Jorge Manuel Lopes

Kelela, uma luz que ilumina o R&B


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.

Em janeiro, a artista e compositora americana Kaya Nova afirmava no Twitter que “o r&b não foi embora para lado nenhum, mas necessitamos de mais r&b ‘sinto-me tão segura contigo’, mais r&b ‘está um belo dia lá fora e estou feliz’. Mais r&b ‘toca esta na festa de casamento’. Tão só músicas mais comemorativas em geral. R&b alegre, se quiserem”. Quem acompanha as flutuações do r&b desde o final do século passado faz uma ideia do que fala Kaya Nova. De um género futurista e estruturalmente ousado, sem perder a sensualidade e a visão pop, demasiado r&b foi derrapando na última década para um beco, ensimesmado, amiúde perdido em labirintos de uma abstração inconsequente, alérgico ao groove. Exceções? Há-as sempre, mas foi-se esvaindo a vontade de se dançar, viver, amar com o r&b.

Pouco dado à nostalgia, “Raven” (edição Warp) aponta num sentido mais motivador. É o primeiro novo material da cantora e compositora americana Kelela em seis anos, beneficiando do percurso da sua autora, nunca afastado dos desejos e do suor da eletrónica dançável.

Entre o estado de suspensão beatífico de “Washed away” e “Far away”, a abrir e fechar o álbum, Kelela retém na sua voz a versatilidade emocional para transitar com naturalidade entre um registo sussurrado ao ouvido e o transporte efusivo pela pista de dança. Tem algo de Kelis (ouça-se “Missed call”, uma de várias canções de sabor britânico, entre o UK garage e o r&b), e um bom bocado de Aaliyah. Há solidez na composição. “Closure” e “Sorbet” são peças delicadas e pessoais, com vapores de quiet storm. O díptico “Raven”/ “Bruises” sintetiza as correntes centrais do álbum numa estupenda suite, de delicadeza, músculo, nuance, cor.

Criativo, “Raven” é levado por uma visão bem resolvida, reconfortante q.b. na sua surdina íntima e irresistível quando apela ao movimento. Sendo improvável a inclusão numa festa de casamento (bem, talvez “Happy ending”, embalado por drum ‘n’ bass), é uma luz num som que ultimamente se confunde com um túnel desesperançado.