Reuniões, esse pesadelo

As reuniões em excesso são um problema, mas pecar por defeito não compensa

É uma queixa comum entre os trabalhadores: o tempo que passam em reuniões, enquanto o trabalho se acumula em cima da secretária. Têm alguma razão: estes encontros são muitas vezes desnecessários e pouco produtivos e, contas feitas, servem para pouco mais do que roubar tempo e paciência à equipa e produtividade à empresa. Como organizar e conduzir boas reuniões?

Há reuniões que podiam ter sido um email ou um memorando interno. São incontáveis as que começam com atraso e não têm hora para terminar. Grande parte não tem uma agenda definida e, mesmo as que têm, rapidamente derivam para temas estranhos aos objetivos do encontro. Numas ninguém fala, noutras fala toda a gente ao mesmo tempo. No fim, uma parte significativa dos participantes não faz ideia da conclusão a que se chegou – provavelmente porque não se chegou a conclusão nenhuma – e regressa à sua secretária a pensar: ‘Afinal, o que é que estivemos a fazer?’.

Em Portugal há poucas estatísticas disponíveis sobre o número de reuniões realizadas e as percepções que os trabalhadores têm delas. Mas os dados dos Estados Unidos da América mostram que as organizações gastam cerca de 15% do seu tempo em reuniões, onde os trabalhadores passam, em média, 31 horas por mês. Cerca de 45% dos funcionários sentem-se assoberbados com tanto tempo despendido, 65% consideram que a atividade lhes rouba tempo de trabalho e 41% admitem passar estes encontros a fazer, paralelamente, outras tarefas. “O problema não são as reuniões, é a maneira como elas são geridas”, frisa Gabriela Gonçalves, professora e investigadora do Departamento de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Algarve. “De facto, a maioria das pessoas considera as reuniões desnecessárias, cansativas, desmotivantes e pouco produtivas. E que, se os participantes têm uma experiência tão negativa, isso acaba com as vantagens que a reunião possa ter tido.”

Um dos grandes benefícios das reuniões presenciais bem geridas, explica a investigadora, é “a experiência afetiva positiva, motivadora e colaborativa” que é criada, que ajuda “a desenvolver a cultura organizacional através das relações interpessoais positivas”. Assim, se o encontro é percepcionado de forma negativa por quem participou, além dos custos diretos com a reunião – como o pagamento do tempo em salários -, a empresa gera um gigante custo indireto: o stresse, desânimo e insatisfação a que sujeita as pessoas.

Há um conjunto de crenças e expectativas, não escritas, que o trabalhador e o empregador têm um sobre o outro: por exemplo, o trabalhador espera que a empresa confie no seu trabalho e a empresa espera que a pessoa se empenhe em fazê-lo. A isto se chama o contrato psicológico e as reuniões desnecessárias podem quebrá-lo. “Se acontece sistematicamente a pessoa ir para uma reunião e sentir que perdeu tempo, seja porque o objetivo não foi cumprido, seja porque a sua opinião não foi ouvida, gera-se uma sensação de insatisfação que faz com que as pessoas se vão desvinculando das equipas e da organização”, considera Gabriela Gonçalves.

O ABC das reuniões

Muitos textos com orientações sobre como realizar uma reunião de sucesso começam com esta recomendação: definir bem a agenda. Mas há uma pergunta que tem de vir antes: é mesmo preciso marcar uma reunião? “Há três perguntas a fazer antes do agendamento: ‘Tenho uma razão de peso para reunir pessoas?’, ‘preciso que as pessoas interajam com o conteúdo da reunião?’, ‘pode outro formato, como um email, funcionar tão bem ou melhor e ser mais eficiente?”, defende Steve Rogelberg, que é uma espécie de guru das reuniões. “Se as respostas forem sim, sim e não, vá em frente e tenha uma reunião. Qualquer outra combinação de respostas sugere que ela provavelmente não é necessária”, resume o professor de Psicologia Organizacional da Universidade da Carolina do Norte – Charlotte, nos Estados Unidos (EUA), que já publicou mais de 150 artigos sobre eficácia, liderança e envolvimento em equipas – parte deles sobre reuniões.

Só depois disso é altura de pensar na agenda. Para isso, o especialista – também autor do livro ‘The surprising science of meetings: how you can lead your team to peak performance’ (sem edição em português – “A surpreendente ciência das reuniões, como levar a sua equipa ao desempenho máximo”, numa tradução livre) – sugere que, em vez de se estabelecer um conjunto de tópicos a discutir, se tente organizar a agenda como um conjunto de perguntas a serem respondidas. “Isso faz com que o líder da reunião pense sobre o que espera alcançar e também há uma noção melhor de quem deve ser convidado: as pessoas relevantes para responderem às perguntas”, especifica. Por fim, dessa forma, o facilitador sabe quando encerrar o encontro e também se foi bem-sucedido: as perguntas foram respondidas. “Se a pessoa não consegue pensar em nenhuma pergunta, isso provavelmente significa que não precisa de uma reunião”, conclui.

Já a coach empresarial e de executivos Mariana Arga e Lima considera que “as reuniões são fundamentais para manter o alinhamento e o compromisso da equipa”. Nas empresas que acompanha, incentiva os gestores a marcarem com as suas equipas reuniões de seguimento do negócio diárias, semanais e trimestrais. Pode parecer muito um encontro programado diariamente, mas a coach justifica que são importantes para “manter o ritmo e o foco dos colaboradores”. São, no entanto, reuniões muito rápidas. “Com 10 minutos, no máximo, preferencialmente em pé, para garantir que não se estendem, [servem] apenas para ver o que foi feito no dia anterior e focar no que vai ser feito no dia.”. Já para as reuniões semanais, aconselha uma duração de cerca de uma hora, com o objetivo de analisar os resultados da semana anterior, entender as maiores dificuldades da equipa e programar a semana seguinte. Acredita ainda que os encontros trimestrais são muito importantes e, embora tenham a duração de um dia inteiro, refere que, por norma, são os dias mais produtivos do ano.

A duração, formato ou tom ideal para uma reunião depende da organização ou empresa, dos participantes e do objetivo do encontro. “Se uma passagem de turno num hospital tem de ser rápida, relativamente ‘seca’ e focada no trabalho concreto”, exemplifica Gabriela Gonçalves, uma primeira reunião numa empresa para fazer brainstorming sobre um novo projeto, “precisa de tempo, de espaço para o humor, para ser criativo e inovador”.

Além disso, o formato e o tom de alguns momentos da reunião também podem e devem atender aos hábitos, normas e costumes de quem participa. “Hoje em dia, as empresas trabalham muito na gestão da multiculturalidade”, assinala a professora e investigadora da Universidade do Algarve. Diz que, ao passo que em alguns países asiáticos, tradicionalmente, as reuniões começam com as pessoas a perguntar mutuamente como está a família, “para mostrar respeito e interesse”, nos países nórdicos “não há esse hábito e ele pode até ser sentido como intrusivo”. A chave para gerir estes momentos é a mestria do facilitador, “que deve conhecer a equipa e estar atento a esses pormenores”.

Desafio: saber gerir de tempo

As reuniões em excesso são um problema, mas pecar por defeito não compensa. Na sua vida profissional Mariana Arga e Lima passou por empresas em que não havia reuniões e observou as más consequências dessa opção. “A informação não fluía na empresa, as pessoas não partilhavam as suas ideias, não conheciam os caminhos que a empresa globalmente estava a fazer, não prestavam contas das suas tarefas, não recebiam feedback das suas ações.” O resultado revela, “era a alienação completa” e a perda de produtividade, “já que havia pessoas a fazer funções repetidas e as aprendizagens de uns não eram aproveitadas pelos outros”.

Por outro lado, também testemunhou e reconhece o peso do excesso de encontros mal organizados, mal conduzidos e com demasiada gente: assuntos que poderiam ser discutidos entre duas ou três pessoas, em 15 minutos, eram levados para múltiplas reuniões de duas horas e 10 ou 15 participantes. “Nestas empresas, a sensação que todos os colaboradores tinham é que a sua agenda estava cheia de reuniões pouco produtivas e que sobrava pouco tempo para trabalhar.”

Para as reuniões serem produtivas e motivantes há uma competência essencial por parte de quem as coordena: a gestão do tempo. A investigação de Steve Rogelberg mostra que habitualmente apenas cerca de 50% do tempo de reunião é eficaz, bem utilizado e envolvente. As suas entrevistas a milhares de participantes de reuniões no Mundo mostram que os bons líderes de reuniões têm uma coisa em comum: veem-se como administradores do tempo dos outros. “Curiosamente, os líderes geralmente adotam esta mentalidade de gestores do tempo dos outros quando o encontro de trabalho é com clientes importantes ou com os chefes, porque não gostariam que estas pessoas saíssem a dizer que não se sentiram incluídos ou que a reunião foi uma perda de tempo, mas esta gestão é muitas vezes desconsiderada quando se reúnem com a equipa ou colegas.”

Esta gestão de tempo que os bons facilitadores fazem, salienta o autor e investigador, assenta em quatro pontos: o cuidado com a lista de convidados que não deve ser excessiva; um arranque do encontro que defina um tom enérgico e bem-humorado; uma facilitação ativa que vá dando palavra aos intervenientes e, em quarto lugar, um período de encerramento onde “é feita uma espécie de sinopse do que foi dito” e “identificadas as pessoas responsáveis por cada assunto a tratar”. Este resumo, vinca, deve ser disponibilizado “num formato que torne as informações o mais acessíveis possível, tanto para aqueles que participaram da reunião, quanto – e talvez ainda mais importante – para aqueles que não compareceram”. Isso é válido tanto para as reuniões presenciais, como para as online, apesar de o meio virtual colocar outros desafios.

Um inquérito publicado em novembro de 2022, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística, mostra que 47% das empresas portuguesas realizam reuniões à distância. Destas, 61% admite que favorecem estes encontros por via virtual. O estudo que Steven Rogelberg fez durante o verão de 2020, com dados de 150 funcionários de vários setores de atividade nos EUA e na Europa, mostra que há acordo quanto ao cansaço causado pelas reuniões via Zoom, mas não há consenso sobre o porquê. Uns apontam os horários, outros a estrutura da reunião, há os que mencionam a falta de contacto social, há os fãs e os haters da ferramenta bate-papo.

“Não há uma solução universal”, aponta Rogelberg, “e isso sinaliza a necessidade de resposta personalizada dos líderes.” Assim, para evitar o cansaço e aumentar a eficácia destes encontros de trabalho online, o líder deve fazer o que geralmente os bons líderes fazem: pedir feedback e tentar incorporar essas preferências no planeamento da reunião seguinte.