O amor e a coragem dos voluntários na oncologia pediátrica

Não basta cumprir os requisitos legais, como ter um registo criminal imaculado. É preciso tempo, disposição, carinho. E gostar de brincar. Acima de tudo, enfrentar a dor alheia sem vacilar, ainda que muitas vezes se engula em seco. Fomos ao encontro de voluntários nos quatro hospitais públicos do continente que tratam crianças com cancro. Também eles são uns heróis.

O cancro é um conjunto de sortes. Não é um grande azar.” Aos 61 anos, Rita Teles Branco conhece bem a doença que a persegue desde os 23. Primeiro a tiroide, depois dois tumores na pele. Por isso, a resposta é rápida quando se pergunta por que razão é voluntária num hospital que trata doenças do foro oncológico: “Motivação, eu tinha!”. Há quase duas décadas que está com a Liga Portuguesa Contra o Cancro. Começou por fazer campanhas de prevenção em escolas, passou a dar apoio no serviço de ambulatório do Instituto Português de Oncologia (IPO) em Lisboa e é nessa sua casa que continua. Mãe de três filhos, avó recente, Rita trabalha na pediatria desde 2010.

Era ainda jovem quando despertou “para a missão”, mas levou algum tempo a inscrever-se na Liga-Núcleo Regional do Sul. Passados anos, quando as condições físicas a obrigaram a abrandar, mudou de serviço. “Não escolheria a pediatria. Nunca”, diz. Só que continuava a ter bem presente o compromisso e isso levou-a “para onde fazia falta”. Foi, então, para o meio das crianças. Apesar de ser horrível vê-las sofrer, garante que “há muita esperança naquele sétimo piso”.

No IPO de Lisboa, a Liga tem 95 voluntários a trabalhar com crianças e jovens (ao todo, tem 561). Dão apoio psicológico aos doentes e familiares, tanto na consulta externa como no internamento. Com perfil adequado à função, o que se afere numa entrevista e pelo registo criminal – tratando-se de uma tarefa que implica contacto regular com menores, é exigido um certificado, ao abrigo da Lei n.º 113/2009 -, os candidatos fazem uma formação específica e cumprem um estágio antes de ficarem vinculados. Práticas que são transversais a todas estas instituições.

Há outros requisitos que Rita nos ajuda a descobrir. Desde logo, a sensibilidade. Os voluntários devem ser “bons ouvintes”, porque o doente “precisa de ser ouvido e de ver o seu sofrimento valorizado”. Outra dica: nunca cortar a comunicação, falar olhos nos olhos. A evitar – e que ela transmite aos colegas mais novos – é a “síndrome do perito”. Se porventura fosse médica, ali nunca passaria de uma voluntária, pois há uma regra de ouro que acaba também por ser comum a estas entidades: não fazer perguntas, não fazer comentários, não dar conselhos.

Rita Teles Branco, 61 anos. Na pediatria do IPO de Lisboa desde 2010, tem quase duas décadas de voluntariado junto da Liga Portuguesa Contra o Cancro. “Aprendi a pôr as coisas em gavetas e a fechá-las”
(Foto: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

Às segundas-feiras, Rita deixa a sua loja entregue a outra pessoa para subir àquele sétimo piso. Ou para brincar com os meninos, ou para substituir os pais quando os filhos estão em isolamento. Nessas alturas, “a mãe pode ir chorar”. Sem arrependimento por estar na pediatria, adora o que faz. E já não leva o sofrimento das crianças para casa: “Aprendi a pôr as coisas em gavetas e a fechá-las”.

Missão: estar disponível

A companhia permanente de Susana Seixas é a síndrome da dor regional complexa. São 24 horas por dia, todos os dias da semana, todos os meses do ano. Desde que tinha 16. A dada altura, sentiu “que não conseguia ser útil à sociedade”. Pela sua cabeça só passava a inquietante pergunta “como é que posso ser útil, se até a água do banho me magoa?”. A resposta surgiu aos 22, já depois de ter perdido o pai para o cancro. O voluntariado “podia ser a solução”.

Assim chegou ao IPO do Porto, pela mão da Acreditar – Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro. A não ser por motivos de saúde, em 19 anos nunca faltou a um turno, nem mesmo quando a mãe morreu, em 2018, precisamente naquele hospital. O rosto insinua uma tristeza que se esvai quando fala dos meninos a quem se entrega a cada 15 dias. “Não há nada mais forte do que o coração de um voluntário”, explica, quando perguntamos onde vai buscar ânimo para a tarefa. E logo acrescenta: “A força vai-se buscar aos miúdos. A cada brincadeira, a cada sorriso”.

Susana Seixas, 41 anos. Aos sábados, de 15 em 15 dias, brinca com os doentes internados na pediatria do IPO-Porto. Em 19 anos de serviço pela Acreditar, nunca faltou a um turno, nem mesmo quando perdeu a mãe, precisamente naquele hospital. “Não há nada mais forte do que o coração de um voluntário”
(Foto: Igor Martins/Global Imagens)

A outra dor de Susana, aquela de saber que um deles partiu, trata-se com um misto de emoção e frieza. “A minha missão não é salvar as crianças, é estar disponível. Às vezes, estar disponível é estar aqui três horas à espera que alguém precise de nós. E, às vezes, ninguém precisa”, afirma. O que contrasta com os dias em que passa “horas a jogar Monopólio” com os meninos, ou ocupa todo o turno “num quarto, enquanto a criança dorme as três horas”.

Quando acompanha o doente no isolamento, está também a dar uma folga aos familiares. E, a reboque, há outros beneficiários. “Permitimos aos pais ou aos avós ir a casa para estar com os outros filhos ou netos. Os irmãos sofrem muito com isto, ficam em segundo plano. Também precisam dos pais, precisam de mimo, e acabam por ter menos atenção, naturalmente”, lembra.

Conta à NM que, “se não estiverem com dores ou muito desconfortáveis, estes meninos têm a mesma vontade de brincar que os outros”. E muito para dar em troca. “A maior parte são alegrias”, que Susana encontra em coisas tão simples como esta história: “Uma vez, uma miúda deu-me dez anos. Se bem que seja pequena, tenho muitos mais”. E ri-se. Volta e meia, vem a tristeza. Há casos mais marcantes do que outros e uma única forma para os chorar. “Eu moro sozinha, lido com as coisas sozinha. Dou-me o tempo que precisar para lidar com as coisas”. Susana tem 41 anos e é engenheira de software.

(Foto: Igor Martins/Global Imagens)

Depois da entrevista, a conversa sobre o voluntariado continua à porta do hospital. Comenta-se que todas as pessoas que assumem a tarefa devem encará-la como um verdadeiro trabalho. É um trabalho, só que não é pago. Susana permite-se corrigir-nos, e ela sabe do que fala: “É pago, sim. Com sorrisos”.

No sítio certo à hora certa

A Acreditar tem equipas espalhadas por vários hospitais do país, incluindo a Madeira, e também nas casas que acolhem as famílias das crianças que, para fazer os tratamentos, têm de sair da sua área de residência. No ano passado, foram 102 as pessoas que fizeram voluntariado pela associação no IPO do Porto e no Hospital de S. João, na mesma cidade. No IPO de Lisboa, tem atualmente 80. Conta ainda com dezenas de outras pessoas em tarefas mais específicas – como a partilha de experiências por parte de quem passou pela doença ou o apoio escolar.

Narciso Bernardo conhece duas realidades. Quando as obras de ampliação acabarem, irá voltar à Casa Acreditar de Lisboa, mas para já continua apenas o trabalho quinzenal na pediatria do IPO, onde vai regularmente desde 2013. É técnico de informática, tem 62 anos e, antes de se comprometer com a Acreditar, já tinha feito voluntariado com miúdos noutros contextos. É aos sábados que faz turno na pediatria e não vai sozinho: Joana, a filha, pertence à sua equipa.

Narciso Bernardo, 62 anos. Voluntário da Acreditar na pediatria do IPO-Lisboa, irá voltar à casa da associação quando as obras acabarem. “Nós temos sempre a esperança de que corra bem”
(Foto: Pedro Rocha/Global Imagens)

“Tentar tirar as crianças dos quartos” é o principal objetivo. Para brincadeiras, jogos ou atividades de grupo, como os presentes para o Dia da Mãe a que se dedicaram quando a Acreditar retomou o voluntariado no IPO, depois de um período de restrições causadas pela pandemia que, naturalmente, afetaram os serviços em todos os hospitais. É na sala de brincar que se reencontram para o segundo objetivo: “Enquanto lá estamos, tentamos melhorar um bocadinho o dia daquelas crianças”. E também dos pais, pois muitos passam ali horas e horas a fio.

Narciso revela-nos que, por vezes, as necessidades das famílias são até muito simples. Desde uma mãe que lhe pediu para ficar com o filho para que pudesse estar sozinha e absorver a dor com uns goles de café, a um pai que, abraçado à mulher, lhe pediu o mesmo por uns momentos, justificando: “Para nós irmos namorar”. Pequenos gestos que fazem de um voluntário a pessoa certa, no sítio certo, à hora certa. Por vezes, são os meninos que o chamam para brincar, por saberem que os familiares “não têm força anímica”. “Não imagino a dor de um pai a acompanhar uma criança assim”, reforça.

(Foto: Pedro Rocha/Global Imagens)

“Nós temos sempre a esperança de que corra bem. Não estamos a pensar ‘esta criança vai partir’. A taxa de sucesso é grande”, constata. E, quando acontece o pior, Narciso anda “dois ou três dias a bater mal e depois a vida segue”. Há mais meninos à espera dele e todos querem brincar. Não é por acaso que a Acreditar destaca, entre os requisitos exigidos aos candidatos, o necessário equilíbrio emocional. Claro que estes corações não são de pedra. “O facto é que há crianças com as quais criamos laços”, confessa, apesar de serem desaconselhadas as ligações afetivas.

Não foi uma premissa

Felizmente são raras. Mas há ocasiões em que Margarida Soares dá mais voltas com o carro no regresso a casa. “É devastador quando nos apercebemos que a criança saiu do hospital porque faleceu.” Eis a razão. A forma como lida com a morte é passar mais tempo ao volante, tentando espairecer no fim de um momento menos bom passado na Ala Pediátrica do Hospital de S. João, no Porto, onde vai uma vez por mês. É voluntária da Nuvem Vitória desde 2018 e a sua tarefa é contar histórias serenas.

Advogada, tem 48 anos e uma larga experiência como voluntária. Não só porque apoiou outras instituições antes da Nuvem, mas também porque no S. João trabalha com doentes de todas as especialidades daquela ala. Daí estar em posição de nos dizer que não há diferenças na abordagem a crianças com cancro. Poderá é haver circunstâncias mais específicas – como não ser possível entrar num quarto ou noutro -, para as quais é alertada pela equipa de enfermagem.

Margarida Soares, 48 anos. Uma vez por mês, visita a Ala Pediátrica do Hospital de S. João, no Porto. “Há situações que vão mexer connosco e não tem de ser na oncologia”
(Foto: Igor Martins/Global Imagens)

“Inicialmente, não foi uma premissa” trabalhar com miúdos, mas a verdade é que tem sido esse o caminho. Além de se ter tornado “uma pessoa melhor e uma mãe-galinha”, Margarida não se cansa de dizer que é “gratificante o simples sorriso da criança, o agradecimento dos pais”. A cereja no topo do bolo – sublinha – “é quando eles adormecem”. Ao longo de duas horas e com uma saca cheia de livros sempre ao ombro, anda de história em história para que as crianças tenham “um sono melhor”.

Na sacola vão contos apropriados para todas as idades que possa encontrar, dos zero aos 18. Antes da visita, vê com o colega de equipa se tem alguma história que ainda não seja conhecida e, quando há um bebé, recorre à caixa de música. Em todos os serviços, é preciso manter distância em relação aos doentes, que não podem tocar nos livros, o que se torna complicado, porque alguns querem mesmo ter a história nas mãos. E quando pedem um abraço? “Piscamos os olhos”, explica.

A Nuvem Vitória nasceu em 2016 e tem mais de 850 voluntários de norte a sul do país, em sete hospitais e num centro de reabilitação. Os requisitos de recrutamento e a formação são iguais para todos, tal como a tarefa: contar histórias de embalar nos serviços de pediatria. Apesar de na oncologia ser óbvio perceber, por regra as equipas não sabem quais as patologias das crianças.

(Foto: Igor Martins/Global Imagens)

“Há situações que vão mexer connosco e não tem de ser na oncologia”, diz-nos Margarida. Já lhe aconteceu ficar de tal forma engasgada com a fragilidade de um menino que teve de ser o colega a acabar a história que ela estava a contar. Mas lá encontra forças, nem que seja porque, ao chegar a casa, tem de esconder da filha de 12 anos os momentos menos bons. E também porque, ao sair do hospital, acredita que leva no coração mais do que aquilo que deu. Bastar-lhe-ia pensar nos casos de crianças “que nunca tinham ouvido uma história, em casa, contada pelos pais”.

Prescindir do descanso

“O voluntariado tem um papel muito importante na orgânica de um hospital e todos se dedicam de corpo e alma… mas são precisos mais.” O apelo parte de João Rebelo, rececionista num hotel. Quem trabalha de noite tem de dormir de dia, mas este voluntário prefere abdicar do descanso uma vez por semana para cumprir a sua tarefa na pediatria do IPO do Porto. É uma rotina com dez anos, ao serviço do Núcleo Regional do Norte da Liga Portuguesa Contra o Cancro.

Como sempre foi de ajudar “aqui e acolá”, facilmente chegou a voluntário. Só que, logo no primeiro dia, “ao fim de meia hora, só queria fugir”. Viu de perto o sofrimento das crianças e não lhe saía da cabeça a imagem da filha, que agora tem 20 anos. Só pensava nela, só esperava que ela nunca fosse ali parar. “Eu já sabia que ia ser um choque. Mas uma coisa é pensar, outra é sentir”, descreve. E chora.

João Rebelo, 55 anos. Faz parte da equipa da Liga Portuguesa Contra o Cancro na pediatria do IPO-Porto. No primeiro dia, “ao fim de meia hora, só queria fugir”. Continua, passada uma década
(Foto: Igor Martins/Global Imagens)

Mas não à frente dos meninos: “É preciso ser-se suficientemente frio para não demonstrar emoções às crianças”. As emoções más, entenda-se, pois, desde que ultrapassou o trauma daquela primeira meia hora, nunca mais pensou em desistir. Ali estão “as melhores pessoas do Mundo”, apesar de por vezes ser “complicado” lidar com os choros, as dores, as aftas na boca. “A gente vê muito sofrimento. E, com crianças, mais pesado fica”, insiste.

A taxa de casos bem-sucedidos neste serviço é de 80%. Isso dá-lhe esperança e força. Permite ter “a mente o mais aberta possível para poder brincar com elas, para falar com os pais”. Aos 55 anos, João é um entre os 67 voluntários que a Liga tem na pediatria do IPO-Porto (ao todo, tem 273). Certamente como muitos outros, é aos doentes que vai buscar força para as brincadeiras. “Como vou queixar-me de uma coisa, quando vejo pessoas que estão piores do que eu?”, é a pergunta-resposta que deixa no ar.

Desde que ali chegou, passou a dar mais atenção aos detalhes. Diz que é preciso “estar sempre a medir o que se vai dizer”, que é preciso ser “mais cuidadoso com as palavras”. Também passou a ter mais cuidado com a sua saúde e até pratica atividades desportivas. Às quintas-feiras, lá está no 12.º piso. Admite que por vezes acaba por ajudar mais os pais do que as crianças, sobretudo as que acabam de chegar ao internamento. “Para elas, enquanto não têm o cateter, é tudo igual.” Já os pais, chegam ao pé dele “ainda em choque”.

(Foto: Igor Martins/Global Imagens)

João trabalha na pediatria por escolha. Sempre adorou crianças e, mesmo no hotel, as que regressam lembram-se dele. “Sou muito brincalhão”, atira o voluntário, que viu a doença afetar algumas pessoas do núcleo familiar. “Isso talvez tenha sido o gatilho” para se dedicar aos outros.

Uma carapaça que estala

Pedro morreu na véspera de completar 11 anos e a sua memória continua a aconchegar os corações dos que lhe foram próximos. É o caso de Manuela Gonçalves, uma das fundadoras da cooperativa que, em 2018, foi criada para honrar o breve trecho de vida daquele menino, tão talhado para as artes, tão talhado para o desenho. Assim surgiu a Pedrinhas, que leva aos quatro serviços de internamento do Hospital Pediátrico de Coimbra o projeto “Um soninho colorido”.

Contadas por vozes teatrais, há histórias que saltam dos livros para “tentar criar um ambiente calmo e divertido, para que a criança relaxe”. É essa a tarefa de Manuela, que também faz parte da equipa de 12 voluntários da Pedrinhas no serviço de oncologia (em todo o hospital, a cooperativa tem 52). Por ser educadora da infância, conhecia o Pedro da escola, trabalhou com ele três anos. O menino partiu em 2018, as recordações são constantes. Desde o seu mundo de cores que deu origem a um livro, à mascote da Pedrinhas criada a partir dos seus desenhos.

Manuela Gonçalves, 56 anos. Ajudou a fundar a Pedrinhas e pertence ao grupo de 12 voluntários que contam histórias na oncologia do Hospital Pediátrico de Coimbra. Trocar impressões com outros elementos “ajuda a relativizar e a seguir em frente”
(Foto: Artur Machado/Global Imagens)

Manuela tem 56 anos e uma carapaça que por vezes estala. “Porquê? Porque somos humanos. E ainda bem que somos”, logo frisa. Vem isto a propósito do momento em que ficou “muito angustiada” ao saber, pelo anúncio publicado na secção de necrologia de um jornal, que tinha perdido um dos seus meninos. Era muito animado, tinha apenas dois anos e, apesar de a fotografia ser antiga, Manuela chegou às suas conclusões sozinha. Primeiro pelos olhos, depois pelo nome.

Por norma, nestes serviços não se pergunta o motivo da ausência, em parte para poupar os próprios voluntários a um sofrimento adicional. Mas há, naturalmente, casos evidentes. A propósito, Manuela recorda a menina que mais a marcou. Era uma menina “quase transparente” e que parecia “estar em estado terminal”, mas, ainda assim, com força suficiente para lhe sorrir e lhe agradecer os momentos que passou com ela. “Só lhe contei a história uma vez”, lamenta.

É duro. Uma das práticas da Pedrinhas, na fase da entrevista, é alertar o candidato a voluntário que pode encontrar pela frente situações que não correspondam às expectativas, que possam gerar frustração ou fragilidade emocional. Por isso, é importante trocar impressões com outros elementos da equipa. Isso “ajuda a relativizar e a seguir em frente”, justifica Manuela. No entanto, avisa: “Devemos aceitar as emoções”.

Por falar em emoções, não há como “ouvir os meninos a dar gargalhadas”. Houve um doente que lhe pediu um abraço, mas não podia ser. A única forma que teve de compensá-lo foi, contornando a regra, dar-lhe o livro para as mãos (a avó desinfetou-as a seguir). E ele leu a história e percebeu-a. Além disso, recuperou uma vontade quase esquecida. Manuela ouviu da avó: “Há um ano que não o ouço ler”.

(Foto: Artur Machado/Global Imagens)

Tal como as crianças, estes voluntários são uns heróis. Sempre a postos, com dedicação e palavras de esperança. Retomemos a conversa com Rita Teles Branco, a propósito de sofrer na pele, literalmente, os efeitos da doença: “Devemos viver com o cancro como se fosse uma mochila que a gente carrega às costas”.


Registo oncológico

2685
Novos casos de cancro em crianças com menos de 15 anos, diagnosticados entre 2010 e 2019, segundo o Registo Oncológico Nacional publicado em outubro. A maior parte, 53,6%, diz respeito a rapazes.

26,7%
Percentagem do principal tipo de cancro (leucemias), seguindo-se tumores do sistema nervoso central (23,8%) e linfomas (15%). O grupo etário com maior incidência foi o grupo com idade inferior a um ano.

86%
Taxa de sobrevivência a cinco anos para raparigas, sendo de 83,5% para rapazes.