Opinião da jornalista Sara Gerivaz, que está na Ucrânia desde terça-feira, dia 14 de fevereiro.
Qual é a sensação de pisar o solo de um país em guerra? Desde que soube que vinha para a Ucrânia, perdi a conta ao número de vezes que essa pergunta, bem como tantas outras, me assolou os pensamentos. A guerra vê-se no rosto das pessoas? Sente-se todos os dias? Em todos os lugares? E o medo, como é que se lida com o medo?
Há um ano, quando soou o trágico alarme a 24 de fevereiro, assisti ao desenrolar dos acontecimentos com o coração apertado, ainda sem perceber bem o que estava a acontecer. As notícias disparadas a todo o instante atingiram-me como balas. Durante longos dias, arregalei os olhos de espanto ao ver casas destruídas, vítimas a amontoarem-se, famílias separadas à pressa pela força da incerteza.
Foi preciso chegar à Ucrânia para voltar a mergulhar neste sentimento que, confesso, se tinha dissolvido na rotina dos meus dias tranquilos, demasiado distantes do horror perpetuado por aqui.
Volvidos quase 365 dias sobre o início da guerra, pisei o solo de Odessa, uma cidade que também tem mar, e é-me difícil traçar uma sensação límpida, ter um olhar cru e verdadeiro. É quase injusto. Apesar dos apagões generalizados, na primeira noite não soaram os alarmes. Pela manhã, senti a neve a cair-me no rosto e vi a vida a acontecer com uma aparente tranquilidade. Há restaurantes e bares abertos, grupos de jovens a tomarem café nos quiosques, velhinhas a passearem os cães no jardim. Os geradores à porta dos estabelecimentos são dos poucos sinais de que algo se passa. É a solução para quando a energia voltar a falhar.
Ainda assim, não me esqueço que a guerra está perto. Continua a roubar vidas todos os dias. A transformar aldeias em destroços, famílias em cinzas. Não nos deixemos habituar a isso, passem os anos que passarem. Afinal são pessoas. Tais como eu, tais como nós.
