Joel Neto

Os meus camaradas pais


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Não, não, não: eu não estou disponível para me reduzir ao estranho que volta do trabalho às seis da tarde, brinca um pouco com ele no parquinho, trata do banho e depois passa o resto da semana a gabar-se, naquele misto de vaidade e sentimento de culpa que tem sido a fragilidade de tantos de nós: “Eu é que lhe dou banho”. Quero – e felizmente posso – ser mais do que isso.

Não que o estranho seja antipático, note-se. Tem uma barbinha cómica e parece saber a letra de algumas canções bem parvas. Mas às vezes também pica um bocado, aquele barbão todo. E, seja como for, a mamã é a mamã.

E vai continuar a sê-lo, claro. Não tenho ilusões: no dia em que pela primeira vez partir a testa contra a esquina do aparador, o meu filho não vai correr para mim, mas para a Marta. A Marta tem argumentos poderosos: dá-lhe de mamar, pode dormir ao lado dele que a biologia não lhe permite esmagá-lo, tem aquele colo adorável que até ao pai sabe bem e, ademais, pôde parar o trabalho nestes primeiros meses – é-me impossível equivaler-me a ela.

Mas ainda há pouco, enquanto eu lhe trocava a fralda, o Artur chorava abundantemente, atormentado com os gases intestinais, e chegou a hora em que não me restava senão entregá-lo à mãe, porque entretanto tinha um zoom. Pensei: se pára agora, parte-me o coração. Mas continuou a chorar com o mesmo entusiasmo, para meu grande alívio. O que prova duas coisas: há pelo menos uma situação em que o colo do pai não é tão evidentemente menos reconfortante do que o da mãe; e bastam dois meses de paternidade para qualquer um começar a engolir as acusações de egoísmo que fez aos seus pais.

Naturalmente, tudo isto tem custos. Há anos que luto com as dores de cabeça, as pulsáteis e as outras todas – desde que começou isto dos gases, é pior. O trabalho também vai mal, muito obrigado: há programas que me custam a fazer, esta própria coluna tem semanas difíceis, os livros planeados estão todos atrasados e até o jardim, onde todas as semanas eu passava duas tardes a complementar o trabalho do Chico, se desorganizou.

Mas também não há dia de stresse ou de sentimento de culpa (sempre o sentimento de culpa) em que olhar para aqueles sorrisos que ele me faz enquanto o visto de manhã – mesmo as lágrimas e os soluços com que exige o biberão antes da fralda de madrugada – não valha a pena. E assim a Marta também não cede à tentação de se tornar proprietária dele.

Nunca a teria, acho: tudo na sua conduta diária é para me envolver – olha o papá, que bonito é o papá, que bonito é o bebé ao colo do papá, vamos tirar uma fotografia ao bebé com o papá. Mas eu podia empurrá-la para uma situação em que não tivesse outra alternativa. Conheço casos, e não necessariamente de más pessoas: mães a quem a escassez dos pais tornou proprietárias dos filhos – e, enfim, se adaptaram a isso, como num sacrifício não totalmente desprovido de vantagens.

E, no entanto, continuo a ouvir de outros pais que nem uma fralda mudaram, mudam e/ou mudarão. Não percebem, com certeza, que foram, são e/ou serão eles a perder – desde o primeiro dia e para sempre. E, se fosse preciso um homem chegar aos 50 anos para o perceber, então talvez nenhum devesse ser pai aos 30.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)