Menstruações altamente irregulares (ou inexistentes), excesso de peso, pelos com fartura, dificuldade em engravidar. Eis alguns dos problemas que denunciam a síndrome do ovário poliquístico.
Sofia Graça tem 39 anos e passou 30 deles às escuras. Três décadas sem saber que algo de errado se passava com os seus ovários, que morava aí a origem de uns quantos sintomas “estranhos”, que quando quisesse ter filhos o processo possivelmente não seria simples. “Como tomei a pílula desde os 17, ficou sempre tudo muito encoberto.” Mesmo que, nos curtos intervalos em que não a tomou, o período mal aparecesse, que tivesse excesso de peso e de pelos, que o peito tenha sido sempre pequeno. “Depois vim a perceber que possivelmente estava tudo relacionado.”
Mas isso, lá está, foi depois, depois de três décadas sem saber de nada, depois de ter estado três meses sem tomar a pílula e nunca ter menstruado durante esse período – acertou com o médico de família que pararia durante uns tempos por causa de umas dores de cabeça fortes que andava a ter -, depois de ter partilhado esse episódio com uma ginecologista e ela ter torcido o nariz. “Não tem síndrome do ovário poliquístico [SOP]?”, questionou-a.
Sofia respondeu que não, ou que pelo menos nunca lhe tinham dito tal coisa. E então a especialista optou por fazer um “teste”. Mais seis meses sem a pílula, findos os quais Sofia faria uma ecografia para se perceber o panorama. “E quando a fiz já tinha os ovários carregados de microquistos.” O palpite da ginecologista confirmava-se e Sofia, por fim, ligava os pontos até aí desconexos.
A narrativa não é tão rara assim. Os estudos mostram que a síndrome do ovário poliquístico afeta entre 5 e 10% das mulheres em idade reprodutiva. Mesmo que, frequentemente, como aconteceu com Sofia, os sinais vão passando despercebidos durante anos. Vamos então ao bê-á-bá desta síndrome. O que é exatamente? Quem responde é Alexandre Valentim Lourenço, diretor do serviço de ginecologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
“A síndrome do ovário poliquístico é uma situação muito complexa, que pode ser mais do que uma doença, mas que se traduz em três pontos. Por um lado, sintomas que resultam de um desequilíbrio hormonal, como as irregularidades menstruais, um excesso de acne, uma distribuição pilosa exagerada. Por outro, análises alteradas, em que se vai verificar um excesso de androgénios. E há ainda um terceiro ponto, que tem a ver com as alterações percetíveis através de ecografia.” A saber: ovários muito grandes, com muitos quistos pequenos – no fundo, folículos “que não ovulam” e portanto não se chegam a desenvolver.
E a que é que se deve? A resposta não é exata, avisa Ana Rocha, ginecologista do Centro Materno Infantil do Norte (CMIN). “A etiologia não está perfeitamente esclarecida. Será algo multifatorial, à partida há uma componente genética, mas pensa-se também que pode ter a ver com fatores ambientais ou com a exposição ‘in utero’ aos androgénios.” Seja através de medicação ou como resultado do próprio sistema endócrino da mãe. O que se tem por certo é que, à síndrome do ovário poliquístico, estão com frequência associadas dificuldades em engravidar. Na verdade, é uma questão de lógica: se há dificuldade em ovular, isso naturalmente afeta a fertilidade.
Acompanhamento é a chave
Voltemos então a Sofia Graça, que se viu confrontada com este dilema numa fase em que ainda nem pensava ser mãe. “Na altura, a médica perguntou-me se queria ter filhos e eu disse que sim, mas que ainda não pensava nisso. Ia casar entretanto, apontava mais para os 35. E ela disse-me: “‘Mas, se quer, vá tentando, porque pode nem acontecer.’ Aquilo para mim, na altura, foi um choque.” De tal forma que manteve a pílula em suspenso, foi tomando suplementos para ajudar na regulação hormonal e seguiu, entre a consciência de que poderia engravidar mais cedo do que planeara até aí e o medo de que a boa nova nunca chegasse. Não foi o caso. Dois anos e qualquer coisa mais tarde, Sofia estava grávida e com o nó no estômago desatado. “E a gravidez correu bem.” Ainda que, por ter noção que voltar a engravidar seria difícil, tenha optado por se resguardar um pouco mais.
Esta questão, leia-se, o desejo ou não de a mulher engravidar, é sempre um fator-chave na abordagem ao problema. Alexandre Valentim Lourenço detalha o exercício que é feito. “A primeira questão é: a mulher quer engravidar? Se não quer, regra geral compensamos o desequilíbrio hormonal dando uma pílula que combate as hormonas masculinas, nomeadamente as de acetato de ciproterona, que vão ajudar a regularizar. Se a mulher quer engravidar, vamos fazer tratamentos, com comprimidos ou injetáveis, que promovam a ovulação regular.” Ana Rocha acrescenta: “Ou se dão vitaminas que ajudam a ter um bom ambiente de ovulação ou medicação para induzir a ovulação.” E, geralmente, resulta? Alexandre Valentim Lourenço indica que, nas mulheres que sofrem desta síndrome mas têm ciclos relativamente regulares, “entre 15 a 20% engravidam ao fim de um ano”. Já quando a anovulação (ausência de ovulação) é muito pronunciada, a percentagem é inferior a 5%.
Mesmo quando não existe desejo reprodutivo – isto é, quando as mulheres não desejam ter filhos – há aspetos que inspiram cuidados e acompanhamento médico regular. “Há mulheres que engordam muito facilmente, porque o desequilíbrio hormonal por vezes também provoca alteração metabólica com resistência à insulina.” Estima-se que mais de metade das doentes com esta síndrome tenha uma tendência elevada para a obesidade. Há ainda uma maior probabilidade de existência de lesões pré-malignas ou mesmo malignas da mama e do endométrio.” Também por isso, Ana Rocha, do CMIN, insiste neste ponto. “Não se deve atrasar a observação. Se há suspeitas, deve-se avaliar, para perceber se se confirmam. E assim evitar complicações futuras que podem e devem ser evitadas.”