“Os atuais adolescentes serão os primeiros a viver menos do que os pais”

O estado atual da obesidade em Portugal, os mitos e as verdades da alimentação, as consequências da pandemia e o que comer para estar bem. O preconceito, os desafios e as recaídas. O ditado “em casa de ferreiro, espeto de pau”. A fama, os processos judiciais e a doença.

José Maria Tallon acaba de pedir a cidadania portuguesa e de lançar um livro. Um nutricionista polémico que não resiste a um pastel de nata. Recebe-nos, sem pressa, na nova clínica, ao Campo Grande, em Lisboa, em vésperas de inauguração. Nas paredes do consultório estão fotografias dos cinco filhos e do cão Gaspar. Diplomas vários, licenciatura e pós-graduações, com destaque para o doutoramento na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Na estante, entre miniaturas de Ferraris, posa com Felipe, então príncipe das Astúrias, hoje rei de Espanha. No chão, a temida balança. Em castelhano-português cerrado, José Maria Tallon não evita perguntas.

Uma tarde inteira a transcrever e editar esta entrevista. Qual é a minha necessidade calórica?
Algumas sim, mas muito poucas. O trabalho intelectual praticamente não consome calorias. Uma colher de iogurte e está alimentada. A grande atenção deve ir para a quantidade de horas sentada. Por cada hora sentada, deve levantar-se durante pelo menos dois minutos.

Para que servem esses dois minutos?
Para ativar o organismo. Para evitar a ectasia circulatória venosa, que é a que temos quando estamos sentados 12 horas por dia. Hábitos que ganharam enorme expressividade durante e após a pandemia. Estamos a falar de pessoas que já pouco exercício físico faziam – e por exercício físico entenda-se ir ao ginásio, fazer caminhadas, etc. Com a ausência de atividade física – e aqui falamos por exemplo de rotinas diárias como ir e vir do trabalho -, subiram os valores da diabetes, a hipertensão passou a mais frequente, a síndrome metabólica muito mais frequente.

O exercício físico foi retomado?
Não, não, não foi. Essa atividade reduziu muito, permanentemente. Tenho pacientes que fazem quatro dias por semana de teletrabalho.

A pandemia antecipou o teletrabalho em quantos anos, tem ideia?
Os nossos cálculos diziam-nos que em 2030 o teletrabalho seria uma prática usual e que 80% das pessoas prefeririam a consulta vídeo à presencial. Com a pandemia, esses dez anos passaram a ser dez dias. Se a Europa era já um continente muito sedentário, com a pandemia os valores do sedentarismo dispararam. A pandemia modificou hábitos de um momento para outro. Criou o conforto, falso ou não, de se poder fazer as coisas desde casa. E a maioria manteve esse regime depois da pandemia.

Que dados tem sobre o aumento de peso em Portugal?
Era esperado. No confinamento, cozinhar passou a ser uma forma de ocupar o tempo. Bolos, pão… Não se faziam saladas. Mas sobretudo, notei o aparecimento de um paciente de 14, 15, 16 anos, anteriormente esporádico, com ganhos de 15 e 20 quilos (kg) em seis meses. O que antes era raro passou a ser muito frequente.

Os jovens foram as “vítimas” principais?
Os adultos já se moviam pouco. Mas os jovens estavam acostumados a ter uma atividade, mais não fosse para ir de um lugar para outro. Da noite para o dia, estão em casa e a comer bolos, que dantes não comiam, nem faziam. Daí ter multiplicado o número de pessoas jovens que pedem os nossos serviços, normalmente por vídeo, pontualmente em consultório, em valores que nunca, na história da clínica, tínhamos tido.

Estamos a falar de que valores?
O nosso tipo de clientes entre os 13 e 18 anos multiplicou por 11. Se contar de janeiro de 2020 a fevereiro de 2020, por exemplo, os nove pacientes passaram a ser 100. Não é multiplicar 11%. É multiplicar por 11.

Que outras consequências lhe chamaram a atenção?
Quem como nós já viu cerca de 250 mil pacientes sabe que há o que chamamos de reinícios. Pessoas que perderam peso e que 10, 15 anos depois – ou porque se divorciam, ou porque se casam, ou por um problema com um filho, enfim, por tristeza e por alegria – voltaram a ganhar peso. Pois com a pandemia, o número de reinícios multiplicou por sete. Ou seja, pessoas com pesos estabilizados há 10, 15, 20 anos, que nunca mais teriam precisado de nós, não fosse a covid.

Está pessimista.
Nada. Tenho mais gente do que nunca na minha consulta, como posso estar pessimista?! Brinco, claro. Agora, a sério: estou pessimista sobretudo quanto à mentalização de que um corpo precisa de trabalho e exercício. As pessoas teimam em não perceber isso.

Com que consequências?
A geração que é agora adolescente será a primeira a viver menos tempo do que os pais. É tão simples quanto isso. Mesmo com os avanços da medicina.

E tem havido muitos avanços da medicina relativamente, por exemplo, às obesidades?
A obesidade é um problema do foro farmacológico, mas também do psicológico.

O que é o mais importante na obesidade?
Perceber porque é que uma pessoa come. Só depois vem “o que come”. Tenho de perceber o que acontece no seu dia a dia, no seu trabalho, que a leva a uma ingestão de açúcar que não existe na Natureza.

Qual é a boa notícia?
Hoje, podemos saber a razão que leva uma pessoa a engordar. E, conhecendo a razão, podemos tratar o problema mais facilmente. Por outro lado, conseguindo saber que um paciente, fazendo exercício lento, não queima rigorosamente nada, e que fazendo exercício intenso queima, passo a poder recomendar o tipo exato de exercício. Por exemplo, dez minutos intensos em vez de caminhadas. A própria farmacologia tem evoluído muito. O senhor, porque come? Come para mascarar uma depressão? Vamos tratar a depressão. Come por ansiedade? Vamos tratar a ansiedade. Come porque está triste? Vamos ajudá-lo a poder lutar contra essa tristeza.

Na literatura, os desgostos de amor, as tristezas provocam falta de apetite.
Porque não havia açúcar fora da Natureza. Quando eu era pequeno, em minha casa havia apenas bolachas Maria, que só comíamos quando estávamos doentes ou fazíamos anos. Se o único açúcar em casa era o de uma bolacha Maria, que é a menos calórica e a que menos açúcar contém, era impossível ter a noção do prazer instantâneo que é comer um pastel de nata. O açúcar é aditivo.

Porquê?
Porque não existe na Natureza como açúcar simples. Ou seja, que açúcar simples existe na Natureza? Mel. Durante anos, o mel era usado para fins medicinais. O nosso cérebro não tinha o estímulo viciante do açúcar.

Há quem não goste.
Se essas pessoas existem, não as conheço. Não vêm à consulta.

Acaba de publicar “Sabemos comer?”. Com tanta informação, ainda não se sabe comer?
Na verdade, hoje todo o mundo sabe de nutrição. Basta entrar no Google e ler sobre a dieta da maçã, a dieta da batata-doce e por aí fora. As pessoas comem as papas de aveia, porque dizem que não engordam. Na verdade, são mais calóricas do que o trigo. As pessoas usam xarope de agave, que é açúcar puro. Xarope de milho, que é açúcar puro.

Xarope de agave é pior do que açúcar puro?
É pior. É mais artificial. Então, a primeira pergunta é “sabemos comer”? O ponto de partida é aprender a comer e acabar com mitos.

Mitos. Qual é o mais frequente?
Que a integral não engorda, que a vegan não engorda e que o biológico não engorda. Vamos ver: a integral é mais saudável, mas engorda de igual forma. Tem praticamente as mesmas calorias. A comida vegetariana é uma comida que em determinadas circunstâncias pode ser mais saudável. De facto, na minha opinião, comemos proteínas e gordura em excesso. Só que é uma comida normalmente mais calórica. Repare, se a minha tarefa for estar aqui sentado, com uma alface tenho os carboidratos suficientes. Muitas pessoas dizem-me “ah, não como carboidratos”. Não comem outra coisa. No leite, na fruta. No tomate há 10% de carboidratos. Na alface, há 3,4% de carboidratos.

A proteína é a base.
Tem de ser. Em Inglaterra, fez-se um trabalho muito interessante, primeiro com gafanhotos e depois com mamíferos. São ministradas rações do mesmo sabor, mais ou menos ricas em proteínas. As rações mais ricas em proteínas levaram a que os animais comessem menos quantidade. Os que comeram as rações pobres em proteínas engordaram. Porque precisaram de comer mais.

Mas o excesso também faz mal.
Muito mal. Rim e fígado. Aliás, sobre suplementos proteicos, recomendo que não se devem tomar sem supervisão médica ou nutricionista. É uma recomendação que engloba todos os suplementos.

Mais mitos.
A côdea do pão engorda menos do que o miolo. Mentira. Engorda muito mais. Porque é farinha sem água. Tem quatro vezes mais farinha.

Isso quer dizer que 100 gramas da côdea de um pão engordam o mesmo que 400 gramas do miolo do mesmo pão?
Isso mesmo.

A água com a comida engorda?
Um mito tão absurdo. A água não contém calorias. Não engorda nem antes, nem durante, nem depois das refeições. Outro mito é achar-se que a fruta, se comida antes das refeições, não engorda. Se comida após engorda. Antes ou depois, é a mesma coisa.

O stress engorda ou é mito?
Não é mito. E engorda por dois motivos: primeiro, porque aumenta a produção de cortisol. Cortisol e cortisona. O que acontece quando uma pessoa toma cortisona? Incha. Segundo, porque provoca ansiedade, que por sua vez provoca uma sensação na garganta. Comer diminui essa sensação. Não estamos, claro, a falar do stress de sexta-feira à tarde. Atenção, estamos a falar de stress crónico.

De um modo de vida.
De um modo de vida do qual as pessoas nem se apercebem. O que nos leva a não dar conta que estamos em stress? Simples: o facto de estarmos todos iguais, de andarmos todos ao mesmo ritmo.

Beber água com limão emagrece?
Zero, não vale a pena. Não há alimentos com calorias negativas. Se houvesse, comia-se uma feijoada, seguida de água com limão e gengibre e era-se magro. Estava resolvido o gravíssimo problema de obesidade no Mundo. Se quer emagrecer, queime o que come.

E os alimentos light?
Light é uma coisa, diet outra. Light significa que tem 25% menos de um componente. Por exemplo, batatas fritas light, menos 25% de sal. Mas tem exatamente as mesmas calorias, batata e azeite.

E se for batata-doce?
Tem mais calorias, ainda. Só que a batata-doce é uma fonte alta de nutrientes. Porém, o que é bom para a Etiópia pode não ser bom para nós. E o que é bom para um culturista de ginásio pode não ser bom para nós.

A tomar-se um refrigerante, qual recomenda?
A Coca-Cola Zero não engorda. Não digo que seja água, repare. A bebida melhor chama-se água. Há que beber pelo menos litro e meio de água por dia. “É que não tenho sede”, dizem. E eu respondo: “Não perguntei se tinha sede. Vamos beber litro e meio de água”. Agora, a Coca-Cola Zero não tem açúcar, não engorda. Mas repito: devemos beber litro e meio de água e não litro e meio de Coca-Cola Zero.

Leite.
O leite é um alimento fantástico em qualquer idade da vida. A ideia de que o leite é só para as crianças, porque o ser humano é o único mamífero que toma leite, não faz sentido. O ser humano é o único mamífero que frita ou grelha a carne, que coze as verduras.

É fácil educar o paladar?
Se na altura certa a dieta de uma criança incluir vegetais, isso irá fazer uma diferença brutal. Se for habituada apenas a arroz e batata, nunca irá gostar de vegetais.

O sal é apenas uma questão de hábito?
O sal é importante. O sal é imprescindível para a vida. Estudos recentes dizem que os cloretos de sódio são fundamentais. Porém, em regra, abusa-se. Recomendo um pouquinho de sal e ervas aromáticas.

Escreve que a dieta americana é a pior da história.
Comparando com a mediterrânica, está no extremo oposto. De facto, digo no livro que é a pior do Mundo e, sabe, depois arrependi-me. Mas na verdade é má. Donuts, cachorros, molhos, litros de coca-cola traduzem-se em triglicéridos e colesterol, em diabetes. Estamos a falar de açúcar. Vamos deixar de castigar as gorduras, a não ser as industrializadas – ninguém fica com o colesterol alto comendo abacates e frutos secos. A menos que coma um camião de abacates. O problema são os açúcares.

Os EUA ainda são a pátria da grande obesidade?
Já não é bem assim. A China, por exemplo, tem um problema de obesidade, que não existia há algumas décadas. E em Portugal estamos a aproximar-nos. Com uma diferença. Ao contrário do americano, o português que passa de um certo peso não sai à rua. Não imagina quantas pessoas não pisam a rua porque têm vergonha. Tenho alguns desses pacientes.

Culpa do preconceito.
Para além do preconceito, por eles próprios, principalmente. Um dia, uma paciente disse-me que queria pagar duas consultas e levar dois tratamentos. Que um era para a irmã. Expliquei que cada caso é um caso, e que o melhor seria ver a irmã. “Doutor, é que a minha irmã é muito gorda.” Sabe quantos quilos tinha a rapariga que estava à minha frente? 212 quilos. Imagine a irmã. E, como este, há muitos mais casos.

Que números são conhecidos?
Em Portugal há quatro milhões e meio de adultos com excesso de peso e um milhão e meio de obesos. Numa população de dez milhões estamos a falar de 60% de adultos com excesso de peso. 60% quase 70%.

A sociedade continua muito preconceituosa?
A sociedade comporta-se em contrassenso. Extremamente exigente com a figura e sem tempo para poder fazer algum exercício ou comer adequadamente.

A obesidade está associada ao poder de compra?
A obesidade é daquelas coisas igualitárias.

Mas quem tem dinheiro come melhor.
Quem tem dinheiro para comer alimentos de qualidade também tem dinheiro para o champanhe. O álcool engorda. Pode ser que quem tenha mais dinheiro tenha mais acesso a consultas e a ginásios, porque, por estranho que pareça, as consultas de obesidade não são comparticipadas. Estranho porquê? Porque as consequências da obesidade já são tratadas com comparticipação.

Quem chega a casa depois de um dia de trabalho e horas em transportes públicos não tem vontade de fazer sopa.
É verdade, mas há sopas sem batata, de boa qualidade e baratas, nos supermercados. Por isso, digo que o problema maior é a falta de conhecimento. No âmbito da minha tese de doutoramento, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, fizemos um programa nas escolas. Inquiridos 1200 alunos, num teste de conhecimento sobre nutrição, concluiu-se que não sabiam praticamente nada, mas estavam convencidos de que sabiam muito. Quinze dias depois do uso desse programa, 85,5% tinham aumentado os seus conhecimentos em mais de 40%. E passaram a autorregular-se.

É difícil educar para uma boa alimentação?
Há, sobretudo, que dedicar tempo.

Como lidou com o excesso de peso em dois filhos. Em casa de ferreiro, espeto de pau?
Já ouviu falar da palavra liberdade? Escolhe-se. Não posso fazer nada.

Mas também escreve que tudo começa com o que se mete no frigorífico ou na despensa, colocando responsabilidade nos pais.
É verdade. Pode comer bem em casa, porém, se comer 14 bollycaos quando vai para a escola ou a casa de um amigo, que posso fazer?

Está a dizer que a responsabilidade que se atribui aos pais na má alimentação dos filhos é demasiado pesada?
No meu caso, entendi que tinha de respeitar os seus tempos. Dando os meus toques e estando disponível para quando entendessem. A minha filha começou a ter problemas com 13 anos. Tendência para engordar, um apetite natural, genético. Perdeu o primeiro peso nessa altura. Depois, teve picos. Em todos os momentos, estive lá, pronto para a ouvir quando ela quisesse. Nunca lhe disse que por ser minha filha tinha de fazer dieta. Mas disse-lhe que se quisesse fazer medicina e trabalhar comigo teria de ter o peso adequado, caso contrário, por muito boa nutricionista que fosse, não teria credibilidade. Então a Carminha fez o seu percurso. Chegou um momento em que decidiu o que queria fazer. Perdeu alguns 44, 45 quilos. O meu filho Eduardo era um caso mais extremo. Chegou aos cento e vinte e tal quilos.

Desafio ao pai, ainda que inconsciente?
Nada disso. Comia porque tinha fome. Um dia percebeu que estava a ficar limitado. Que fazia taquicardias. Que a roupa não assentava. Decidiu fazer uma dieta. Passou para os 72, 73 quilos, podendo nunca esquecer que tem tendência para engordar.

O pai tem tendência para engordar?
O pai era o único miúdo gordo da escola. ‘Tallon à baliza!” Hoje, metade da escola está com excesso de peso, mas, na minha época, havia um gordo e um com óculos. Quando o gordo tinha óculos era a desgraça total. Sim, fui muito “bullynizado”. Decidi que tinha de resolver o problema. Hoje, faço exercício diário. Tenho 64 anos, faço exercício diário e sinto-me muito bem.

A escolha profissional teve a ver com a infância?
Muito possivelmente, de uma forma inconsciente.

Dietas. O jejum intermitente funciona?
A primeira coisa que me ocorre dizer é que quem escolheu a expressão não tinha cérebro. Porque todos os seres humanos fazem jejum intermitente. Conhece alguém que come 24 horas seguidas todos os dias? Segundo, desde que ingiramos os nutrientes necessários, o tempo em que o fazemos é connosco. É verdade que para a maioria das pessoas a distribuição da comida ao longo do dia ajuda-as a controlar melhor o apetite. Mas os primitivos comiam uma vez por dia. E não existe qualquer evidência científica de que comer até às seis da tarde emagreça mais do que comer até à meia-noite. O jejum intermitente é uma palavra pomposa para descrever algo que fazem todos os seres humanos. Período de comer, período de não comer.

No livro defende o jejum de 12 horas. São suficientes? Há quem esteja 18 horas em jejum.
Defendo o jejum de 12 horas como forma de limpar as células defeituosas do organismo. Que é a única coisa em que há evidência científica – não tem a ver com o peso, tem a ver com uma autorregeneração do organismo.

Porque fracassam as dietas restritivas?
Porque são feitas de frango e alface, de alface e frango. Essa não é a minha dieta. Os meus pacientes comem porco, vaca, cabrito. O nutricionista tem de ter a noção de que comer não é só alimentar. É muito mais. É uma fonte de prazer e de convívio. Qual é o ponto-chave da alimentação mediterrânica? Convívio à mesa.

Há pacientes que lhe omitem os deslizes?
Sou muito claro nas minhas afirmações: se um cliente faz dieta e perde peso, fico muito feliz porque ajudei alguém a melhorar de vida. Se não quer fazer dieta, mas paga consultas, fico igualmente feliz. Não posso dizer o contrário.

Voltemos aos mitos e às verdades: comer depressa engorda?
Está testado. Uma das conclusões do livro é baseada num estudo feito com 20 mil pessoas. Comer depressa aumentou o Índice de Massa Corporal em 1.75. Ou seja, passou de 24 para 25.7, o que é significativo. Quando mastigamos, os mecanismos neuroendócrinos dizem ao cérebro que estamos a comer. Se comermos devagar, ativamos o mecanismo de queima.

Há alimentos amigos, há alimentos que queimam calorias ou não?
Nenhum alimento queima calorias. Ou, pelo menos, não queima significativamente. Há alimentos que pela sua baixa densidade calórica – pepino, aipo, melancia – praticamente não engordam, a não ser que coma um camião, porque realmente têm muito poucas calorias por grama.

Quanto é preciso caminhar para a energia consumida com um hambúrguer simples?
Cerca de 4,05 quilómetros. Para um pacote de batatas fritas, 10,47. Para um croissant simples sete quilómetros.

A que quantidade de açúcar corresponde um iogurte 0%?
A 16 gramas, ou seja, a quatro torrões.

Oito bolachas Maria?
12 gramas de açúcar, cerca de três torrões.

E 100 gramas de gomas?
56 gramas de açúcar, ou seja, 14 torrões. E há pessoas que comem 200 e 300 gramas de gomas. Por isso, eu acho importante que este livro começasse pelo início e acabasse pelo final.

De quantos torrões precisamos por dia?
Dois, três. Este é o grande problema. Não sabemos comer porque não temos noção do que realmente estamos a comer.

Confia nas indicações nutricionais que vêm nos alimentos?
Na Europa, completamente.

Quais são as palavras a que temos de estar atentos?
Gorduras total ou parcialmente hidrogenadas. Ver qual é a proporção de açúcar e o semáforo nutricional, que é obrigatório em quase tudo. E, sobretudo, fazer a conta dos açúcares simples. Porque uma coisa são carboidratos e outra coisa são açúcares. Ter muito cuidado com os açúcares simples. Sabe qual é a diferença entre uma laranja e um sumo de laranja recém-espremido? Ao espremer, tira-se a fibra. Logo a absorção do açúcar será, pelo menos, três vezes superior a comer a fruta inteira. E há ainda outra diferença: uma laranja, porque tem fibra, sacia. Num sumo como duas ou três laranjas. Logo, estou a engordar o mesmo que se comesse dez ou 12 laranjas.

Há alimentos que não se casam e outros que conjugam muito bem.
Nas refeições que incluam alimentos ricos em ferro, deve evitar-se o leite. Ingerido na mesma ocasião, o leite diminui em cerca de 50 a 60% a absorção de ferro. Pelo contrário, a vitamina C, quando conjugada por exemplo com o feijão, leva a maior absorção de ferro. Juntar café ao leite provoca uma absorção menor de cálcio. O mesmo acontece se juntarmos kiwis, espinafres ou beterraba a produtos lácteos. Feijão branco em conjunto com pão, massa ou arroz faz com que haja uma menor absorção dos hidratos de carbono e da glicose. Azeite e frutos oleaginosos ajudam a reduzir a absorção do colesterol quando conjugados por exemplo com iogurtes.

Qual é o melhor carboidrato?
Massa integral, arroz integral, serão sempre bons carboidratos. Mas os melhores são alface, tomate e brócolos. Erroneamente, achamos que carboidratos é farinha de engordar porquinhos. Arroz, batata, massa, grão. Ou seja, carboidratos são necessários para trabalhar no campo, não para estar num escritório. Com os vegetais, cozidos ou crus, a quantidade de carboidratos é bastante alta. O leite é um carboidrato.

E os piores venenos?
O primeiro e o mais importante é o açúcar. O segundo, farinhas refinadas. E a palavra está clara, refinadas. O sal, se em excesso. O sal para a alimentação portuguesa é um veneno branco. O arroz branco, se bem que depende da forma como o cozinhamos.

Ovos – clara sim, gema não?
Está mais do que demonstrado que comer dois ovos inteiros por dia não é um problema. A clara de ovo deve ser, possivelmente, a melhor proteína de todas.

Café, quanto e quando?
Há várias teorias. Parece-me que o mais acertado é que não o tomemos logo de manhã. E a dose ideal será uns dois, três por dia. O café é um estimulante natural e tem benefícios. Ou seja, beber um pouco de café é melhor do que não beber.

Vinho branco ou tinto ou nenhum?
Se é tinto, à temperatura ambiente, e se é branco, fresquinho. Sobretudo, moderação. Um copo por dia com as comidas, tratando-se de uma pessoa saudável, não levanta problemas. Mas eu recomendo beber apenas uma vez por semana, para evitar a rotina. Beber no tal dia da semana em que se vai fazer uma comida diferente. Aí, pode beber um copo ou dois. Vai desfrutar muito mais.

O que o tenta?
Quase tudo. Sou um desastre. O meu pastel preferido é o pastel de nata. Compro-o, mas como-o no carro porque se o comesse na confeitaria pediria mais de que um. O meu prato favorito? Batatas fritas com ovos estrelados e alhos fritos.

O tomate é um superalimento. Há muitos mais?
O tomate é mesmo o primeiro de todos. Mas também as uvas com grainha e casca. As folhas verdes ou escuras. Os brócolos.

Dedica este livro aos filhos.
São cinco, dois no primeiro casamento, três do segundo.

E também às companheiras.
Importantíssimas na minha vida.

Uma delas, a Catarina, acusou-o de violência doméstica.
Tenho uma enorme capacidade de me lembrar apenas das coisas positivas da vida. Sou otimista. O meu pai dizia que era sobretudo um inconsciente, mas sempre me dei bem assim. Tive uma vida marcada por trabalho, por cuidar dos meus filhos e das minhas companheiras. Penso que, num momento de raiva, todos nós dizemos muitas coisas e eu consigo ultrapassá-las todas. E que saiba não fui condenado por nada. Quer saber qual é hoje a minha relação com a Catarina? Boa. A Catarina trouxe muitas coisas boas à minha vida. Assim como a minha primeira mulher. Damo-nos bem.

Três anos antes do processo por violência doméstica, teve de lidar com acusações a um médico que trabalhava consigo. Várias pacientes ficaram com problemas graves provocados pela medicação.
Num caso e noutro, estive de consciência tranquila. A vida é justa? Não. Sou uma pessoa muito disciplinada. Sou capaz de pensar num problema num período de tempo definido. Das nove às nove e meia e só nesse intervalo. Como se consegue? Com disciplina. A disciplina é fundamental. Vim para Portugal com 26 anos e com 30 tinha uma consulta com mais de 100 pessoas por dia.

Vem para Portugal por causa dos carros?
Vim a Portugal para ver um rally e apaixonei-me. E não digo isto da boca para fora. A minha casa de férias está no Algarve e os meus filhos espanhóis vivem em Portugal. Pedi agora a nacionalidade portuguesa, que não tinha, não à procura de qualquer benefício, que não tenho, mas porque neste momento o meu coração é mais português do que espanhol.

Voltando ao processo do médico que trabalhava consigo, foi testemunha em tribunal.
Não tinha nenhum motivo para ser testemunha dele, porque foi um sacana. Saiu daqui e levou clientes. Mas entendi que a acusação não era justa. Temos de ir pelo caminho certo. Por isso cheguei aos meus 65 anos e estou onde estou.

Em que medida a doença o modificou?
Cancro da próstata. As pessoas não entendem por que razão falo abertamente das coisas. Falo porque sou assim. Não tenho qualquer problema em falar sobre qualquer tema. A palavra cancro é um choque. Ensinou-me a relativizar. A desfrutar mais da vida. A perder o conceito de que somos eternos. Achava que era. Não sou. Sou mortal como os outros.

Dizia há pouco que quatro anos depois de chegar a Portugal via 100 pacientes por dia. Hoje, quais são as contas?
265, 270 mil pacientes diferentes. Não são consultas, são números de pacientes diferentes. Consultas são milhões.

Qual o maior peso perdido?
O paciente que mais peso perdeu connosco? 160 quilos perdidos. Pacientes que perderam 100 quilos temos sensivelmente uns 50 pacientes. Pacientes que perderam mais de 50 quilos, temos mais de mil.

Uma frase feita que faça todo o sentido quando falamos de nutrição.
Pequeno-almoço de rei, almoço de príncipe e jantar de mendigo. É mesmo assim. E cada vez mais se pergunta se não deveríamos cortar com o jantar.