Luís Castro: o detalhista

Luís Castro é o novo treinador do Al Nassr

O novo treinador do Al Nassr é comprometido, meticuloso e obstinado. “Quero muito muitas coisas. E quando quero uma coisa, fico cego.” Fala em “coragem violenta”, herdada também da luta que travou na infância.

Uma criança doente é uma contradição nos termos. “Uma crueldade enorme, olhando agora, cinco décadas depois.” Aos 11 anos, não tinha consciência. A ideia de morte não existia, nem lhe dava tal confiança. Proibido de ser um miúdo normal pela doença autoimune púrpura – causada pela inflamação dos vasos sanguíneos -, crê ter sido a tragédia o ponto de ignição. “É daí que venho, é daí que vem o que sou hoje, o meu caráter.” Comprometido e obstinado. “Quero muito muitas coisas. E quando quero uma coisa, fico cego.” Fala em “coragem violenta”, herdada também da luta que travou na infância. “Coragem que às vezes preferimos não ter.”

Quis muito o futebol. Foi um lateral-direito com carreira modesta, relevada, porém, pela vitória sobre um diagnóstico muito reservado. Disponível para o caminho das pedras, parte como treinador da quarta divisão, era então operário fabril e vendedor de embalagens de cartão. De cidade em cidade.

“Não é o dinheiro que me faz correr”, diz, a dias de assinar um contrato de seis milhões de euros anuais com os sauditas do Al Nassr, valores que fazem dele um dos treinadores de futebol mais bem pagos do Mundo. A declaração merecerá certamente sorrisos sarcásticos. “Uma das coisas que me caracteriza é não querer saber o que os outros dizem, a opinião dos que não me conhecem. Quero lá saber o que dizem os que olham a minha vida pelos olhos deles.” Que é como quem diz, se não acreditam, paciência. Aos 61 anos, garante: “Este contrato não é o fim. O meu caminho continuará”.

Persegue o reconhecimento profissional ouvindo apenas opiniões que têm em conta as circunstâncias. Palpites, dispensa. “As avaliações injustas deixam-me alterado e quando estou alterado quero discutir, procuro o conflito, quero explicações.” A profissão está acima de tudo, confessa. “Em demasia, acho mesmo que é um defeito. A minha vida segue em função do meu trabalho. Até de um jogo que passe na TV. E a obsessão nunca é uma virtude.”

Como emigrante trabalhou no Catar, na Ucrânia, no Brasil, entre outros países. Parte sem a família – a mulher, professora do ensino secundário, e as duas filhas. Por uma vez, pondera. Para a Arábia, nada está ainda decidido.

“Se alguém merece é o Luís.” Vítor Pontes, também treinador de futebol, é um amigo antigo. Jogaram juntos, vinte e poucos anos. Seco, esguio, Castro não dispensava gel no cabelo. “Era muito certinho, muito responsável, muito dedicado e minucioso.” O amigo lembra o percurso: “Degrau a degrau, sempre muito focado”. Por vezes, “um bocadinho chato, porque sempre detestou perder”.

Durante dois anos, Luís Castro frequentou o curso de Física na Universidade de Coimbra. Mas o destino estava escrito por ele. “Detesto que outros tomem decisões em relação à minha vida.” Águeda, Mealhada, Estarreja, Sanjoanense, Penafiel, Rio Ave, V. Guimarães, F. C. Porto – ganhou a Segunda Liga com a equipa B, treinou a equipa principal e foi Dragão de Ouro – e Shakhtar, clube que levou a campeão da Ucrânia.

É um especialista dos detalhes e do futebol ofensivo. A vitória não o deslumbra e a derrota não o vence, equilíbrio raro no mundo da alta competição. “Acredita no seu trabalho e nem nos momentos maus lhe falta sentido de humor. Consegue ser muito divertido”, diz Luís Simões, licenciado em Educação Física, antigo colaborador e professor de uma das filhas. “Antes de dizer que é um grande treinador, digo que é um bom ser humano. O Luís é boa gente. Nunca perdeu essa noção, mesmo no contexto do futebol, que por vezes é uma selva.” O amigo encontra-lhe um único defeito: “Gosta pouco de comer”. O próprio contrapõe: “Não é bem assim. O que me custa não poder comer chocolate. Muito mesmo”.

É crente. Vai à igreja quando sente necessidade, visita a capela das Aparições de vez em quando. Reza todos os dias. Crê no futebol e em Fátima. “E no fado. O meu pai cantava fado”. Avisa, não haja enganos: não é de direita.

Luís Manuel Ribeiro de Castro
Cargo:
treinador do Al Nassr
Nascimento: 03/09/1961 (61 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Mondrões, Vila Real)