Provadores para todos os gostos

Provar, provar e provar. Até nunca cansar e sempre em nome da qualidade suprema de um produto. Há quem se dedique a testar sabores durante uma vida inteira. Um ofício singular em que a dedicação e a capacidade de entrega são colocadas à prova em todos os momentos. Nada pode falhar num processo com muito para contar, desde o primeiro contacto até à avaliação definitiva.

Uma vida de mel. Toda ela de mel. Assim é a de Helena Guedes, 47 anos, zootécnica de formação e um dos 17 membros do painel oficial de provadores que certifica a qualidade dos nove méis Denominação Origem Protegida (DOP), que corre debaixo da alçada da Federação Nacional dos Apicultores de Portugal. Dele fazem parte produtores, representantes de marcas, embaladores, até consumidores comuns.

Há quase uma década que Helena Guedes o integra, 70 provas por ano. Desde Mesão Frio, onde habita, até seja onde for. Sempre em nome da qualidade do mel, por um amor que vem de longe: as abelhas. “Nunca tive medo, desde criança que familiares tinham produções de apicultura e sempre lidei com elas. Daí que sempre queira ter aprendido mais e mais sobre o mel”, conta. E assim tem sido. Ao ponto de ser das poucas que sabe ponto por ponto o que tem que um mel que conter para ser de qualidade. E como lá chegar, a essa avaliação exigente.

“É um processo moroso”, começa por explicar. “Os meus principais instrumentos de trabalho são a língua e o nariz. A parte sensorial tem que estar muito ativa e desperta para ter atenção a tudo o que é relativo à cor, ao sabor e ao aroma do mel em questão. Os diferentes tipos de texturas também são importantes”, salienta.

Porque os méis, ao contrário do que um leigo possa imaginar, “não são todos iguais, apesar de a sua composição natural ser praticamente idêntica e comum: 80% de açúcar, 18% de água e 2% de outros componentes, como proteínas, vitaminas e minerais”, descreve. São as diferenças que fazem todo o segredo, essas diferenças tão delicadas de detetar. Há-os mais doces, mais salgados, mais amargos, mais adstringentes. “Daí que seja necessário treinar com frequência para os conseguir e saber distinguir dentro dessas pequenas grandes diferenças”, reforça.

Para lá chegar, há que levar à letra de obrigação pequenos truques essenciais na hora de consultar o mel. “Antes da prova, o ideal é evitar bebidas quentes ou ácidas, até mesmo água. Fumar está fora de questão, assim como alimentos fortes e tudo o que não seja possível limpar a nível de palato”, revela. Mas há mais por entre cada mel testado. “Além das pausas fundamentais, há que ir limpando a boca com maçã ou bolacha, assim como a cavidade nasal. E ir cheirando café, de forma a libertar o cérebro.” Porque cada prova é simples e rápida, apenas duas inspirações nasais e não mais do que três velozes idas à boca “para não cansar muito a língua”. Então, “há que diluir o suficiente para o sentir”.

Helena Guedes faz parte do único painel oficial de provadores que certifica a qualidade dos nove méis DOP portugueses
(Foto: Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens)

Para chegar a provadora, tal como os restantes parceiros de tarefa, Helena Guedes teve que realizar um conjunto de treinos comuns até à devida autorização por parte do Instituto Português de Acreditação. “Começou-se com um processo de 120 candidatos a provadores, fez-se uma bateria de testes que os reduziu gradualmente até chegar aos atuais 17”, aponta Helena Guedes, provadora em formação contínua, “inclusive com colegas de outros países”, participante em concursos mundiais da especialidade, júri. E com um sonho por concretizar, “o de que as pessoas possam finalmente desconstruir o sabor do mel e que parem de afirmar que todos eles são doces, que não são”. Garantia de especialista.

O sommelier de águas

É possível ser um provador de… águas, o mais nobre dos líquidos nobres? É, e Manuel Antunes da Silva, geólogo de 57 anos, é exemplo disso mesmo. Foi o primeiro de todos do género em Portugal, tem essa primazia e privilégio, e o título já ninguém o retira depois de ter feito um curso na Doemmens Academy, na Alemanha, considerado o suprassumo das escolas da especialidade a nível mundial, corria o ano de 2018. Tornou-se então um “sommelier de água”, como prefere ser mencionado. E tem passado a sua experiência em vários palcos, como empresas e escolas, para dar a conhecer as características que fazem da água esse bem tão precioso e diverso. “No fundo, a explicá-la às pessoas. A detalhá-la, a mostrar as suas qualidades”, completa.

“Qualquer água mineral tem como base o ciclo hidrológico. Cai como chuva ou neve, infiltra-se na terra em profundidade e ao contactar com as rochas vai dela retirar elementos para a sua constituição, o que lhe dá composições diferentes”, pormenoriza Manuel Antunes da Silva. As provas, sobretudo em Portugal, onde a maioria das águas “são de baixa mineralização e, portanto, difíceis de se distinguir”, têm como objetivo traçar marcas próprias. “Porque não há duas águas iguais”, garante.

O processo para as caracterizar durante a prova não é fácil. As provas devem ser feitas com as águas à temperatura normal – entre os 11 e os 12 graus. “Se estiverem mais frias do que isso adormecem as papilas gustativas e retiram a eficácia da experiência”, sublinha. Depois, vêm etapas essenciais em que nada pode faltar. “Primeiro, cheiro a água e percebo se há algum aroma errado provocado por um eventual mau engarrafamento. Segue-se a observação visual, para analisar a transparência e comprovar a presença ou ausência de partículas em suspensão, ou como se comportam as bolhas de gás”, partilha o sommelier.

Durante a prova, a água não devia ser totalmente bebida, pelo contrário. “O ideal é que deslize ao longo da língua e tome contacto com toda a boca. Ao degluti-la, há aromas que se libertam e que se percebem na prova nasal, os quais são realçados quando, depois, a água é sorvida”, especifica.

Manuel Antunes da Silva, o primeiro sommelier de águas de sempre em Portugal
(Foto: Fernando Fontes/Global Imagens)

Manuel Antunes da Silva, que entretanto viu juntar-se à sua categoria outros companheiros de tarefa, “poucos, nem uma dezena”, lamenta que as pessoas ainda não deem à agua o verdadeiro valor. “Bebem-na mas não a saboreiam. O que é uma pena, porque estão a perder sabores que não imaginam”, considera. É, precisamente, para dar à estampa essas características únicas que desenvolve o seu trabalho através de empresa própria, depois de anos e anos ligado a uma grande companhia do setor. Explica tudo a todos, sobretudo a quem lida com água e não lhe sabe dar a devida consideração. “Num restaurante, por exemplo, os clientes deveriam ser informados sobre o que vão beber. Tal e qual se faz com um vinho, uma água deveria ser descrita ao pormenor, seria um valor acrescido”, sugere. Mas ainda não é e o caminho é longo para lá chegar. Manuel Antunes da Silva tem a tarefa de o encurtar, explicando os segredos de algo que “parece igual mas está longe, muito longe, de o ser”.

Gelados, segredos e provocações

O apelido não engana. Eduardo Santini é neto do homem que mudou a forma de ver e consumir gelados artesanais em Portugal e que criou uma marca que é muito mais do que isso. Aos 46 anos, Eduardo não se lembra de mais nada a não ser de gelados. E de viver com eles, de conviver com eles, de os ver a nascer, de lhes conhecer os passos e processos até chegarem a quem mais interessa, o consumidor final. E de os provar. Sempre. Até hoje.

“Trabalhei toda a minha vida na Santini e sou provador e responsável pela produção de gelados e pelos novos sabores”, define-se. Daí a delicada e sempre incansável tarefa de os testar, dia após dias, mês após mês, sabor após sabor. Até encontrar a alquimia perfeita que faça nascer uma nova relíquia, às vezes de combinações inesperadas e pouco prováveis. “Sou eu que tenho a responsabilidade de descobrir o que esse novo sabor vai representar para quem o experimentar pela primeira vez”, admite. Não se arrepende nem se atemoriza. “Não há segredo algum, apenas manter um paladar bem atento. E ter atenção particular à textura, à resistência e à temperatura, porque o gelado vai estar sempre a 15 graus negativos e não pode apresentar-se nem demasiado mole, nem demasiado duro”, assegura com simplicidade. O equilíbrio é, pois, o “grande segredo”. E há as matérias-primas, “que devem ser o mais naturais possível, sempre frescas e de qualidade”. A tática é “nunca perder de vista que um gelado deve captar a essência e o sabor das matérias-primas que o fazem”.

Eduardo Santini já provou e testou mais de 500 gelados
(Foto: Paulo Spranger/Global Imagens)

Ser provador de gelados em Portugal não é categoria oficial. “Não há cursos nesse sentido, cada empresa tem os seus procedimentos próprios, até porque têm produtos diferentes para oferecer aos clientes”, detalha Eduardo Santini, saber feito depois “de horas e horas a aprender com o avô e, sobretudo, com o pai” os segredos dessa arte tão única. “Tive a vida facilitada”, reconhece. “O primeiro gelado que fiz, devia ter uns 15 anos, foi de limão e pedaços de chocolate”, recorda-se bem.

Desde então, quase perdeu a conta aos que tentou, aos que concebeu, aos que procurou que combinassem algo diferente mas que acabaram por ficar pelo caminho dos testes. “A Santini vai em 550 sabores, quase todos criados por mim”, orgulha-se. “Por vezes, há que tentar combinar o impossível. Como os gelados de brigadeiro ou de mousse de chocolate, por exemplo, que têm que manter a vertente típica do gelado, como a frescura, sem perder a cremosidade do original que o compõe.”

Eduardo Santini confessa que gosta de “provocar os sentidos” e propor gelados que parecem peças de puzzles diferentes, mas que acabam por casar sem sobressalto. “Como o de queijo gorgonzola com nozes ou o de pipocas”, elenca. Porque não há impossíveis no que a gelados diz respeito. Nem rotinas na hora de os provar. “Sou e serei um eterno apreciador”, garante Eduardo Santini.

Sensibilidade e gosto apurado

A tarefa vem de longe, corria o ano de 1998, mas José Matias não faz da rotina motivo de desalento. Pelo contrário. Este provador oficial de Queijo Serra da Estrela é, aos 52 anos, um dos mais experientes do país e faz parte do painel de 12 que experimentam esta especialidade única, feita de especificidades muito próprias, para comprovar que a qualidade está lá e vai chegar intacta ao consumidor final, de acordo com as normas e regras traçadas pelo exigente processo de certificação exigido aos produtores.

Uma maratona que tem de novembro a maio, “meses de maior produção”, os picos mais intensos de testes. “Pelo menos de 15 em 15 dias há uma prova”, frisa. “A responsabilidade é imensa, nada pode ficar para trás”, diz José Matias.

Para tal, há uma tabela de avaliação que é seguida à letra, com atenção particular para pormenores como a “crosta, a forma e a pasta dos queijos”. São atribuídos pontos de sensibilidade, medidos numa escala que vai até cinco pontos, percebidos os sabores, detalhados os aromas.

“As provas são sempre realizadas de manhã, quando a boca e o palato estão limpos, assim como o olfato e as papilas gustativas. É desaconselhável ingerir café ou consumir alimentos que possam interferir com o gosto sensorial. E não se deve fazer a barba por causa dos cremes, que podem desviar odores do essencial e deturpar a avaliação final”, assinala José Matias, engenheiro agroalimentar de formação e profissão. Tudo para que o melhor do Queijo da Serra da Estrela seja aferido com toda a precisão e detalhe. Um processo que deve ser lento e pleno de cuidados apertados para que nada se perca pelo caminho, nem se confundam atribuições e pormenores que possam fazer a diferença final. “Avaliam-se apenas cinco queijos de cada vez, de forma a evitar o cansaço dos sabores e das características”, refere.

José Matias testa Queijo da Serra da Estrela desde 1998 e garante que não há dois iguais
(Foto: Miguel Pereira da Silva/Global Imagens)

Para chegar a provador, tal como os colegas de ofício, José Matias passou por uma “formação especial” onde testou a avaliação sensorial. Todos os anos realiza o que apelida de “ações de reciclagem” e procura intensificar os conhecimentos. “Tudo em nome da afinação total”, realça. Porque a responsabilidade é imensa e pelo seu crivo passam anualmente uma média de 80 queijos Serra da Estrela, “todos eles diferentes, devido à alimentação dos animais e ao seu leite”.

Um desígnio que José Matias jura “nunca ser saturante”. Em nome de um bem maior, o de um produto singular recheado de processos também eles singulares. E que dá fama em forma de sabor especial e proveito à zona mais alta de Portugal continental.

Oficiais de qualidade

Existem várias categorias de provadores oficiais certificados pelo IPAC – Instituto Português de Acreditação.

Os vinhos concentram o grosso dos provadores nacionais, praticamente todos reunidos debaixo da alçada da Câmara de Provadores do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto.

O azeite conta com um painel de cerca de 20 provadores oficiais, que todos os anos se juntam no Concurso Nacional de Azeites de Portugal.

A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) possui uma Câmara de Provadores, que avalia uma vasta gama de alimentos e bebidas.

Há produtos, como o café e o chocolate, que não contam com uma categoria específica de provadores oficiais, mas que têm profissionais com tal tarefa que desempenham funções em empresas da especialidade.