O reagente ideal
O que penso da educação que as outras pessoas dão aos filhos? Peço escusa. Ainda eu não dispensava a isso uma curiosidade mais do que (digamos) científica, e já uma coisa se me tornara evidente: nunca se sabe. Modelos de educação aparentemente votados ao fracasso resultam, afinal, em gente curiosa e bem resolvida, enquanto outros em que se poderiam apostar dois ordenados não produzem mais do que pessoas egocêntricas, competitivas, profundamente solitárias e/ou bastante infelizes. A verdade é que há entre cada conjunto de pais e filhos, como entre cada par de marido e mulher, uma tão extensa e particular série de memórias, afectos, mágoas e recalcamentos que ninguém de fora, por muito eloquentes que lhe pareçam os sinais, pode determinar se uma educação está a ser, será ou sequer foi bem-sucedida.
Mas isso não impede que, caladinha, uma pessoa vá trabalhando num método de processamento e sistematização da experiência dos outros, até para o caso de a vida a surpreender com a oportunidade de educar alguém. É o ponto em que estou: soterrado por toda essa informação que parecia não ter outra utilidade senão municiar as minhas personagens, mas com que agora tenho de produzir o meu próprio contributo para a formação de uma pessoa. Facto: metade daquilo sobre que tinha a certeza desmoronou-se nestes nove meses e pelo menos um terço do que penso agora é o oposto daquilo por que, antes, podia bater o pé. Mas uma coisa não mudou: o reagente de referência. Isto é, o melhor critério para aquilatar das mais fundas inclinações da educação numa determinada família: perceber como se relacionam os filhos.
Irmãos que se dão bem uns com os outros atestam de uma educação pelo menos afectuosa. Até pode acontecer que se dêem bem porque se socorrem mutuamente em momentos de aflição, vítimas desiguais da violência de um dos progenitores: o mais provável é que o outro os tenha amado o suficiente para os fazer resistir juntos. Já irmãos que se dão mal nunca me pareceram demonstrar mais do que o egoísmo dos pais. Que às vezes os dividem de modo a poderem manipulá-los e outras – é verdade – apenas os negligenciam ao longo de décadas, reduzindo-os a apêndices das suas vidas grandes, ou importantes, ou apenas demasiado desestruturadas para cederem prioridade. Não importa: ministraram educações miseráveis, pelas quais os filhos vão pagar de certeza (e eles próprios, havendo tempo, pagarão também).
Conheço irmãos que se dão bem e irmãos que se dão mal, irmãos que se ignoram apaixonadamente, irmãos que se ignoram sem qualquer entusiasmo e irmãos que se amam de maneira tão bela como despojada. Em nenhum caso a natureza da respectiva relação me parece imputável a eles em primeiro lugar. Tenho exemplos para tudo, e o meu (o nosso) de modo nenhum é admirável. Nos piores exemplos, há um irmão evidentemente mais mal-amado, mas no fundo a suprema vítima é o outro, porque ao menos o primeiro (quase sempre) ganhou autonomia. Nos melhores, ambos desejam realmente a felicidade ao restante, vibrando com os seus sucessos, chorando os seus fracassos e, em qualquer caso, acorrendo ao rescaldo.
Eis tudo quanto aprendi em 50 anos. O mais permanece uma névoa. E, como o Artur ainda nem um irmão tem, continuo sem ideia sobre o que andamos aqui a fazer.