José Guilherme: bombeiro antes mesmo de o ser

José Guilherme é o comandante da equipa de resgate portuguesa que está na Turquia

A profissão é um desejo clássico infantil. Por isso, diz que não é um trabalho. É a concretização diária do sonho de um miúdo ribatejano. “Vai agasalhado, vê lá se te alimentas bem”, disse a mãe, quando soube que o filho ia partir para a Turquia. Com a Nossa Senhora de Fátima na mochila.

Chegava de Roma, cidade escolhida para festejar, a 3 de fevereiro, 53 anos de vida, viagem oferecida pela mulher, Mariete, quando o telefone tocou. “O meu comandante convocava-me e, claro, anuí imediatamente.”

Ficou mais nervoso do que é habitual. Cumpriu missões em Moçambique, por três vezes, em Timor, esteve em cenários trágicos como Ferreira do Zêzere, nos incêndios de 2017, mas as imagens que chegavam da Turquia e da Síria a nada se comparavam. Iria comandar 53 operacionais durante dez dias num quadro de horror, resultado do sismo que provocou pelo menos 36 mil mortes. Salvariam duas vidas: Baran, um menino de dez anos, e um cão de pelo amarelo. “Já valeu a pena”, declarou, após os resgates.

“Quando me disse que o plano tinha sido acionado, senti que estava preocupado. Desta vez, mexeu com ele”, diz a mulher, engenheira florestal. “Vai agasalhado e vê lá se te alimentas bem”, disse-lhe a mãe quando soube o destino do filho, sabendo que Nossa Senhora de Fátima anda sempre com ele, na mochila.

“Tem muita formação técnica, caráter e muita integridade”, salienta Mário Silvestre, adjunto de operações do Comando Nacional de Emergência e Proteção Civil. “Lida muito mal com a incompetência e com a incapacidade negligente de resolução dos problemas que se lhe colocam pela frente”, acrescenta.

Luís Coelho é segundo-comandante dos Bombeiros de Coruche. Foi formando de José Guilherme. “Cheguei um miúdo e fui parar às mãos dele. Deu-me a recruta. É muito exigente, competente e dedicado.” Numa estrutura hierarquizada, “não suporta faltas de respeito”, diz o ex-aluno. E o professor concorda: “Irrita-me muito a desobediência ao comando. Nesses casos, sou capaz de falar um bocado mais alto. Porém, também sou capaz de pedir desculpa, se por acaso me excedo. Detesto injustiça”. De si, os comandados terão sempre “ toda a retaguarda do mundo”. “Por eles, dou a farda.”

Também ele chegou adolescente de 15 anos ao quartel de Coruche. E também ele guarda referências. O comandante José Alberto Vitorino “é a mais forte”. O antigo comandante dos Bombeiros de Almeirim e quadro de honra retribui. “Naquela altura os Bombeiros de Coruche eram a coqueluche dos bombeiros do distrito de Santarém “, recorda, lembrando um jovem “muito metódico, muito organizado, humilde, que foi recebendo convites e subindo na hierarquia apenas por mérito”.

Um caminho de mais de três décadas: comando dos Bombeiros Voluntários de Coruche, de onde é natural, comando dos Bombeiros Voluntários de Benavente, número dois da Proteção Civil distrital, líder dos Municipais de Santarém (atuais sapadores), segundo comandante regional de Emergência e Proteção Civil do Alentejo.

Estudante trabalhador, licenciou-se em Engenharia de Proteção Civil e com formação complementar em várias áreas ligadas ao setor, é comummente considerado “uma pessoa divertida, bem-disposta, alguém que é difícil ver com má cara”. Sobretudo nas noites em que vestia a farda de DJ, passando rock dos anos 1980 e 1990 (The Rolling Stones, os australianos INXS, ou The Hotters) em discotecas de Coruche, Moura, Salvaterra de Magos.

“Hoje, o trabalho não permite. Ingressei na vida de bombeiro há 37 anos. Sinto-me um sortudo. Como qualquer miúdo, quis ser bombeiro e consegui. Não é um trabalho. É a realização diária de um sonho de infância.” Vivida numa família humilde, marcada pela presença forte da mãe e por longas ausências do pai, embarcado.

Tem duas filhas quase com o mesmo nome: Inês, arquiteta, nascida do primeiro casamento, e Maria Inês, menina de 13 anos, do segundo. Gosta de azul e é do Benfica. Gosta de peixe grelhado e cozinha sobretudo massas. Gosta de filmes de aventuras, sobretudo os protagonizados por Sylvester Stallone, e dedica cuidada atenção às alfaces, na horta dos sogros, aos domingos à tarde.

José Guilherme da Costa São Marcos
Cargo:
comandante da equipa de resgate portuguesa que está na Turquia
Nascimento: 03/02/1970 (53 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Coruche)