Irritantemente tranquilo, pratica a arte da conciliação. Foi depois do golpe fracassado de 2016 que a fibra de Kemal Kiliçdaroglu extravasou a Turquia. Em resposta à repressão contra os dissidentes perpetrada por Erdogan, lançou o movimento “Marcha por Justiça”, caminhando 450 quilómetros, de Ancara a Istambul.
Pronuncia-se Kilitch-daro-lu. O apelido do homem que desafia Recep Tayyip Erdogan está nos jornais de todo o Mundo: Kiliçdaroglu cometeu a proeza de obrigar o presidente turco, detentor do poder há duas décadas, a uma segunda volta eleitoral.
Tem traços de Gandhi. No rosto afilado, nos óculos de aro fino e pequenas lentes redondas, nas falas mansas. Na calma. Tão inusual na política, que chega a ser irritante. “Há situações que incomodam de tal maneira que não podemos deixar de gritar. Mesmo assim, Kiliçdaroglu mantém a calma”, dizem os colaboradores.
A semelhança com Mahatma está também na resposta pacífica à violência: quando, em 2014, durante um discurso no Parlamento, foi agredido com dois socos que lhe provocaram lesões na face e nos olhos, pediu aos colegas que mantivessem a calma. “O caminho para a democracia é cheio de obstáculos”, disse na altura. Quando, em 2016, o comboio em que viajava foi atingido por um míssil do grupo militante curdo PKK e quando, no ano seguinte, escapou de um ataque do autodenominado Estado Islâmico. Quando, em 2019, no funeral um soldado, sobreviveu a uma tentativa de linchamento. “Nada disto nos pode parar.”
Mas foi depois do golpe fracassado de 2016 que a fibra de Kemal Kiliçdaroglu extravasou a Turquia. Em resposta à repressão contra os dissidentes, com milhares de prisões de supostos golpistas, perpetrada por Erdogan, o líder da oposição lançou o movimento “Marcha por Justiça”, caminhando 450 quilómetros, de Ancara a Istambul.
Cinco anos depois, nas urnas, poderá reduzir o presidente turco a uma derrota histórica. Aos 74 anos, o ex-funcionário público, economista de formação e líder do Partido Republicano do Povo (CHP), fundado pelo carismático pai da nação, Kemal Ataturk, com quem partilha o nome próprio, foi capaz de aliar seis partidos da oposição, com pouco em comum. “Não é um líder revolucionário, é um reformista “, diz a ex-colega de partido Melda Onur. “Fixa o alvo, agarra-se a ele com uma serenidade incrível e no final convence. É muito determinado quando pensa que é o caminho certo.”
Tem como marca registada a arte da conciliação. De tal maneira que se pergunta se terá força para resolver a questão curda. Mas há esperança. “Estamos hoje muito perto de derrubar o trono dos tiranos”, lançou durante a campanha eleitoral, anunciando a rutura com Erdogan.
Kemal Kiliçdaroglu é um político experiente, eleito para o Parlamento turco em 2002, o ano em que o Partido AK, de Erdogan, chegou ao poder. Para a corrida presidencial, porém, não era a escolha óbvia. O CHP tem melhores oradores e figuras de maior destaque, nomeadamente os autarcas de Istambul e de Ancara. Porém, apesar de algumas derrotas eleitorais – uma delas enquanto candidato a presidente de Istambul -, congregou votos e apoios.
Nos 13 anos que leva de liderança do partido, “abraçou todas as cores do país”. Liderou “uma revolução interna, subtil e silenciosa”. Preocupou-se em “unir todas as diferentes vertentes da sociedade turca”. Transformou “um partido próximo dos militares” num partido “inclusivo”. Convocou “figuras religiosas, ativistas curdos e ativistas dos direitos das mulheres” para tentar provar à sociedade turca que o CHP mudou. “O CHP tem uma estrutura predominante masculina. Ele não conseguiu derrubar essa barreira completamente, mas gosta de trabalhar com mulheres”, afirma uma colega de partido.
Nascido em dezembro de 1948, Kemal Kiliçdaroglu foi o quarto de sete filhos criados por uma dona de casa e um funcionário público na cidade de Tunceli. Aluno brilhante, estudou Economia na Universidade de Ancara. É na Universidade que se aproxima da política, militando no Partido da Esquerda Democrática (DSP), sua primeira filiação.
É casado com a ex-jornalista Selvi Gündüz. Tem três filhos e uma neta. É seguidor do alevismo, ramo heterodoxo do islamismo. Antes da corrida presidencial, postou nas redes sociais uma série de conversas com jovens eleitores sobre questões delicadas. Precisamente, a liberdade religiosa ou a questão curda. A segunda volta eleitoral está marcada para o dia 28 de maio. Ver-se-á.
Kemal Kiliçdaroglu
Cargo: líder do Partido Republicano do Povo e candidato à Presidência da Turquia
Nascimento: 17/12/1948 (74 anos)
Nacionalidade: Turca
