A rubrica "Máquina do Tempo" desta semana recorda o beijo fotografado por Alfred Eisenstaedt em Times Square.
4 de agosto de 1945
Alfred Eisenstaedt registou o beijo entre um marinheiro e uma auxiliar de dentista no meio da Times Square, Nova Iorque, EUA. O retrato rodou o Mundo. Era o grande sinónimo da celebração do fim da Segunda Guerra Mundial. O imaginário popular fez a sua narrativa. Para muitos aquele ainda é o reencontro de um casal apaixonado. Mas não.
“De repente, fui agarrada pelo marinheiro”, afirmou numa entrevista em 2005 para o Veterans History Project Greta Zimmer Friedman, uma auxiliar de dentista austríaca e judia que fugiu para os Estados Unidos, em 1939. “Senti que ele era muito forte, e estava a segurar-me com força. Não tenho certeza sobre o beijo… era só alguém celebrando. Não era um evento romântico.”
O marinheiro era George Mendonça, que ali tinha ido com Rita, sua namorada e futura esposa. George estava completamente bêbado. Nesse dia, à semelhança de muitos outros homens, agarrou e beijou todas as mulheres que via e podia. Numa das quatro fotos tiradas por Eisenstaedt, é possível ver Rita a sorrir sem grande jeito ao fundo. Conseguimos imaginar se tivesse acontecido ao contrário?
20 de agosto de 2023
As televisões mostraram em direto. Após a vitória sobre a Inglaterra por 1 a 0, o clima era de euforia em Espanha. Na entrega das medalhas às novas campeãs do Mundo de futebol feminino, Luis Rubiales, presidente da Federação Espanhola, estava no pódio para cumprimentar as jogadoras. Jenni Hermoso, capitã da seleção, recebeu as saudações da rainha, da infanta e, depois, é agarrada pela cabeça por Rubiales que de seguida lhe espeta um beijo na boca. “Não gostei. Mas o que é que eu poderia fazer?” Ele diz ter sido levado pela euforia do momento. A polémica instala-se. Se ela não queria porque não o empurrou?
Ceder, perante o medo, perante o espanto, perante todos, não é consentir. Embora Rubiales e os seus “seguidores” digam que sim. Ainda que Jenni Hermoso apareça em imagens a rir-se mais tarde com as companheiras do que aconteceu. Trata-se de um mecanismo para ultrapassar o sucedido. Porque o que importa mesmo é que, naquele pódio, a jogadora foi apanhada desprevenida pelo seu superior.
Aquele beijo, como outros antes dele, se não foi consentido, não deveria ser romantizado. A diferença é que hoje somos todos mais conscientes da desvalorização sofrida ao longo dos tempos dos direitos das mulheres e das questões relacionadas com a violência e o assédio que tiveram e têm de enfrentar diariamente. Condenar aquele beijo e impedir que outros idênticos aconteçam, à frente ou atrás das câmaras, deveria ser missão de todos nós.