João Gonzalez: a idade do gelo

João Gonzalez é o primeiro realizador português candidato a um Oscar

Chegou o tempo do primeiro realizador português candidato a um Oscar. Quis ser engenheiro informático e foi atleta de voleibol. Mas em nenhuma outra vocação encontrou a liberdade que lhe dá o cinema animado.

Chama-se “Ice Merchants” e quebrou uma barreira até agora inultrapassada pelo cinema português. A curta-metragem de animação está na restrita lista de cinco candidatos ao Oscar da Academia de Hollywood, na categoria, resultado da criatividade e talento de um jovem de 26 anos, realizador, animador, ilustrador e músico com formação clássica em piano.

Chama-se João Gonzalez e quis ser engenheiro informático. Felizmente, não conseguiu vaga. “Teria sido um mau engenheiro informático”, diz hoje o pai. Pedro Almeida, professor de música, notou no filho vocações artísticas precoces. “Cedo mostrou faculdades extraordinárias para a música e para o desenho. No 6.º ano de escolaridade ganhou um prémio que valeu um fim de semana a toda a família numa reserva do lobo ibérico. O guarda nem queria acreditar que o desenho fora feito por um miúdo de 11 anos.”

É uma família dada às artes. O pai tem o curso de Conservatório, a irmã estuda música. E com origens em Vila do Conde, a cidade que acolhe um Festival de Curtas-Metragens. Aí viu João Gonzalez o primeiro filme de animação. Por isso o nervoso miudinho quando chegou a sua vez de se apresentar àquele público. “Disse-me que estava mais nervoso do que em Cannes, precisamente por ter um elo emocional tão forte à cidade”, conta Nuno Rodrigues, diretor da Agência da Curta Metragem, responsável pela divulgação de “Ice Merchants”. “Com este filme, o João percebeu que atingiu uma dimensão que lhe permitia ser ambicioso. Por isso, não fiquei surpreendido com a candidatura aos Oscars”.

Nuno Rodrigues não poupa elogios: “Concentrado, organizado, meticuloso, com ideias muito claras sobre o que quer fazer. Uma figura completa, que poderá também enveredar pela produção”. O pai corrobora: “É realmente muito focado. Na fase criativa, trabalha horas e horas seguidas, num ritmo exaustivo”. O amigo Gil Flores acrescenta: “Uma vez, contou que esteve 15 horas para fazer um segundo e meio de animação e que isso é normal”.

Gil Flores, empresário e também músico, é um amigo da adolescência, tempo em que o voleibol era ainda um interesse levado a sério (foi campeão nacional de juvenis na Académica de São Mamede). Lembra um rapaz “diferente, especial, com uma mente artística muito forte. Introvertido, low profile, muito criativo”. E, diz ainda, “com imensa capacidade de improvisação”. Gil recorda as festas em sua casa. “A certa altura, sentava-se ao piano e tocava desde música clássica a jazz.”

Carolina Chantre, também colega da Escola Secundária Filipa de Vilhena, no Porto, assistiu a algumas dessas noitadas. “Toca maravilhosamente.” A engenheira química descreve “um coração grande, humilde, perspicaz e preocupado com os amigos. Está lá quando é preciso”. No dia em que o filme foi declarado candidato aos Oscars, foi ao grupo de WhatsApp partilhar a notícia com os amigos e prometer celebrar com uns finos.

Gosta muito de francesinhas. A propósito, Gil conta: “Temos um grupo chamado O Exagero. Uma vez por ano, comemos e bebemos como na Roma antiga”. Em Londres, assistiu à estreia do primeiro filme do amigo. “Toda a gente adorou. Já então via todo o potencial, mas sei que manterá a humildade que caracteriza.”

Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, fez mestrado na Royal College Art, depois de terminar a licenciatura na ESMAD. Nessas instituições realizou os multipremiados filmes “Nestor” e “The Voyager”.

Nos dois primeiros “fez todos os papéis”, lembra o pai. Neste, teve a ajuda de uma equipa. “Sabe ouvir, mas também sabe levar as suas ideias até ao fim.” Os vencedores serão conhecidos a 12 de março. “Algo que sempre me fascinou no cinema de animação é a liberdade que nos oferece para criar algo a partir do zero” – um homem e seu filho saltam de paraquedas da sua casa fria e vertiginosa presa num precipício para se deslocarem à aldeia. Fazem-no todos os dias, para venderem gelo que produzem durante a noite.

João Gonzalez Cunha e Couto Almeida
Cargo:
primeiro realizador português candidato a um Oscar
Nascimento:11/02/1996 (26 anos)
Nacionalidade:
Portuguesa (Porto)