. Mas não podemos permitir que a normalização daquilo que é inaceitável nos vença. Não podemos aceitar que as urgências hospitalares fechem ao fim de semana, que as escolas não tenham professores, que o ordenado médio não chegue para pagar um teto, a eletricidade, a água e o gás. Não podemos aceitar que um país seja um playground para turistas e residentes estrangeiros ricos que alimentam o setor turístico e esventram as cidades dos seus habitantes, da sua cultura, da sua identidade. É triste caminhar em Lisboa e não ouvir a minha língua em bairros que já foram os mais típicos e autênticos. E é ainda mais triste ver os lisboetas que ainda sobrevivem na sua cidade, desolados com a realidade que os esmaga. Não é apenas Lisboa que sofre, todo o país sofre e luta, mas o primeiro-ministro, que não chorou com a tragédia de Pedrógão, chora no Parlamento na hora da despedida. António Costa irá ficar na história como um político hábil na essência de tudo o que a política não deve ser, porque a política deve servir o povo e não se servir do povo.

Não vale a pena perder tempo a chorar sobre o leite derramado. O legado é fraco e caótico, mas o futuro está por construir e março já se aproxima. O direito de votar impõe-se moralmente como um dever nas próximas eleições. Não podemos continuar sentados na bancada a criticar quem está em campo, é urgente vestir a camisola e acreditar mais em nós. Portugal merece melhor. Precisamos de reformas, de ética, de coragem. Precisamos de pessoas que pensem no país e não no seu umbigo. Precisamos de arrumar a casa, de deitar para o lixo a tralha que nos atrasa e que não nos deixa avançar para que, daqui a um ano, não estejamos a lamentar-nos dos mesmos problemas. Ou nos unimos a favor de uma mudança profunda, ou continuaremos condenados ao movimento perpétuo da roda do ratinho.

O socialismo só serve os socialistas, a democracia serve todos. Não existem sistemas perfeitos, imaculados e incorruptíveis. “A democracia é o pior dos regimes, à exceção de todos os outros”, disse Churchill… A ironia fina do grande estadista que nunca se rendeu ao invasor serve de mote para um futuro melhor. Socialismo, nunca mais.