Valter Hugo Mãe

Roberto Leão


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

Há dias, quando chegou a notícia da morte de Roberto Leão, um absurdo se instalou que ainda não foi embora. Sei que a morte tem andado à pressa pelas terras do Brasil mas não havia muito sentido que um rapaz tão novo e feito só de gentileza pudesse ser abreviado assim. Era, e é, absurdo. A voz educadíssima não voltará a cantar. Fica subitamente tudo errado.

Nunca estivemos juntos. Falávamos por mensagens, que por vezes eram de voz, quando ele se juntava com suas pessoas e me faziam chegar um carinho tão raro, tão amigo, entre gostarem do meu trabalho e quererem que eu estivesse bem, contente, motivado, trabalhando. Falava comigo como se viesse trazer fruta fresca, uma comida que era água e sol, e vinha um janelão junto e aberto a uma vista longa e belíssima, com certa companhia à distância. Era a mais empenhada companhia distante. Era muito, muito lindo como o fazia, como o dizia.

Algumas pessoas preocupam-se com deixar muito claros os seus afectos. Não temem o trato delicado, a vulnerabilidade de gostarem de alguém, e o Roberto era deste jeito. Quando me escreveu convidando para um texto sobre o disco que editaria com Breno Ruiz, eu não podia recusar. Era tão bonito o que escrevia que eu já não queria só ouvir o disco, eu queria ser amigo deles. Queria estar lá. E queria que milhões de pessoas escutassem também aquelas canções da mais sincera e perfeita melancolia. Pensei que estaríamos de assunto encerrado quando o disco saísse e a vida se encarregasse de nos levar à deriva para outros lugares. Mas não com o Roberto. Ele não deixaria. O disco saiu e ele chegava, uma e outra vez, nas mensagens que não me esqueciam nunca. E que eram sempre tão amigas que eu senti que, em tantas ocasiões, foram o melhor dos dias.

Que ironia chamar a um disco que medita sobre a melancolia e a tristeza “Alegria”. A voz do Roberto, o piano de Breno, e um espírito comum que faz daquele som algo antigo, como se viesse dos fins de outro século, com uma casa velha e cortinados de veludo, a sala grande repleta de gente calada e atenta, com livros de Machado de Assis e Eça de Queirós nas estantes. É meio fora do tempo, fora do Mundo. Penso que só isso cria sentido a esta notícia insuportável. O Roberto Leão era de fora do tempo, era de fora do Mundo. Ficou isso muito explícito agora. Como ficou explícito a honra de o havermos conhecido, o privilégio de o podermos ouvir nas canções que deixou gravadas.

Não apaga a tristeza. Nossa alegria vai ter sempre sua tristeza guardada em algum lugar.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)