Os benefícios e os riscos de comer peixe

A ingestão de mercúrio através do consumo de pescado é um problema particularmente preocupante em Portugal devido ao consumo elevado deste alimento

Portugal é o maior consumidor de pescado da União Europeia, o que o torna um país suscetível aos elementos que intoxicam o peixe. Falamos de mercúrio, dioxinas e parasitas. O importante é saber escolher e dosear.

“Sim ao peixe, sem dúvida, apenas sublinhando cuidado com determinadas espécies dentro de determinados grupos.” É desta forma que Nuno Borges, membro da direção da Associação Portuguesa de Nutrição (APN), resume o burburinho que se tem criado nas últimas semanas em torno do consumo de peixe. Já lá iremos. Mas, afinal, é seguro comer pescado? Sim, garante o nutricionista. “É seguro, saudável e recomendado.” E há riscos? “Como em qualquer produto alimentar, quando consumido em excesso, acarreta riscos. Mas basta conhecê-los e compreendê-los para garantirmos que o consumimos da forma menos ‘problemática’ possível.”

Vamos por partes. Primeiro, o alarido. Nas últimas semanas, a presença de mercúrio no peixe tem sido tema corrente nos meios de comunicação social, nas redes sociais e nas conversas de café. Depois de um relatório do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS), que detetou a presença de espécies com elevado teor de mercúrio em mais de um terço das ementas escolares em Portugal, a Direção-Geral da Saúde indicou às escolas que deixem de servir estes peixes. Trata-se de espécies como a maruca, o cação, a tintureira. O PNPAS classificou estas espécies no seu relatório como “potencialmente perigosas”. Mas, afinal, como é que acontece a intoxicação destes animais com mercúrio?

“Tem mão humana”, começa por explicar Nuno Borges. O especialista da APN elucida que o mercúrio presente nos animais marinhos está relacionado, em grande parte, com poluentes produzidos pelo ser humano. Tintas, corantes, incinerações. “Há também uma percentagem residual causada por vulcões e outros fenómenos naturais, mas o grande problema é a ação humana.” Dado que a presença de mercúrio nos peixes acontece devido à poluição, “este será um problema que estará para durar por muitos anos”.

Da atmosfera para o mar

O mercúrio é um metal que, estando presente no ar e “caindo” para a superfície através das chuvas, ou com contaminação direta da água, polui os meios aquáticos. A água infetada, por sua vez, intoxicará os organismos que lá vivem. “O mercúrio não é excretado pelos organismos, o que faz com que se acumule ao longo do tempo”, avança Nuno Borges. Assim, cada vez que um peixe come outro, os níveis de mercúrio vão aumentando. “Cada vez que eu subo um nível trófico (nível na cadeia alimentar) a concentração de mercúrio aumenta dez vezes.”

E que espécies são estas que estão mais suscetíveis à contaminação por mercúrio? “Aqueles peixes que são os predadores de topo da cadeia alimentar – peixe-espada, espadarte, lúcio e tudo o que são tubarões, como o cação e a tintureira.” Esses, em determinados grupos considerados de risco ou mais sensíveis, devem ser evitados, afirma o também professor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP).

Nuno Borges adianta que este é um problema presente no caso do consumo de peixe, “porque comemos o topo da cadeia alimentar”. “No caso da carne, não consumimos o que está no topo, como o leão ou a águia, porque, se consumíssemos, íamos ter o mesmo perigo.”

Recentemente, a Deco Proteste participou “num estudo internacional que envolveu Portugal, Bélgica, Espanha e Itália”, no qual foram detetados “níveis de mercúrio especialmente elevados em cinco espécies de peixe no nosso país”, entre eles o cação e o espadarte. Por isso, recomenda a Deco, “devem ser consumidos ocasionalmente”. “Pelo contrário, os mais pequenos, como a sardinha e o carapau, acusam níveis baixos e podem ser ingeridos diariamente sem riscos para a saúde.”

Os grandes consumidores

A ingestão de mercúrio através do consumo de pescado é um problema particularmente preocupante em Portugal devido ao consumo elevado deste alimento. Em média, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, cada português consome 56,5 quilogramas de peixe por ano. Somos o maior consumidor de pescado na União Europeia (UE), na qual a média de consumo de pescado é cerca de metade da portuguesa. A nível mundial, Portugal encontra-se em terceiro lugar.

Seguindo a mesma linha de raciocínio de Nuno Borges, da APN, a também nutricionista Daniela Duarte responde com convicção à pergunta “há riscos associados ao consumo de peixe?”. “Obviamente que sim, tal como qualquer outro alimento, o que temos de perceber é que riscos são esses e quais os riscos de não comer peixe, pesando os dois lados da balança.” A especialista em nutrição começa por sublinhar que a preocupação no consumo de peixe não se aplica a todas as pessoas – os tais grupos de risco ou sensíveis que Nuno Borges referia. “Estes alertas aplicam-se a crianças, lactantes, grávidas e mulheres que pensam engravidar a curto prazo.”

Estes grupos específicos, segundo Daniela Duarte, devem evitar o consumo das espécies referidas anteriormente, que são suscetíveis de acumular altos níveis de mercúrio e de outros metais. Daniela Duarte pormenoriza que a intoxicação por mercúrio está ainda a ser estudada de forma aprofundada, sabendo-se para já que se tratarão de “consequências a longo prazo”. “O que se sabe deste metal pesado é que está associado a doenças cognitivas”, daí se preservar no grupo de maior risco os fetos, bebés e crianças, que se encontram em desenvolvimento cognitivo.

Ainda assim, a nutricionista alerta para a facilidade de se cair em extremos ou alaridos desnecessários. “Temos de compreender que, atualmente, principalmente devido à poluição, é difícil termos um meio totalmente controlado.” Hoje o tema de conversa é o mercúrio, daqui a uns anos será outro componente tóxico. Portanto, mesmo dentro dos grupos considerados sensíveis, “o importante é saber escolher o peixe e a origem do mesmo”, nunca deixando de incorporar este alimento na dieta, diz Daniela.

As melhores escolhas

Peixes de menores dimensões, mais jovens ou que não se encontram no topo da cadeia alimentar são mais seguros, tal como já referido pela Deco. Os enlatados, acrescenta a nutricionista da Agita Kalorias, são também seguros, “porque são utilizados com subcategorias de peixe”.

Mas tal como é importante pesar os riscos, é relevante passar a olhar para os benefícios. Daniela Duarte sinaliza a presença de vitaminas e minerais no peixe fundamentais à manutenção da saúde. As gorduras saudáveis, como o ómega 3, presentes sobretudo no salmão e no atum, são parte importante de uma dieta equilibrada. Em suma, segundo a nutricionista, o peixe deve estar presente duas a três vezes por semana, sendo que uma delas deve ser o tal pescado rico em gordura, que apresenta propriedades anti-inflamatórias.

Uma das formas de tranquilizar a população são as garantias dadas pela UE. Segundo a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), a regulamentação europeia prevê os valores máximos de mercúrio que são permitidos para serem considerados “seguros”. “O valor para o Hg (mercúrio) é de 0,5 mg/kg de peso no pescado em geral, com algumas exceções (por exemplo o atum e o peixe-espada) em que é admitido o valor máximo de 1 mg/kg”, lê-se no site da ASAE.

Nuno Borges detalha que, em Portugal, as diretrizes à população em geral sobre a presença de mercúrio no pescado estão para ser publicadas em breve. Em Espanha, por exemplo, já existem, apresentando uma “espécie de gráfico de fácil compreensão sobre todas as informações de espécies e grupos de risco que já referimos”, aponta o docente da FCNAUP.

E o sushi?

Ainda que a contaminação do peixe com mercúrio seja um tema recente, há outras preocupações relacionadas com as espécies aquáticas que vêm de trás. É o caso do consumo de peixe cru ou mal cozinhado. Quem é que nunca ouviu que comer o tão famoso sushi acarreta riscos?

Recentemente, uma equipa do Laboratório de Patologia Animal do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental e do Departamento de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto alertou, num estudo publicado numa revista científica, “para os perigos associados ao consumo de peixe cru”, principalmente num momento em que a ingestão desta forma de pescado tem vindo a aumentar. “A anisaquíase, provocada pelo parasita anisakis, é um exemplo de doença causada pela ingestão deste preparado”, assinala Maria João Santos, investigadora e líder do projeto.

Para diminuir a probabilidade de ingerir este ou outros parasitas, “é recomendado que o peixe que é consumido cru ou malcozinhado, deve levar um tratamento de frio, que consiste em estar 24 horas a uma temperatura de 20 graus centígrados negativos”. No caso de serem peixes cozinhados, sejam grelhados, cozidos ou assados, o parasita é morto com dez minutos a 70 graus, especifica Maria João Santos. Para que se esteja alerta, a investigadora enumera alguns dos sintomas, como vómitos, diarreia e dores intensas de estômago ou intestino.

A investigadora nota que, em Portugal, não existem dados sobre a utilização destas práticas nos restaurantes. “Em Itália, por exemplo, verifica-se que a quantidade de restaurantes a cumprir estas recomendações para a eliminação de parasitas anda à volta dos 60%.”

Maria João Santos sublinha que, além da utilização de métodos como o calor ou frio, já mencionados, ou da esventração do peixe a bordo, a opção por espécies de aquacultura reduz também o risco de ser contaminado por parasitas, dado que, neste meio de produção do pescado, a presença destes organismos é residual.