Queremos engravidar. E agora?

Ir ao médico ainda antes de começar a tentar engravidar, garante o ginecologista e obstetra Miguel Raimundo, só “traz vantagens”

As dúvidas instalam-se a um ritmo alucinante na hora de decidir ter um filho. Planear, planear, planear. É essa, afinal, a regra de ouro. Há consultas de pré-conceção nos centros de saúde que permitem antecipar problemas. E este é um caminho que deve ser feito a dois.

No arranque de um novo ano, as resoluções entram no radar e ter um filho, para muitos casais, pode ser o maior de todos os projetos. Se é esse o caminho, depois de a ideia estar bem cozinhada, a decisão tomada, chega o mar de dúvidas, questões infinitas. Queremos engravidar, e agora? Há uma regra de ouro, que se pode repetir em loop: planeamento, planeamento, planeamento. “O planeamento é fundamental. Permite fazer o diagnóstico atempado de situações anómalas, perceber patologias, potenciais problemas na relação sexual”, aponta Miguel Raimundo, médico especialista em ginecologia e obstetrícia.

Por isso, o primeiro passo, diz, é ir a uma consulta de pré-conceção, que está prevista nos cuidados de saúde primários, algo que “se faz pouco e devia ser incentivado”. E, mesmo quando se faz, “é raro aparecerem os dois elementos, aparece só a mulher e deve ser uma consulta de casal”. É nessa consulta que o médico de medicina geral e familiar faz a história clínica do homem e da mulher, “procura perceber se há doenças, cirurgias prévias, se já houve uma gravidez anterior e se houve algum problema”. E sim, o médico ginecologista também faz consultas de pré-conceção, o que é aliás mais comum, já que as doentes de rotina “acabam por recorrer a eles quando estão a planear engravidar”.

Além da história clínica, “é feita uma ecografia ginecológica, para ver a cavidade endometrial, o útero, ovários” e “análises de pré-conceção às doenças que podem ter implicações na gravidez, da toxoplasmose à rubéola”. O homem também tem que fazer algumas análises, já que até o tipo sanguíneo da mãe e do pai é fator importante numa gravidez. E o planeamento antecipado permite à mulher começar logo a suplementação que está recomendada pela Direção-Geral da Saúde, nomeadamente de ácido fólico e de iodo. “Isto previne muitos problemas. O défice de ácido fólico está associado a malformações do tubo neural. Uma mulher pode conseguir engravidar facilmente, mas o bebé pode ter problemas ou a própria gravidez acarretar riscos. Por isso é que convém fazer a consulta antes da gravidez.”

Aliás, ir ao médico ainda antes de começar a tentar engravidar, garante Miguel Raimundo, só “traz vantagens”. “Por exemplo, se é um segundo filho, e se no primeiro houve um parto pré-termo (nascimento prematuro), num segundo já conseguimos tentar evitar isso se houver planeamento. Se houve um caso de pré-eclampsia (hipertensão) na primeira gravidez, pode iniciar-se logo medicação para prevenir que aconteça nesta.”

Contornar patologias, melhorar o estilo de vida

Marina Moucho, obstetra no Hospital de São João, Porto, subscreve a tese. “Sobretudo em mulheres com patologias, como a diabetes, a gravidez melhora muito se tudo for planeado desde o início. E a probabilidade de haver problemas é muito inferior, porque adapta-se desde logo a terapêutica.” Nestes casos, as utentes são encaminhadas da consulta de pré-conceção para uma consulta diferenciada no hospital. E a verdade, diz, é que, se há uns anos “era raríssimo as pessoas fazerem consultas de pré-conceção, hoje há muito mais noção de que se deve planear a gravidez”, que ajuda nem que seja a “desdramatizar a coisa”. Até porque “temos cada vez menos filhos e este passa a ser um projeto muito importante na vida de um casal”. A obstetra reconhece a resistência masculina nesta matéria, contudo admite que já há mais envolvimento do homem. “E é importante estarem os dois, é um projeto conjunto e as análises são feitas ao casal.”

Passadas todas as questões médicas, há recomendações óbvias, como ter um estilo de vida saudável. “Se a mulher for fumadora, deve ir a uma consulta de cessação de tabágica”, sugere a obstetra. No caso do exercício físico, deve manter-se e “não alterar nada quando engravidar”. “Só no caso de praticar um desporto mais saltado, como ténis, é que pode haver alguma contraindicação.” Na alimentação, os cuidados prendem-se sobretudo com os casos em que a mulher não é imune à toxoplasmose. Aí, deve lavar bem os legumes crus e outros alimentos frescos, além de procurar lavar as mãos com frequência.

E se não acontecer?

Então, e se ao fim de algum tempo a tentar, a gravidez não chegar? Comecemos pelo princípio. Só ao fim de um ano de tentativas é que o casal pode ser considerado infértil. E aí, sim, deve procurar ajuda. Miguel Raimundo assume que poucos sabem que, “se considerarmos um casal nos 30 anos, por cada ciclo menstrual a probabilidade de engravidar naturalmente anda à volta dos 18% a 20%”, daí ser aconselhado esperar um ano. Mas há exceções. Quando há endometriose diagnosticada ou “questões poliquísticas, passados seis meses devem logo procurar ajuda”. A exceção, acrescenta o médico, também veste casais em que a mulher já tem mais de 35 anos, “porque convém não esperar muito tempo nesses casos”, já que o prazo para fazer tratamentos começa a esgotar-se. E, atenção, segundo Marina Moucho, os dados do Hospital de São João revelam que 37% das mulheres que hoje começam a tentar engravidar têm mais de 35 anos.

Nesta fase, o casal é encaminhado para uma consulta de medicina da reprodução e há alguns exames a ter em conta. Desde o espermograma no homem, até testes hormonais na mulher, que permitirão avaliar a reserva ovárica ou descartar doenças da tiroide. “Outra das coisas que costumamos pedir, após a primeira bateria de exames, é o estudo das trompas, já que 10 a 15% das causas são trompas obstruídas”, explica Miguel Raimundo, que faz uma ressalva: “Nos casos de infertilidade, temos sempre que estudar o homem e a mulher. Aparecem ainda muitos casais na minha consulta em que a mulher já fez imensos exames e o homem ainda nem o espermograma fez”.

Ainda assim, Marina Moucho esclarece que “às vezes é só stresse”. “A maior parte das pessoas começa a ficar muito stressada quando não engravida logo, porque há um amigo que conseguiu à primeira e começam as comparações. Às vezes basta começarem a fazer exames para relaxarem, porque sentem que estão a fazer alguma coisa, e a gravidez acontece.” Certo é que “os casais não devem adiar muito” o projeto de ter um filho. “É essa a mensagem principal. Pensar nisso com tempo, mas não deixar a tentativa de uma gravidez para o final da vida reprodutiva, aos 35 anos da mulher convém não adiar mais.”


Números

1000
euros é o custo médio para um estudo de compatibilidade genética de um casal, num laboratório privado, que permite analisar painéis de genes no pai e na mãe, para assim poderem evitar que o futuro filho venha a ter uma doença genética.

37%
das mulheres que hoje começam a tentar engravidar têm mais de 35 anos, segundo os dados do Hospital de São João, no Porto.

18% a 20%
é a probabilidade de engravidar naturalmente, por cada ciclo menstrual, em casais na casa dos 30 anos.

3100
euros é o valor médio que as clínicas privadas cobram para a criopreservação de ovócitos. Serve para mulheres que queiram congelar óvulos no caso de pretenderem adiar a maternidade.


Doenças genéticas

Quando há histórico de um filho com uma doença genética, como fibrose quística, isso significa que os pais são ambos portadores desses genes. Aí, segundo o médico Miguel Raimundo, planear a segunda gravidez permite fazer “um estudo genético dos embriões e recorrer a Fertilização in Vitro para usar apenas os embriões saudáveis”. Também é possível fazer um estudo de compatibilidade genética do casal ainda antes do primeiro filho, através de laboratórios privados, mas o custo é elevado, ronda os mil euros. “Acredito que vamos chegar a essa fase nas consultas de pré-conceção. Se todos fizéssemos esses testes antes da gravidez, não havia fibroses quísticas ou fibromialgias, que depois implicam tratamentos com custos elevadíssimos”, alerta o clínico.