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O impacto das greves nos alunos que vão ter exames

(Foto: Leonel de Castro/Global Imagens)

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O cenário é díspar pelo país. Entre escolas onde a paralisação foi constante e outras onde os alunos mal sentiram a luta dos professores, o estado de espírito com as provas finais do 9.º ano e os exames nacionais do Secundário, que ditam futuros, é um novelo de muitas cores. A pressão para os estudantes mais afetados pela falta de aulas aumentou, a ansiedade dos pais idem. Mas os docentes prometem dar toda a matéria. E o turbilhão parece longe do fim.

As aulas chegam ao fim na quarta-feira, pelo menos para Maria Martins que está prestes a fazer as provas finais do 9.º ano. Depois vem a jornada de estudo. O ano foi um turbilhão de greves e de lutas dos professores, de paralisações que duram desde dezembro, de escolas ora de portões fechados ora de portões abertos na incerteza de ter ou não ter aulas, de um braço de ferro entre sindicatos e Governo. A primeira prova é Matemática, a 16 de junho, logo depois vem Português. E o pai, Manuel Martins, acusa o cansaço. “Os professores têm toda a legitimidade para reivindicar, mas é claro que isto prejudicou os alunos. Depois de termos passado o que passamos com três anos de pandemia, com a telescola, com todos os constrangimentos que vão perdurar no tempo, obviamente que a greve teve impacto, é uma evidência.”

Manuel tem outro filho, de oito anos, a estudar numa escola privada. “E a diferença é que a minha filha não teve muitas vezes aulas, enquanto o meu filho teve sempre aulas.” A escola de Maria, a Filipa de Vilhena, no Porto, chegou a fechar quando os assistentes operacionais se juntaram à greve. E os avós, “bombeiros de serviço”, eram quem salvava os pais enfiados no trabalho, sem poderem ir disparados buscar a filha. Por outras tantas vezes, quando a paralisação era só de professores, nomeadamente nas greves por distrito, “a Maria acabava por ficar na escola, mesmo sem aulas, porque não havia a absoluta certeza de que todos os professores faltariam”. Contas feitas, uma montanha-russa de muitas horas letivas perdidas, “numa greve muito frequente ao longo do ano”. Só a professora de Português é que não aderiu tanto à luta docente. E as provas finais a aproximar-se, a Matemática é o calcanhar de Aquiles. “Tem negativa e acho que não está preparada para a prova. Mas a Matemática foi sempre um handicap grande, chegou a ter explicações em anos anteriores. Se ela já tinha dificuldades, não tendo tido todas as aulas é a tempestade perfeita. Não sei se iria ter uma recuperação espetacular se tivesse tido todas as aulas, mas mal não fazia.”

Maria ainda frequentou aulas de Matemática de recuperação de aprendizagens (que fazem parte do plano lançado pelo Governo em 2021, devido à pandemia), “fez o esforço de ficar na escola todas as quartas-feiras à tarde, quando tinha a tarde livre”. Só que isso não parece ter sido suficiente. Manuel não está ansioso com as provas, está mentalizado. “Para Português acho que está preparada. Agora, se me assusta que vá ter negativa na prova de Matemática? Não, já estou a contar, é um problema detetado há algum tempo, fizemos o que era possível.” Resta esperar pelos resultados, com uma certeza: Maria há de seguir Línguas e Humanidades no Secundário.

“Não há o lado dos professores e o lado dos pais”

Pelo país, o impacto da greve fez-se sentir de forma muito díspar. Houve escolas muito ativas na luta, com uma adesão massiva dos docentes à paralisação, e muitas outras desligadas de um protesto que marcou o ano letivo – e que promete manter-se, nove organizações sindicais já anunciaram greve aos exames e às avaliações finais, no último caso o S.TO.P. também já o tinha feito e o Tribunal Arbitral decretou serviços mínimos para a greve às avaliações do 12.º ano. Mariana Carvalho, presidente da CONFAP (Confederação Nacional das Associações de Pais), sublinha isso mesmo. “Há escolas onde não houve greve praticamente. E depois tivemos situações, nomeadamente no Algarve e na zona da Grande Lisboa, em que, durante o mês de janeiro, os alunos quase não tiveram aulas. Portanto, os pais não conseguem tomar uma posição única. Até porque os professores dizem-nos, e confiamos neles, que conseguem gerir o impacto e fazer com que não haja perdas no conhecimento dos alunos.”

“Alguns [alunos] entraram em stress. E há pais que estão com muitos receios. Sabemos que os exames ditam o futuro destes jovens, ditam a vida. Mas aquilo que nos foi chegando é que os professores dos alunos que vão a exame acabaram por ter mais cuidado”, assegura Mariana Carvalho, presidente da CONFAP
(Foto: Maria João Gala/Global Imagens)
O estilo de greve, marcado pela inconstância “de escolas fechadas às nove da manhã e que depois abriam às dez, o que levava a que muitos alunos tivessem falta”, essa incerteza é que trouxe alguma revolta. É preciso lembrar que o protesto acontece num ano de inflação, “em que muitos pais tiveram que encontrar um segundo emprego, de fazer horas extras, e precisaram da escola, porque não tinham onde deixar os filhos nem tinham capacidade para os ajudar à noite com o estudo”.

Mariana assumiu a presidência da CONFAP há um ano, pouco antes do vendaval de greves que assolou as escolas. É um rosto novo, tem 40 anos, licenciada em Ciências do Ambiente, trabalha no setor automóvel desde sempre, em S. João da Madeira. Entrou no movimento associativo parental em 2017 e acabou por ser proposta pelo Conselho Executivo anterior para a presidência da CONFAP, que tem elementos de todo o país e ilhas (só falta ter a Madeira representada nos órgãos sociais). É interventiva, conciliadora, estuda a legislação ao milímetro. “Tornei-me presidente num ano em que temos de lidar com esta instabilidade. Mas tive uma vantagem – não conhecia ninguém e ninguém me conhecia. Pudemos começar do zero, não havia animosidades ou atritos. Além de que é um trabalho de equipa, somos muitos, todos voluntários.” Até a filha Leonor, de dez anos, que está no 4.º ano, já bebe do espírito associativo.

A CONFAP tem acompanhado a questão das greves de perto, tanto com o Ministério da Educação, como com os sindicatos. E, apesar de apoiar muitas das reivindicações e de defender que é necessária “uma revisão da carreira, voltar a torná-la apelativa, valorizar os professores – porque não há aprendizagem sem ensino”, Mariana alerta que “não cabe aos pais dar pareceres sobre as lutas dos docentes”. “Nunca estivemos contra os professores. Não há o lado dos professores e o lado dos pais. Todos lutamos pelo mesmo, por comunidades educativas felizes.” Mas as perdas, admite, existem. Bem para lá das greves. “Dois anos de pandemia, um terceiro com restrições e no ano em que se recupera a normalidade há greves. Recuperar aquilo que não se dá no tempo previsto não é fácil. Não sabemos, ao dia de hoje, quais são as perdas exatamente. E a perceção dos pais é que não está a haver recuperação das aprendizagens.” Mariana não tem meios para aferir se o plano de recuperação de aprendizagens em vigor, devido à pandemia, está a ser aplicado. “Em alguns locais sabemos que está, de facto, a existir. Mas não podemos generalizar.” Há uma certeza: a evidência ainda maior das desigualdades. “As famílias que têm capacidades financeiras encontram mecanismos alternativos, nomeadamente recorrendo a explicações. Naquelas que não têm essa possibilidade, há um esforço muito maior dos alunos para conseguirem atingir o patamar de aprendizagem.”

Entre a Medicina e a Medicina Dentária

Simão Barros Pinho tem explicações desde o início do Secundário. Gosta de estudar em casa sozinho, no sossego – quando a mãe está em teletrabalho já lhe troca as voltas. Está no 12.º ano, ainda a pesar a balança entre a Medicina e a Medicina Dentária. Uma eterna indecisão. É segunda-feira, tinha acabado de chegar a casa das explicações. “Acho que, para quem tem possibilidade, é sempre uma vantagem. É diferente ter um professor a dar um conteúdo a 20 alunos ou um professor só para mim, a andar ao meu ritmo. Não acho que seja determinante para ter boa nota, mas ajuda.”

“Acabamos por ouvir as frustrações dos professores e percebemos que não é fácil. Têm um papel muito importante e se alguém nos está a prejudicar não são eles, é o Governo, que lhes devia dar mais atenção”, reconhece Simão Barros Pinho, aluno do 12.º ano, com a mãe, Isabel Barros
(Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

Num ano letivo perto de decidir o futuro, a greve na Escola Secundária Oliveira Júnior, em S. João da Madeira, onde estuda, fez-se sentir. “No início do ano teve mais impacto. Tenho até o caso de uma professora que já está no escalão máximo e que também fez por solidariedade. Mas, quando entraram em vigor os serviços mínimos, os professores e os funcionários não aderiram tanto”, relata. Como a carga letiva no 12.º é mais leve (só tem aulas de manhã), sempre que havia greve “acabava por perder só uma manhã e no caso da disciplina de exame, Matemática, eram duas horas, além de que na semana seguinte a professora arranjava sempre maneira de repor essa aula”. Assistiu às negociações acesas entre Ministério e sindicatos pelos media, foi estando atento ao furacão de protestos que aterrou no ensino. “É curioso, porque acabamos por ouvir as frustrações dos professores e percebemos que não é fácil. Têm um papel muito importante e se alguém nos está a prejudicar não são eles, é o Governo, que lhes devia dar mais atenção.”

Além do exame de Matemática, Simão vai repetir os de Biologia e de Físico-Química, que já fez no ano passado, para tentar melhorar a nota. Neste ano, à semelhança dos últimos três, os exames nacionais do Ensino Secundário vão continuar a servir apenas como provas de ingresso no Ensino Superior, ou seja, só quem quer seguir para a universidade é obrigado a fazer e pode escolher as disciplinas de exame. Uma medida para responder aos impactos da pandemia no ensino, que Mariana Carvalho viu com bons olhos. “Até porque os alunos que estão agora no 12.º iniciaram o Secundário em pandemia, com muitas restrições. A CONFAP foi ouvida e deu parecer favorável. Não queremos que os exames sejam mais fáceis só para haver melhores resultados, queremos que haja aprendizagem efetiva, mas concordamos com a questão de se poder escolher os exames.”

Foi o alívio de Simão, que se livrou da prova de Português (no próximo ano, o modelo já vai sofrer alterações e todos os alunos estão obrigados a fazer exame de Português, além de outros dois à escolha, para concluir o Ensino Secundário – antes da covid-19 eram obrigatórios quatro exames). “Graças a Deus. Era o que mais me afligia, completamente. É a disciplina em que estou pior.” Na Matemática, a matéria está atrasada, “porque o programa é mais extenso, não terá propriamente a ver com a greve”. Mas está tranquilo, começou a estudar em março para os exames, tem média de 18,6. E a mãe, Isabel Barros, não está “nada preocupada”. “Não acho que a greve o tenha afetado, houve outras escolas em que as greves tiveram muito mais impacto. Ele tem um método de estudo espetacular, vai gerindo muito bem e tem a sorte de ter professores que apoiam muito.”

Ao contrário do que aconteceu com Simão, Mariana Carvalho sabe que a pressão em muitos alunos que têm exames nacionais aumentou num ano de turbulência. “Alguns entraram em stress. E há pais que estão com muitos receios. Sabemos que os exames ditam o futuro destes jovens, ditam a vida. Mas aquilo que nos foi chegando é que os professores dos alunos que vão a exame acabaram por ter mais cuidado e garantiram que as matérias iam ser dadas. É essa a nossa expectativa. A própria associação de diretores escolares pediu-nos para confiar nos professores.” O calendário escolar já prevê algumas aulas de preparação para exame e Mariana quer acreditar que vão ser aproveitadas para dar matéria que possa estar em atraso.

Grevistas que também são pais

Sofia Santos, professora do Secundário e de uma disciplina de exame, pode atestar isso. Dá aulas de Educação Visual ao 7.º ano e de Geometria Descritiva aos 10.º e 11.º anos na Escola Secundária de Paços de Ferreira (onde está desde 2004, quando efetivou). E, sim, aderiu às greves – já chegou a desistir da docência durante dois anos pela revolta, mas acabou por regressar ao ensino. Desde 9 de dezembro que todos os dias pela manhã ela e outros professores se concentram à porta da escola em manifestação, ainda hoje mantêm o ritual, qual resiliência, e vão fazê-lo até terça, dia da próxima greve. Ao longo do ano, Sofia fez greve aos primeiros tempos, aderiu às greves distritais, foi às manifestações. Os portões da escola chegaram a fechar um dia. A luta esmoreceu quando foram decretados os serviços mínimos, mas ela não desistiu. Está a fazer greve às provas de aferição – foi chamada já por duas vezes.

“A escola da minha filha não sentiu grande impacto. E ela é muito boa aluna, muito trabalhadora, não a sinto mais ansiosa”, afirma Sofia Santos, professora da Escola Secundária de Paços de Ferreira, que aderiu às greves, e que é mãe de três filhas, uma delas, Maria João Finisterra, está no 12.º ano
(Foto: Leonel de Castro/Global Imagens)

Com a turma de 11.º ano (metade vai fazer exame a Geometria Descritiva), foi gerindo tudo com pinças. Nunca avisou os alunos que ia fazer greve, mas sempre lhes disse que era uma professora em luta, e eles bem a viam a pintar cartazes à porta da escola. “Aceitaram muito bem e nunca me disseram que se sentiam prejudicados. Até porque nas greves aos primeiros tempos nunca apanhava a turma de 11.º ”, comenta. Também nunca ouviu comentários negativos dos pais, que tantas vezes paravam o carro junto à manifestação para lhe darem apoio. Uma aluna chegou a entrevistar os professores em protesto e a aproveitar o tema para um trabalho de História. “Senti os alunos solidários, o que até me deixa comovida.”

Os conteúdos para o exame vão ser todos dados, é uma garantia que dá. Só falta uma pequena parte. “E também é uma disciplina muito prática, que implica sobretudo treino. Quando não lhes ia dar aulas, enviava sempre os exercícios por WhatsApp ou pelo Classroom para irem praticando, e as aulas serviam sobretudo para tirar dúvidas. Não sinto que haja perdas e também por isso é que fiz greve, porque tenho consciência que não prejudicaria os meus alunos se faltasse a uma ou duas aulas.”

Só que, além de professora, Sofia é mãe. Está dos dois lados da barricada. Tem três filhas, uma delas, a Maria João, no 12.º ano da Escola Secundária da Maia, que vai fazer o exame de Português. Quer seguir Psicologia ou Marketing. “A escola dela não sentiu grande impacto. No caso da minha filha mais nova, que está no 10.º ano, duas professoras aderiram à greve. Mas a Maria João nunca se apercebeu que algum professor tenha faltado por greve.” E a mãe sente que ela está preparada para o exame nacional. “É muito boa aluna, muito trabalhadora, não a sinto mais ansiosa. Claro que se está a aplicar muito, mas não é porque a matéria não tenha sido lecionada.”

A experiência de Magda Lopes, professora primária grevista, foi diferente. Tem dois filhos, um deles no 9.º ano a caminho de fazer as provas finais e sente que ele não está preparado. Já lá vamos. As greves começaram no dia do aniversário de Magda. “Fiz greves por tempos letivos, dias inteiros, aderi às greves distritais, às greves às provas de aferição, e sei que foi um ano atribulado, porque os pais tiveram que organizar a sua vida profissional de forma a poderem vir buscar os filhos quando não havia aulas.” Já leva 20 anos de serviço, só vinculou há dois, dá aulas em Gondomar. “Apesar da luta, não sinto que os meus alunos tenham ficado prejudicados. Consegui dar os conteúdos todos. Mas é certo que não foi com a tranquilidade expectável, notei em mim um cansaço tremendo, muitas vezes tive que me deslocar a Lisboa para as manifestações aos sábados, abdicando do meu tempo de descanso.”

Olhando para o filho Martim, que está quase-quase a fazer as provas de Português e Matemática do 9.º ano, Magda reconhece que “as greves tiveram impacto”. “Ele é um adolescente que só estuda o mínimo, não é um aluno muito dedicado por natureza. Com os professores a faltar – e os dele aderiram em força à greve, o que acho muito bem – notei que muitos conteúdos ficaram por lecionar. Ele fez até alguns testes como se tivesse sido tudo lecionado. E acabou prejudicado à conta de um ano atípico.” Na escola de Martim, em Valongo, as greves aos primeiros tempos foram uma realidade, o que o obrigava a ficar “lá à espera”. Não aconteceu com ele, mas alguns colegas da turma chegaram a ter falta (porque se iam embora) quando as aulas eram de dois tempos e os professores faltavam apenas ao primeiro.

“Ele não é um aluno muito dedicado por natureza. Com os professores a faltar – e os dele aderiram em força à greve, o que acho muito bem – notei que muitos conteúdos ficaram por lecionar. E acabou prejudicado à conta de um ano atípico”, explica Magda Lopes, professora da Escola Básica da Venda Nova, em Gondomar, que aderiu às greves, e que é mãe de dois filhos, um deles, Martim Santos, está no 9.º ano
(Foto: Leonel de Castro/Global Imagens)

Martim está num centro de estudos, duas vezes por semana, para tentar recuperar o que se perdeu pelo caminho, num esforço financeiro da família que compensa. “Acho que isso foi crucial. Acredito que quem não teve oportunidade de ir para um centro de estudos, provavelmente perdeu alguns conteúdos”, diz Magda.

Apesar de tudo e de tanto, a mãe não está ansiosa com as provas. Na verdade, Martim é aluno de quatro às duas disciplinas, “e se estudasse poderia tirar ainda melhores notas”. “Por um lado, até acho que me vou surpreender com os resultados, acho que ele vai sair-se bem. Nem estou receosa por causa da entrada no Secundário, algumas disciplinas poderiam ter sido mais bem consolidadas, mas ele acaba por recuperar.” No fim de contas, Magda não culpa os professores de Martim, “de modo algum”. “Temos que mostrar o nosso descontentamento. E é importante sublinhar que não recebemos quando fazemos greve. Houve vários meses em que não recebi o salário completo. A greve é um direito.”