Jorge Manuel Lopes

Muito mais do que apenas uma ilusão


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

A partir da segunda metade da década de 1990, enquanto a música eletrónica de dança entrava nos palcos mainstream e ia encontrando cada vez menos uso para o peso e preço dos instrumentos tradicionais, germinava a dúvida sobre a longevidade e atratividade ao vivo de projetos de um, dois ou três operadores de botões. O esclarecimento chegou rápido, com o esplendor sonoro e visual que fez dos concertos de bandas como os Daft Punk, Underworld, The Chemical Brothers ou Leftfield momentos épicos, psicadélicos, sinestésicos, com um dispositivo cénico em que o papel relativamente discreto dos músicos poderá dar lastro a décadas de vida menos desgastante na estrada.

Com origem nos primórdios da cena rave britânica, ainda nos anos 1980, os Orbital são incontornáveis neste quadro. Formados pelos irmãos Phil e Paul Hartnoll, construíram uma discografia lúdica, acessível nas suas bases rítmicas diretas mas intensas de nuance e coloridos tentáculos melódicos, em que o surrealismo e o ativismo político se embrulham e fazem faísca – além de terem popularizado nas suas prestações ao vivo os óculos-lanterna que os tornam facilmente reconhecíveis. O preparado musical da dupla foi-se refinando com o correr dos anos, entre paragens várias na carreira, e surge inspirado e bastante acessível, clássico e diverso, no décimo álbum de originais, “Optical delusion” (London). Phil e Paul continuam com dedo para compor gloriosas odes aos amanhãs que cantam numa festa em campo aberto no meio de lugar nenhum – confira-se “Ringa ringa (the old pandemic folk song)”, com vozes diáfanas das Medieval Babes. Cruzam-se com synthpop precisa e cintilante em “Are you alive?”, canção sem pontas soltas com os Penelope Isles no microfone. Anna B Savage traz uma entrega confessional, com algo de Laurie Anderson, que entra num sadio atrito com a pulsação implacável de “Home”. Põem as mãos no drum ‘n’ bass para “Requiem for the pre-apocalypse”, nostálgico e grandioso. Não se vislumbra muito otimismo na tessitura de “Optical delusion” (“Dirty rat”, com os Sleaford Mods, é um despejar de fúria contra a apatia social e política), mas a festa está longe de terminar.