Médicos estrangeiros que dão saúde ao Interior

Não nasceram em Portugal, mas foi cá que decidiram assentar a carreira profissional. São médicos e escolheram o interior do país para viver e trabalhar. Vindos da Moldávia, da Roménia, da Argentina ou até da vizinha Espanha, encontraram a qualidade de vida que procuravam. Diferentes passados, um sentimento em comum: as terras que adotaram precisam deles.

Já lá vão mais de dez anos desde que cá chegou. Numa carrinha cheia de outros homens carregados de sonhos, atravessou a Europa. Da Roménia para Portugal, vinha na companhia de uma mala e com a promessa de trabalho junto do primo, que já por cá estava há dois anos. Entre as poucas roupas que trouxe, não faltava a esperança de um futuro. Vinha na companhia de um diploma em Medicina, uma bata branca e um estetoscópio. Mas não foi logo em 2002 que Iurie Pantazi os colocou a uso.

Com vontade de procurar um futuro melhor, chegou a Sesimbra para trabalhar nas obras com o primo. Foram dois meses entre escadotes e massa. E longe da primeira mulher e da filha Maria. Iurie, hoje com 45 anos, continua sem ter recebido o salário desses 60 duros dias de trabalho. Mas nem o começo atribulado lhe tira o sorriso do rosto ao falar da sua casa do coração, Portugal.

É pelos corredores do Hospital Sousa Martins, na Guarda, que hoje nos guia. Lá fora, a temperatura está perto de negativa, mas a energia contagiante do médico moldavo (que também tem nacionalidade romena e portuguesa) na medicina interna faz aquecer o espaço. Ora vamos a esta sala. Ora vamos àquela. “Este é o interno novo.” “Este médico veio de Macau.” “Aqui estão duas médicas excecionais, uma brasileira com raízes italianas e outra ucraniana.” Iurie sabe tudo de cor. As caras. Os nomes. As histórias. E as esquinas da casa.

Mas a facilidade com que hoje nos fala do trabalho e da família que constituiu na Guarda não enubla o que para trás ficou. Voltemos às obras. Sentado no seu consultório, no qual entra o sol de inverno que aquece o espaço, Iurie volta a 2002. Em Portugal há dois meses, sem dinheiro e apenas com o apoio do primo, também moldavo, “arriscar” era a palavra de ordem. A viver porta a porta com a corporação de bombeiros de Sesimbra, a resposta estava mesmo ali. E a ideia partiu do primo: “És médico, porque é que não pedes trabalho aqui?”.

E, pela ironia da realidade, descreve Iurie, no dia 1 de abril de 2002 – “era dia das mentiras, mas o que conto é bem verdade” – chegou a tão aguardada chamada. “Podem vir trabalhar à experiência para os bombeiros.” E lá foram os dois. Primeiro, como motoristas. Depois, Iurie começou por ser maqueiro e, mais tarde, chegou até a tratar de alguns cuidados de saúde primários.

Pedir a equivalência

Hoje recorda esse emprego não só pelo carinho com que foi recebido pelos colegas de corporação, mas também pelo que ele significou no seu futuro. “Estava a fazer um serviço sozinho, a transportar uma senhora de casa para uma consulta, lembro-me perfeitamente da cara, do nome, da situação, até que ela me diz que viu na televisão que tinham aberto as equivalências de médicos estrangeiros para trabalhar em Portugal.” Mal pôde esperar pelo final desse turno para se informar.

Foi em 2004 que fez da Guarda casa, quando conseguiu aprovação para escolher uma vaga para o ano comum (ano de estágio do curso de Medicina em Portugal, antes de iniciar a especialidade médica). Qualquer que seja a nacionalidade, para um médico estrangeiro trabalhar em Portugal é necessário que este requisite a equivalência do seu “diploma”. Segundo explica a Ordem dos Médicos, são necessários três passos para a obtenção da licença: primeiro, o reconhecimento junto de uma faculdade de ensino de Medicina; depois, é preciso falar português, sendo necessário fazer uma prova de comunicação; por fim, avança-se com a candidatura junto da Ordem.

Como Iurie não tinha iniciado a especialização no país em que se formou em Medicina, a Roménia, quando chegou a Portugal iniciou o processo de equivalência nessa fase. Ou seja, ficou no mesmo escalão que um aluno do quinto ano de Medicina em Portugal. Fez o ano comum, fez o exame de admissão à especialidade e escolheu uma vaga.

Antes de conseguir a equivalência em Medicina, Iurie Pantazi trabalhou na construção civil em Portugal
(Foto: Pedro Correia/Global Imagens)

Depois de ter feito o primeiro ano na Guarda, não havia outro local que fizesse sentido para avançar com a especialidade e para assentar a carreira profissional que não fosse naquela capital de distrito. “Não conhecia nada de Portugal sem ser Sesimbra, cheguei à Guarda sem conhecer ninguém, mas não podia ter escolhido melhor.” É enquanto caminha pelos jardins do hospital que nos conta o amor que tem por esta cidade – “percorria diariamente este monte durante o ano comum, era o meu caminho para o trabalho”, atenta a certa altura junto de um pequeno lago artificial. Conheceu a companheira atual, a guardense Paula, no primeiro ano que por cá esteve. Cinco anos mais tarde nascia o filho Pedro. “Ele ainda é novo para decidir, mas estou a tentar mostrar-lhe que a medicina é um bom caminho profissional.” Também no Interior de Portugal? “Sim”, garante. Porque, justifica, “a medicina não tem nacionalidade, morada ou rosto”. Foi há cerca de dez anos que conseguiu a nacionalidade portuguesa. Hoje diz-se guardense. Mas ser moldavo nunca o fez sentir-se desconfortável, nem como morador nem como profissional em Portugal. “Aqui nunca olharam para mim pelo país onde eu nasci. A minha nacionalidade é o amor à medicina. É isso que importa.”

Tal como tantos outros moldavos como Iurie, estudar na Roménia era uma opção para moldavos alargarem horizontes. História semelhante, mas uns anos mais tarde, chega-nos mais a norte de Portugal. Já familiarizada e reconhecida pelas ruas de Bragança está uma família de (quase) mão cheia: Viorica e Andrei Gradinaru e as duas filhas.

Missão: uma vida melhor

É entre gargalhadas, colos e saltos da mais nova, que insiste em querer ficar junto dos pais e ouvir o que têm a dizer, que o casal Gradinaru recua até à viagem que os trouxe até ao interior de Portugal. Os dois partiram da Moldávia, onde, no segundo ano do curso de Medicina, se conheceram, à procura de um futuro melhor.

Ele queria cirurgia e ela pediatria. Hoje, Andrei trabalha na medicina interna do Hospital de Bragança. Viorica ainda corre atrás da especialidade de sonho (mas já lá vamos). Medicina interna, uma especialidade generalista que procura cuidar de diversas valências da saúde, é a área de trabalho de grande parte dos médicos no Interior, especialmente os de nacionalidade não portuguesa.

Viorica avança duas explicações para a situação comum. Em primeiro lugar, a dificuldade de fazer um exame extenso (e intenso) como é o de admissão à especialidade. “Se já é um momento complicado da formação para quem nasceu em Portugal, imagine-se para quem não tem a língua portuguesa como primeiro idioma.” Em consequência, as notas acabam por ser mais baixas e têm menos opções de escolha. Depois, continua a moldava, a realidade do Interior leva a que assim seja. “A medicina interna é a especialidade prevalente nos hospitais do Interior, onde faltam tantas especialidades.”

Mas Andrei não vê a medicina interna como uma especialidade “menor”. Pelo contrário, acredita que é aí que um médico mais aprende, já que tem de saber fazer de tudo, colmatando, assim, as especialidades que não existem no hospital.

O destino do casal depois do curso não era certo, mas havia a certeza de que a emigração seria a opção acertada. França e Canadá foram os primeiros países na lista de possibilidades, só que o facto de os pais de Viorica morarem no Porto atraiu-os até ao país mais ocidental da Europa.

Primeiro veio ele. Conseguiu vaga para fazer o ano comum em Braga, mas colegas de profissão falaram-lhe de uma terra pacata com muito trabalho. “É falso que o Interior não tem trabalho. Há trabalho. Há é também pouca vontade das pessoas de saírem dos grandes centros.” Andrei é, aliás, muito crítico da forma como o Interior de Portugal tem sido abandonado, tanto por quem não quer se fixar nessas regiões como pelo poder governativo. Sobre a falta de médicos nestas localidades com cada vez menos habitantes, e cada vez mais envelhecidos, o moldavo sugere que haja um sistema de “passagem obrigatória” para os médicos, por um determinado tempo, pelo Interior. “Muitos iriam aperceber-se de que viver longe dos grandes centros não é uma questão problemática, na verdade só nos traz benefícios.” À saúde mental, à carteira e à cultura, enumera.

O que mais o cativou em Bragança, destaca, foram as pessoas. Em específico a vontade de ajudar, a simpatia para quem chega de fora e o sorriso fácil. Mesmo quando a língua ainda não era dominada. “Nunca senti que me olhassem de lado, nem como médico nem como morador, por ainda não ter um português perfeito ou por ter sotaque.” Andrei diz que “a pessoa mais crítica de todas” é mesmo a filha. “Tenho de vos dar umas aulas de português”, atira a mais velha de quando em vez.

O casal Gradinaru, Andrei e Viorica, escolheu Bragança para assentar a vida profissional e pessoal. As filhas já nasceram em Portugal
(Foto: Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens)

Iurie e Andrei, ainda que trabalhem em distritos diferentes, partilham opiniões sobre como olham para o estado da saúde no Interior de Portugal. “Quem quer conhecer o Interior basta vir a um dia de urgência aqui”, diz Iurie. Di-lo enquanto se atravessam corredores apinhados de macas. “Por aqui temos de aprender a fazer um pouco de tudo. Não há diversas especialidades e a medicina interna serve de canivete suíço para o que aparece.” Nas macas estão, maioritariamente, pessoas idosas. E é essa a radiografia que Iurie faz da região onde vive.

Estrangeiros no Interior

Os dois moldavos não são casos únicos, longe disso. Até ao final do ano passado, estavam inscritos na Ordem dos Médicos mais de quatro mil profissionais que nasceram fora de Portugal. Desses, 512 estão a exercer em distritos do Interior do país (Vila Real, Bragança, Guarda, Castelo Branco, Portalegre e Évora). Não é preciso uma bola de cristal ou olhar para uma grande tabela estatística para adivinhar a nacionalidade predominante entre estes: espanhola. A proximidade geográfica faz com que muitos médicos espanhóis supram as necessidades da saúde no Interior de Portugal.

Juan Urbano dá cara a esses números. Juan e quase todos os seus colegas do Hospital Santa Luzia de Elvas, no distrito de Portalegre. Aos 54 anos, é morador em Badajoz, professor na Universidade da Estremadura e médico em Elvas. São menos de 20 quilómetros entre os três pontos que norteiam a vida do espanhol.

É depois de um turno de 24 horas que fala à “Notícias Magazine”. Pouco tempo teve para descansar. “Dormi uns 15 minutos, mas vamos.” A voz não fraqueja e a cara não dá sinais de cansaço. Nem de cansaço nem da ginástica que faz diariamente para acompanhar uma agenda mais do que preenchida. Natural de Córdoba, Badajoz apareceu na sua vida por vontade, além de ser médico, de ser docente numa universidade. A proximidade a Portugal trouxe-lhe, no início do século, uma oportunidade: fazer uns turnos extra em Elvas. A menos de 20 minutos de carro, pensou: “Porque não?”. Os turnos tornaram-se em contrato (que, conta, não vislumbrava em Espanha, porque, à época, eram poucas as contratações para o quadro do serviço nacional no seu país) e por aqui ficou a trabalhar.

Hoje, a ponte José Saramago, sobre o rio Caia, que divide os dois países, é passagem diária obrigatória. E é também aqui que repousa para contar a sua história entre as duas nações. Está bom tempo e o sol reflete na bata branca, que se vai movimentando para acompanhar os movimentos de braços que gesticulam enquanto conta, recheado de orgulho, a sua história. Pai de trigémeos nascidos quando começou a trabalhar em Portugal, a estabilidade de um contrato do lado de cá da fronteira pareceu-lhe a opção mais estável. Na altura, recorda, ele e outra colega eram os únicos espanhóis em todo o serviço médico contratado no hospital de Elvas. Passados 20 anos, a realidade é diferente. “Chefio uma equipa de dez pessoas. Oito delas estão na mesma situação de cidadão transfronteiriço que eu.”

A tendência de médicos estrangeiros registados em Portugal e no próprio Serviço Nacional de Saúde não é nova. Até ao final de 2022 havia 1270 médicos estrangeiros contratados pelo serviço público. Três anos antes, em 2019, o valor rondava os 1195. Questionada sobre o número de estrangeiros novos a inscrever-se nos últimos anos, a Ordem dos Médicos fala de uma ligeira quebra de equivalências entre 2020 e 2021, entretanto ultrapassada. No ano passado, 194 médicos estrangeiros fizeram a inscrição junto da Ordem. Nos últimos cinco anos foram 819. Estes dados referem-se às aprovações, já que as reprovações de pedidos ascendem a 50%.

Juan assegura que os estrangeiros que estão a trabalhar em Portugal como médicos “dão tudo de si por estas terras”. Di-lo com confiança na voz, num sotaque espanhol que, garante, nunca incomodou nenhum paciente. “É engraçado porque muitos fazem o esforço de falar “portunhol” por simpatia.” Há até quem veja regularmente canais de televisão do país vizinho, revela Juan, recordando a paciente que acompanhou nessa mesma manhã ao domicílio e que estava com a televisão ligada num jogo de futebol da “La Liga”. Sem razão, apenas por mera companhia.

Desde o ano passado, Juan é, além de professor e médico, também coordenador do projeto de serviços ao domicílio da área de Elvas. “Tenho muito amor ao que faço, porque sei que as pessoas que visito quase diariamente sentem uma diferença muito grande com a minha visita, com a minha palavra.” A atenção e o carinho também curam, considera.

Juan Urbano vive em Badajoz, Espanha, e trabalha no Hospital de Elvas
(Foto: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

Para além dos 387 profissionais espanhóis a exercer no Interior do país, há ainda 39 brasileiros, 18 ucranianos e 11 cubanos. “No entanto, existem alguns casos de médicos que se registam na Ordem com outra nacionalidade que não a original”, especifica fonte da Ordem dos Médicos. A situação mais frequente acontece com médicos oriundos do Brasil, “os que obtêm ou já tinham dupla nacionalidade portuguesa/brasileira, mas também os que têm dupla nacionalidade italiana/brasileira, alemã/brasileira ou francesa/brasileira”. E outras tantas nacionalidades em números residuais.

O sentimento num poema

Pablo Nestor entra para esses números “que restam”. É argentino, esteve em Portugal em 2009, voltou à terra natal para cuidar da mãe doente e, agora, regressou para a “segunda casa”, Mirandela, cidade transmontana. Questionado sobre “o que é viver no Interior”, a resposta sai-lhe facilmente. “Ó Mirandela querida/ Tu que do norte, és a diva/ De ti nunca vou esquecer/ Mirandela és demais/ Palavras não tenho mais/ Para te enaltecer.” E continua. São oito quadras declamadas pelo médico. Nos olhos, há um brilho. No rosto, um leve sorriso. O poema não é seu, mas podia ser. As palavras são da poetisa local Maria de Fátima Gomes, do livro “Sentimentos reais”. Pablo, que se apressou a revirar a sua biblioteca quando desafiado a falar sobre Mirandela, confidencia que também escreve – pensamentos, crónicas, poesia -, mas que “ainda não se atreveu a colocar no papel o que sente pelo sítio que o acolhe”. Diz que ainda não está com o português afinado ao nível que Mirandela merece. Aos 43 anos, os sonhos residem agora na escrita. E espera um dia lançar um livro.

Foi já no terceiro ano de especialidade, de saúde mental e psiquiatria, que surgiu a oportunidade de fazer um estágio em Barcelona. De Espanha para Portugal o “salto” era rápido. “E mais aventureiro.” Conta que o que o trouxe a Mirandela foi a vontade de aceitar um desafio. Um país que não conhecia, uma terra de que nunca tinha ouvido falar, uma língua que não conhecia. “Na altura foi reconfortante ter a oportunidade de passar para este lado do Atlântico e cumprir um sonho da minha mãe.” Sempre foi influenciado pela mãe, professora de História, a gostar da cultura histórica europeia. “Estava em Portugal há uns meses e trouxe-a cá. Foi uma vitória.”

Foi o amor incondicional à mãe que o levou a deixar Mirandela e Portugal para voltar à Patagónia. No regresso, em agosto do ano passado, por convite de um amigo para voltar, trouxe consigo algo que não tinha quando cá esteve: uma família. A mulher, Celeste, e a filha, Céu, fazem com que Pablo sinta que “Mirandela faz, agora, ainda mais sentido”.

Quase dez anos depois de ter partido, afirma ter encontrado uma terra diferente. “Mirandela tem crescido e percebe-se que está rejuvenescida.” Tem mais estudantes, observa. “É uma cidade agradável e calma”, descreve. E são esses adjetivos que o cativaram, especialmente por o fazerem lembrar-se de casa. “Nasci numa cidade argentina do Interior e morar agora numa cidade do Interior, em Portugal, traz essas lembranças da calma, de brincar na rua, de conversar com as pessoas, de ter um vínculo significativo com a terra.” Tudo o que um dia sonhou dar a um filho.

Sobre ser médico no Interior, diz que “é uma questão de humanidade”. “Muitos dos idosos que cuido querem uma palavra amiga, uma mão que aperta e alguém que lhes diga que está tudo bem.” Ainda que considere que há falta de recursos na saúde nas terras do Interior, deixa de lado colocar a “culpa” nos profissionais. “É preciso mostrar aos médicos que viver no Interior é bom.” E por isso aceitou partilhar a sua história, porque acredita que o amor que sente pela terra poderá convencer alguém a arriscar.

A dificuldade burocrática que assume existir nunca lhe toldou o tom positivo com que fala do país onde agora trabalha. Ainda está em Mirandela com visto de residência e a tratar da “papelada” para conseguir a nacionalidade. Quanto à especialidade, não exerce em Portugal aquela com que sempre sonhou e para a qual estudou na Argentina: saúde mental. Não conseguiu ver essa parte específica do seu currículo reconhecida por cá. “Tenciono a médio prazo apostar nesse reconhecimento para conseguir ajudar o Interior do país numa área ainda mais debilitado do que a saúde em geral: a psiquiatria.” “Ajudar” é a palavra repetida vezes sem conta. Ajudar a terra. Ajudar as pessoas. Ajudar o país que o acolhe pela segunda vez.

Voltemos ao casal bragantino. Viorica Gradinaru chegou a Portugal quando Andrei já por cá se tinha instalado. Aterrou em Bragança grávida da primeira filha. Ainda sem falar português, decidiu, no primeiro ano, ficar em casa a cuidar da filha. E começar a ambientar-se à nova realidade. Aprendido o português, feito o ano comum, e realizado o exame de admissão, a primeira notícia não foi positiva: não conseguiu nota para entrar na especialidade que queria. Mas partiu para a segunda ronda. Fez recentemente o exame – “acho que desta vez até correu melhor” – e está a aguardar a nota para saber se é desta que consegue exercer na área de sonho.

Apesar de ainda não exercer nenhuma especialidade médica, Viorica Gradinaru trabalha no Hospital de Bragança, no grupo de controlo de infeções hospitalares. Corrobora a ideia do marido de que, pela terra que agora chamam deles, não há falta de trabalho para os profissionais da saúde. Nem falta de trabalho, nem de condições. Elogia a facilidade que tem nas viagens casa-trabalho-escola, as paisagens verdes que pode apreciar a dois passos de casa e poder educar as filhas num ambiente saudável.

O privado nunca foi opção, para nenhum dos dois elementos do casal. Não se revêm no sistema. “Queremos cuidar das pessoas e por isso é que acreditamos no Serviço Nacional de Saúde”, frisa Andrei. E o casal gostava de ver esse sentido de missão replicado pelos jovens futuros médicos. “Muitos preferem não escolher nenhuma vaga do que ficarem colocados numa vaga no Interior.” O que, sublinham, não faz sentido. É por aqui, entre a pacatez do Interior e a movimentação de uma capital de distrito, que “mais precisam deles”. “É no Interior do país onde mais se vive a missão da medicina.” Cuidar.