No pole dance, o varão é cada vez mais masculino

No pole dance, as mulheres ainda são a maioria. Mas eles estão cada vez mais seduzidos. Engenheiros, bancários ou estudantes de Medicina, na barra não há status que os separe.

“Sem género e sem limite de idade.” É assim que a presidente da Associação Portuguesa de Varão Desportivo (APVD) e instrutora profissional de dança e aéreos, Inês Ribeiro, promove o pole dance, uma modalidade com cada vez mais praticantes nas vertentes desportiva (sport) e artística. Ainda muito associada às mulheres e ao erotismo, esta é uma arte transversal que vem conquistando também os homens, que, sem medo de preconceitos, dominam a barra vertical com base na força ou com foco na flexibilidade, sem nunca perderem o equilíbrio. É uma forma de fazer exercício físico, com destreza, até porque o varão não pára de girar.

Muitos começam por curiosidade ou influenciados pelas companheiras ou amigos, mas acabam rendidos ao ponto de, com a experiência, se tornarem professores e até campeões. Isto quando o senso comum ainda teima em rotular a prática como dança do varão, à conta da ferramenta que a alicerça.

Através de giros, inversões ou movimentos conjugados e combinações (e são mais de 300), a dança funde-se com a ginástica, a expressão corporal e os corpos desinibem-se com fluidez, quase sempre para contar uma história. Nela podem entrar “atores”, ou melhor, atletas e performers de ambos os sexos, dos mais novos aos mais velhos, sem julgamentos ou tabus.

O pole dance teve origem em Inglaterra nos anos 1980. No nosso país, a cortina abriu-se em 2005, no Círculo de Dança de Lisboa, e Inês regista “cada vez mais participantes e pessoas a querer experimentar”. “O preconceito está a dissolver-se dia após dia”, assegura. Quem arrisca, sente o físico mudar e está comprovado que a saúde fica a ganhar a todos os níveis.

Presença no “Got Talent Portugal”

Pioneiro no universo masculino, depois de somar vários desportos (natação, andebol, voleibol e hóquei em patins), João Afonso estreou-se no pole dance em 2014. Foi Francisca Leitão, “uma pole dancer de Sintra” que o apresentou ao varão e nunca mais parou. “Nunca senti qualquer preconceito. A única preocupação que tinha era mostrar, com um varão que tivesse por perto, que não tem nada a ver com striptease”, revela. Desde 2014, evoluiu e ficou habilitado a dar aulas, foi campeão nacional e participou no Campeonato do Mundo de Pole e Aéreos.

Licenciado em Educação Física, adquiridos conhecimentos em Roma – onde estudou e deu aulas em três escolas -, em 2016, João participou no “Got Talent Portugal”, na RTP1, onde conquistou o botão dourado por parte do jurado Pedro Tochas, seguindo para as galas em direto. Na mesma edição do talent show estiveram mais dois pole dancers masculinos e a oportunidade permitiu “chegar a um maior número de pessoas”. “Foi um avanço positivo na modalidade porque ajudou a desmistificar alguns estereótipos”, recorda.

Licenciado em Educação Física, João Afonso estreou-se na modalidade há quase uma década. E até já brilhou na televisão
(Foto: DR)

Atualmente, João Afonso reconhece que “os homens continuam muito renitentes em experimentar”, admitindo que “o preconceito não é em termos da atividade, mas o que a atividade representa”. Como ainda não consegue viver exclusivamente do pole dance, mantém-se como professor de fitness em ginásios de Almada e Lisboa, onde, quando faz os exercícios ou leva o varão, nota que os homens “têm bastante adesão”, tal como acontece em eventos de demonstração. Ou seja, “não é que não exista vontade em querer fazer, é também porque não há informação sobre a modalidade, além de não existirem estúdios em sítios onde a modalidade possa ser mais visível”, realça. Percebe-se que o conhecimento de causa é a melhor forma de derrotar ideias preconcebidas.

João, de 31 anos, defende que “os homens, em Portugal, só gostam de exercícios ou atividades em grupo como o futebol, ou o padel agora, e o pole é muito individual, por isso não fazem”. “Uma aula de pole dance é considerada uma atividade individual, uma vez que cada um evolui à medida das suas capacidades e isso não causa perturbações entre as pessoas que estão a praticar”, explica. “Faz bem ao corpo e à mente.”

Engenheiro e professor de pole dance

Com a mulher “sempre associada às danças”, Paulo Nogueira, de 41 anos, deixou-se enredar por este mundo quando “ela perguntou se não queria experimentar”. Amante de desporto – “joguei râguebi federado e sempre fiz surf e desportos náuticos, além de fazer musculação, agora estou também no crossfit” -, aceitou o desafio e acabou “surpreendido pela positiva”. “Não estava à espera que fosse fisicamente tão pesado e intenso. Comecei a praticar e não parei até hoje”, conta, recuando “sete ou oito anos”. “O pole foi uma outra forma de ver a dança e associar a minha capacidade física à sua prática”, descreve. Mesmo sem concretizar uma espargata ou puxar uma perna para as costas, diz ter “uma flexibilidade significativa”.

Engenheiro eletrotécnico de profissão, nos primeiros tempos não contou a ninguém o que andava a fazer. “Só que, depois, comecei a entrar em espetáculos e falei com alguns colegas de trabalho para perceber se queriam ir ver, até porque um ou outro, mais reservado, já sabia que eu fazia. Seguiram-se convites para dançar na televisão e as pessoas ficaram a conhecer-me um bocadinho mais. No entanto, no início, não falei a muitas pessoas, por receio das más interpretações.” Perante a apreensão dos pais, juntou fotos e vídeos e um convite para assistirem à festa de final de ano da escola, dissipando quaisquer dúvidas.

Paulo Nogueira sentiu o peso dos juízos de valor quando quis fazer uma festa de pole num teatro e ouviu os responsáveis da sala dizerem que “não faziam esse tipo de espetáculo”. “Existe um distanciamento de determinadas entidades que deviam ter outra mentalidade”, lamenta. Apesar disso, sente que “as pessoas já estão muito mais abertas ao pole dance, sobretudo a partir do momento em que apareceu no ‘Got Talent’ e pessoas conhecidas começam a praticar. Ajuda a desmistificar”. A par de dias entre projetos e estudos na área da eletrotecnia, Paulo também dá aulas no varão, sem nunca descurar o lado de praticante. Descreve-se como “um amador de nível avançado”.

“Falo abertamente do que faço”

É na Academia de Pole Dance, em Lisboa, que se pode encontrar Paulo Nogueira. Ali sempre houve vários homens a dar aulas. Inclusive as que versam despedidas de solteira. Este foi o primeiro estúdio inteiramente dedicado à prática e ensino da modalidade a surgir em Portugal, em 2007, pelas mãos de Andreia Pinheiro, que continua a receber mais mulheres do que homens. “Eles ainda não aderem tanto e são casos pontuais os que vêm experimentar. Mas este pode ser um desporto muito masculino e acrobático, em que é necessário muita força”, assinala a responsável.

Paulo Nogueira, engenheiro eletrotécnico e ex-praticante de râguebi, foi influenciado pela mulher
(Foto: DR)

Entre os alunos, cruzámo-nos com Henrique Dantas, brasileiro de São Paulo radicado em Lisboa “há três anos” e onde anteriormente havia estado em Erasmus. A responsável por se ter iniciado no pole dance foi a mulher, Thaís, que “sempre fez danças orientais”. “Ela tinha um varão em casa, no Brasil, e sempre teve vontade de ter aulas. Quando viemos para Portugal, prometi que iria fazer uma modalidade de dança com ela. Nunca imaginei que fosse o pole dance, mas ela viu a escola no LX Factory e inscrevemo-nos juntos. Já lá estamos há um ano, com o professor Hugo Matos”, partilha o bancário, de 30 anos.

Henrique garante que se sai melhor em exercícios de força, acusando “alguma dificuldade quando se trata de flexibilidade, que tem melhorado”. Sem falsos pudores, fala “abertamente” do que faz e isso “gera mais curiosidade do que preconceito”. Antes, já fez remo, bicicleta, corrida de rua, sem nunca deixar o ginásio. Consciente das limitações, ainda não se sente preparado para exibições, se bem que seja um desejo a concretizar. Para isso, adquiriu um pacote de aulas extra, com vista a apurar destrezas mais rapidamente.

Entre os hospitais e a barra

Os palcos são o cenário favorito de André Alves que chegou ao pole dance, há dois anos, à boleia do sonho de ser artista de circo. “Foi muito engraçado, porque o meu pai andava à procura de escolas de circo no Porto. Não encontrava nada perto e acabou por me dizer que tinha visto um estúdio de pole dance e umas coisas áreas, para eu experimentar. Fiquei apaixonado e nunca mais larguei”, lembra o jovem finalista de Enfermagem, antes de mais uma aula no Studio Alma. Isto enquanto se contorce no aquecimento, como se fosse elástico, não fosse a flexibilidade a sua mais-valia. Para ele, “é um prazer” dividir-se entre mundos tão diferentes, entre a Escola Superior de Saúde Santa Maria e o pole dance, sem desistir de um dia chegar à arena circense. Quem sabe ao Cirque du Soleil. “O maior sonho”, suspira.

O bancário Henrique Dantas, brasileiro de São Paulo radicado em Lisboa, frequenta as aulas de pole dance no LX Factory
(Foto: Rita Chantre/Global Imagens)

Em conversa com os amigos, André percebe que “ficam todos entusiasmados” ao ouvi-lo falar sobre a modalidade, “pois nunca tinham visto uma versão desportiva do pole dance e tinham uma ideia errada”. Acaba por os convencer a tentar e “muitos já ficaram fãs”. Ao lado, Gonçalo Castro, que está a terminar o mestrado em Medicina, no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto, não passa sem as aulas com Inês Ribeiro, no espaço em Vila Nova de Gaia. Iniciou-se em 2018, “numa altura de muito stress, em que já não fazia exercício regular”. “Queria voltar a dançar, porque tinha dançado quando era mais jovem. Experimentei o pole e nunca mais larguei”, rebobina. A família não estranhou, pois “já estava habituada”. “Para eles, é mais um desporto não convencional e está tudo bem”, acrescenta.

Ao contrário de André, Gonçalo só anda por “rotina fitness, como exercício físico”. “Por não ser extremamente flexível, acabo sempre por privilegiar mais a força”, assume, afirmando o estilo. Quando for médico, o mais provável é manter-se fiel ao pole, pois “é como ir ao ginásio, basta tirar uma hora”.

Distinto do striptease e a caminho dos Jogos Olímpicos

Ao contrário do que sucede em alguns casos, Gonçalo Castro nunca sentiu que o associassem ao striptease. E com justiça. Como pormenoriza Inês Ribeiro, o pole dance exibe-se nas “vertentes desportiva e artística, e depois há a exótica, que é diferente e é onde se usam tacões e outras indumentárias”. “O striptease é distinto disto tudo, mas infelizmente é aquilo que uma grande parte da população pensa que o pole dance é – uma forma de ganhar dinheiro através da arte de despir e que não pretendemos representar”, salvaguarda a também presidente da APVD, que representa nacional e internacionalmente o pole sport e os desportos aéreos. Tudo em estreita ligação com a International Pole Sports Federation, cujo objetivo é a inclusão da modalidade nos Jogos Olímpicos.

No Studio Alma, em Vila Nova de Gaia, Inês Ribeiro, presidente da Associação Portuguesa de Varão Desportivo, auxilia Gonçalo Castro, que está a terminar o mestrado em Medicina, enquanto André Alves, finalista de Enfermagem, assiste ao exercício. O pole dance continua a quebrar barreiras
(Foto: Igor Martins/Global Imagens)

A 4 de fevereiro, o Auditório do Olival, em Vila Nova de Gaia, recebeu a mostra anual de pole e aéreos da associação (que batalha por ver o pole dance ser reconhecido oficialmente como modalidade desportiva), dando a conhecer ao público o que se faz em Portugal, com atletas de ambos os sexos em ação. Um aperitivo para o campeonato nacional, marcado para 29 e 30 de abril.

Campeã nacional “em sport em 2021 e artística em 2022”, Joana Magalhães entrará novamente em competição em breve. Consciente que “o pole dance ainda está muito associado à mulher e a outras áreas”, observa que “o homem, quando gosta deste tipo de exercido, recorre mais aos calisténicos (em que se usa o peso do próprio corpo)”. Isso traduz-se em imagens singulares, mas igualmente envolventes. Por vezes, Joana treina à mesma hora que Gonçalo e André, que provam que o desempenho é sempre individual, por maior que seja o grupo na sala. Enquanto se executam diferentes exercícios, os corpos movem-se com liberdade. E sem sombra de estigma social.