Os temas incontornáveis que vão marcar 2023

O relatório sobre os abusos sexuais na Igreja e a Jornada Mundial da Juventude, a privatização da TAP e o novo aeroporto de Lisboa, a execução do Plano de Recuperação e Resiliência e a guerra que promete continuar a pairar como sombra global. Ou então os desafios na Saúde, a expectativa quanto à promulgação da lei da eutanásia, o desfecho de sonantes processos judiciais. Os temas que prometem marcar o ano de 2023.

Eutanásia: à terceira será de vez?

O ano arranca com um tema quente. Depois de, a 9 de dezembro, o diploma que estabelece a despenalização da morte medicamente assistida ter sido aprovado em votação final global na Assembleia da República, espera-se agora o veredicto do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Note-se que o chefe de Estado já esteve nesta posição noutras duas ocasiões: numa delas, em fevereiro de 2021, enviou a lei para o Tribunal Constitucional (que a chumbou); na outra, em novembro do mesmo ano, vetou politicamente o decreto. Agora, o mais provável é que volte a requerer a fiscalização preventiva dos juízes do Palácio Ratton. Em termos de iniciativas legislativas, o ano será ainda marcado pela oitava revisão constitucional em Portugal.

Prego a fundo no PRR

O momento em que foram assinados os contratos de financiamento do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior, uma das apostas previstas no PRR
(Foto: Tiago Petinga/Lusa)

Este será também um ano crucial na execução dos fundos europeus, com particular ênfase para os valores relativos ao Plano de Recuperação e Resiliência (mais de 16 mil milhões de euros até 2026). Segundo contas feitas pelo JN em outubro, Portugal deve registar, este ano, um recorde no lucro com fundos europeus: perto de 22 milhões de euros a cada dia. A maior parcela de fundos até chegará por via do último ano de execução do Portugal 2020, mas as atenções estão focadas numa “aceleração da execução do PRR”, conforme consta no OE2023. O investimento na ferrovia é o que absorve mais fundos europeus (2110 milhões de euros), mas também as obras de expansão dos metros de Lisboa, Porto e Mondego (1649 milhões), em que se inclui a construção de uma nova ponte entre Porto e Gaia, a Educação (1412 milhões, com destaque para as obras em escolas e aumento das vagas em residências para alunos do Superior), a construção e requalificação de hospitais (942 milhões) e a habitação em custos acessíveis (500 milhões) mobilizam quantias importantes.

“Leaks”, emails e toupeiras

Processos judiciais cujo desfecho está para breve
(Foto: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

Em matéria de Justiça, o ano começa com as alegações finais do processo Football Leaks (4, 5 e 6 de janeiro), referente a um site homónimo, criado em 2015 por Rui Pinto, no qual foram divulgadas dezenas de documentos confidenciais e polémicos relacionados com o futebol nacional e internacional. O hacker português responde por um total de 90 crimes e é expectável que o caso conheça um desfecho em breve. O mesmo deverá acontecer com o caso dos emails (que envolve F. C. Porto e Benfica), cujas alegações finais estão marcadas para 24 de janeiro. Ainda na esfera desportiva, uma nota para a Operação E-Toupeira, cuja sentença deverá ser lida já a 9 de janeiro. Noutro âmbito, também a Operação Éter (relacionado com contratos ilícitos celebrados pela entidade de Turismo do Porto e Norte de Portugal) e o megaprocesso AI Minho (que tem por base uma fraude de quase dez milhões de euros com epicentro na extinta Associação Industrial do Minho) poderão ter epílogo no decorrer deste ano. Isto sem esquecer prováveis desenvolvimentos importantes em alguns dos principais processos que estão a correr atualmente na Justiça portuguesa: da Operação Marquês à Operação Lex, do caso BES/GES ao que envolve a EDP e o ex-ministro Manuel Pinho.

Um raio-X aos abusos na Igreja

Um relatório prestes a ser conhecido (da autoria de uma comissão liderada por Pedro Strecht)
(Foto: António Cotrim/Lusa)

Para 16 de fevereiro, está prevista a apresentação do relatório final da Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa. Liderado pelo pedopsiquiatra Pedro Strecht, o organismo iniciou funções no início do ano passado e, ao longo dos últimos meses, tem recolhido testemunhos de vítimas, entrevistado bispos e consultado os arquivos da Igreja com o objetivo de esboçar um retrato da realidade dos abusos de menores pelo clero português desde a década de 1950 até à atualidade. No último ponto de situação, feito em outubro, tinham já sido recolhidos mais de 400 testemunhos de abusos e identificados indícios de encobrimento por parte de vários bispos portugueses, incluindo alguns atualmente no ativo. O trabalho deste organismo teve já o condão de desencadear um debate público inédito sobre o tema, com vários casos polémicos a virem a público.

Aeroporto de Lisboa a descolar

Uma longa novela com o aeroporto de Lisboa e a TAP
(Foto: Global Imagens)

Depois de PS e PSD terem finalmente chegado a acordo para avançar com obras no Aeroporto Humberto Delgado (Portela) e para definir a metodologia do estudo que deverá apontar a solução mais favorável para um novo aeroporto na capital, este é o ano em que se espera ver desbloqueado um imbróglio que dura há 50 anos. O Governo impôs à Comissão Técnica Independente, constituída por seis professores universitários, o prazo limite de 31 de dezembro de 2023 para apresentar o relatório de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE). Até ver, há cinco soluções em avaliação: Portela + 1, com o Montijo a ficar como aeroporto complementar; Portela + 1, com Santarém a ficar como aeroporto complementar; Montijo + 1 (neste caso, seria a Portela a ficar como número 2); Alcochete; Santarém (nestas duas últimas hipóteses, a ideia seria a construção de um aeroporto internacional que substituiria integralmente a Portela). Mas a Comissão pode ainda sugerir outras alternativas.

TAP faz marcha-atrás

(Foto: Sara Matos/Global Imagens)

Depois da reversão da privatização da TAP ter sido uma das grandes bandeiras do primeiro Governo de António Costa, 2022 foi o ano em que o Executivo socialista fez marcha-atrás e assumiu a necessidade imperiosa de voltar a entregar a companhia aérea aos privados. O primeiro-ministro até deixou no ar essa possibilidade logo em janeiro (do ano passado), num debate televisivo com o então líder do PSD, Rui Rio, mas a crise pandémica terá motivado um aceleramento do processo. Em setembro, durante um debate na Assembleia da República, Costa assumiu mesmo a intenção de reprivatizar a TAP nos 12 meses seguintes. Em cima da mesa estará a venda de 50% da transportadora, com a alemã Lufthansa, de um lado, e o grupo que junta a Air France e a KLM, do outro, a constituírem-se como os mais prováveis compradores.

A guerra que é de todos

A guerra na Ucrânia
(Foto: Dimitar Dilkoff/AFP)

Tudo indica que quando, a 24 de fevereiro de 2022, Vladimir Putin deu ordens para bombardear a Ucrânia tinha em mente uma guerra-relâmpago que lhe permitisse assumir o controlo de zonas estratégicas dos territórios vizinhos em menos de nada. Mas os planos saíram furados, o presidente da Rússia não contava com a estoica resistência do país vizinho, o conflito eternizou-se. E assim este flagelo que foi sombra global no ano que agora findou, voltará a ser nota dominante neste que agora começa. Porque, além de não se desenhar uma possibilidade verosímil de fim, ainda há uma ameaça nuclear a pairar. Porque de alguma forma o conflito tem permitido aos EUA ganhar uma preponderância geopolítica crescente, porque há uma avalanche de consequências económicas que já se fazem sentir e que prometem exponenciar-se com a continuidade do conflito: o aumento do preço dos combustíveis, da energia, dos alimentos, do custo de vida no geral. Em suma, a inflação deverá voltar a ser uma das protagonistas do ano.

Ano-chave na Saúde

O desempenho da direção executiva do SNS (liderada por Fernando Araújo, à direita)
(Foto: António Cotrim/Lusa)

Com uma recém-criada direção executiva do SNS (que tomou posse em dezembro) e um novo titular da pasta da Saúde (o socialista Manuel Pizarro rendeu Marta Temido em setembro), é grande a expectativa para perceber o que 2023 trará nesta área crucial e sempre sensível. Uma das grandes questões em aberto relaciona-se com o eventual fecho das maternidades e serviços de obstetrícia, medida sugerida, ainda no ano passado, pelo grupo de trabalho criado para dar resposta à crise nos serviços de urgência. O próprio Fernando Araújo, diretor executivo do SNS, admitiu, em dezembro, que “poderão ser encerradas maternidades” no decorrer deste ano. Mas há outras questões cruciais em aberto: a crónica fuga de médicos do SNS para os privados, a melhoria das condições de clínicos e outros profissionais de saúde, o novo regime de pagamento das horas extraordinários aos médicos, os tempos de atraso em consultas e cirurgias (incluindo em áreas críticas como a oncologia e a cardiologia) que é preciso recuperar, entre outras. E uma dúvida-chave a ecoar: será a nova direção executiva do SNS capaz de dar resposta a esta miríade de problemas?

O maior evento de sempre

A Jornada Mundial da Juventude
(Foto: Igor Martins/Global Imagens)

No início de agosto (de 1 a 6), decorre, em Lisboa, “o maior evento que aconteceu alguma vez em Portugal”, nas palavras do coordenador, José Sá Fernandes. A Jornada Mundial da Juventude, um evento religioso instituído pelo Papa João Paulo II em 1985, tem já 300 mil inscritos, mas espera-se que o número de participantes possa ascender ao milhão. Segundo D. Américo Aguiar, bispo auxiliar de Lisboa e presidente da Fundação Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023, os problemas de saúde que têm incomodado o Papa Francisco, a celebrar dez anos de pontificado, não deverão impedi-lo de marcar presença no evento. É expectável um retorno de 350 milhões de euros.

Seleção feminina apontada ao Mundial

A possibilidade de a seleção de futebol feminino fazer história
(Foto: Carlos Vidigal Jr/Global Imagens)

A seleção portuguesa de futebol feminino está a um passo de fazer história, podendo apurar-se, pela primeira vez, para o Mundial da modalidade. Para isso, a equipa das quinas terá de superar um último obstáculo, um play-off intercontinental que será disputado a 22 de fevereiro, na Nova Zelândia, contra os Camarões ou a Tailândia (ainda está por definir). O Mundial joga-se de 20 de julho a 20 de agosto, na Austrália e na Nova Zelândia. De resto, destaque para o Campeonato do Mundo de andebol, que será disputado na Polónia e na Suécia, de 11 a 29 de janeiro, e para o Mundial de râguebi, que decorrerá em França, de 8 a 28 de outubro. Ambos contarão com a presença da equipa das quinas. Uma nota ainda para os Jogos Europeus, que acontecerão de 9 a 25 de junho na Polónia, e para os Mundiais de atletismo, a disputar de 19 a 27 de agosto, em Budapeste.

Coldplay, Harry Styles e muito mais

Os concertos dos Coldplay em Coimbra também prometem marcar a agenda
(Foto: Leonel de Castro/Global Imagem)

É já este ano que têm lugar os concertos que provocaram a mais louca corrida aos bilhetes de que há memória. Em maio, os mais de 200 mil ingressos para os quatro espetáculos que os Coldplay vão dar no nosso país esgotaram num ápice, com a própria Ticketline a assumir que “nunca houve tanta procura para um evento em Portugal”. A banda de Chris Martin atua em Coimbra a 17, 18, 20 e 21 de maio. Ainda no plano musical, haverá outros nomes grandes a visitar Portugal este ano: é o caso de Robbie Williams (27 de março, Altice Arena), dos Pet Shop Boys (9 de junho, Primavera Sound), dos Red Hot Chilli Peppers (6 de julho, NOS Alive), de Harry Styles (18 de julho, Passeio Marítimo de Algés) ou de Chico Buarque (que entre o final de maio e o início de junho passará por Porto e Lisboa). Para lá da música, destaque para a presença do mítico coreógrafo britânico Akram Khan no festival de dança contemporânea GUIdance (Centro Cultural de Vila Flor), a 11 de fevereiro, ou para a estreia do trabalho “Sweat, Sweat, Sweat”, da coreógrafa Sónia Baptista, no Alkantara Festival (Lisboa), em novembro. Sem esquecer a estreia do Fantasporto no Cinema Batalha, de 25 de fevereiro a 5 de março.