Jenna Evans Welch: “Os meus livros são para fazer pensar e entreter”

Com “Amor e gelato”, de 2016, Jenna Evans Welch criou um filão: o romance para jovens adultos sobre dores de crescimento, família e primeiros amores, sob o sol da Toscana, tornou-se num best-seller. Dele nasceu uma trilogia - “Amor e sorte” e “Amor e Santorini” foram novos sucessos com a mesma fórmula, à qual a autora acrescentou agora um twist. Em “Feitiços para coisas perdidas”, as idílicas paisagens europeias deram lugar a Salem, nos Estados Unidos da América. Onde antes havia gelado, ruas brancas e azeitonas, há magia e cartas de tarot.

Em todas as biografias e descrições oficiais da autora norte-americana Jenna Evans Welch, lê-se que ela sempre se apresentou como “aquele tipo de criança que devorava livros”, não tendo qualquer “alternativa a não ser tornar-se escritora”. Em Lisboa, numa tarde chuvosa de junho (esperando ainda ver a famosa luz da cidade, dizia-nos), encontrámos a autora tal como a imaginávamos depois de ler as suas obras: divertida, mas um pouco tímida; diligente, porém desprovida de vislumbres de grandeza ou laivos de arrogância; aberta e incerta face aos próximos passos do seu caminho, sem com isso parecer muito apreensiva. Acima de tudo, encontrámos, aos 37 anos, uma mulher apaixonada por livros e pelo grupo etário para o qual decidiu escrever desde que era ela própria uma adolescente. Por não encontrar muitas obras para “jovens adultos”, como gosta de designar, que a cativassem, ou fizessem realmente pensar.

Quando é que se apercebeu que queria ser escritora e quando é que começou a escrever?
Comecei a escrever antes de saber escrever. É verdade, lembro-me de ter o meu pai a datilografar histórias para mim. E quando tinha 11 anos já dizia às pessoas que queria escrever livros para jovens adultos. Eu estava a crescer nos anos 1990 e não havia muitos livros para adolescentes, nada que me cativasse. Por isso, com 11 anos disse à minha mãe que era isso que eu ia fazer. E comecei a escrever a sério quando tinha 23.

Quando iniciou “Amor e gelato”, alguma vez pensou que não só seria publicado como criaria uma trilogia? Vislumbrou-o, de alguma forma?
Sempre tive a esperança de publicar um livro, mas demorei muito tempo a escrever esse primeiro. Aliás, houve uma altura em que não tinha a certeza se iria resultar. Depois, a receção foi algo que não esperava, tem sido muito surpreendente e emocionante. Especialmente a nível internacional. Nunca imaginei que seria assim.

A primeira obra passa-se em Florença, onde viveu. Mas em todos os seus livros o local é também como uma personagem – é assim? E são sempre lugares que conhece bem?
Sim. Como bem disse, passei os meus anos de liceu em Florença, Itália. Por isso, escrever sobre o amadurecimento e a adolescência ligada a viagens foi muito natural para mim, porque foi uma parte muito importante da minha adolescência. Foi a minha experiência. Em muitas entrevistas a escritores perguntam se o enredo, a história, as personagens, vieram primeiro. Para mim, foi sempre o cenário. É algo que me inspira muito e eu esforço-me muito para que os cenários pareçam naturais. Por isso, foi com naturalidade que Itália foi o primeiro lugar. No entanto, em cada um dos meus livros passei muito tempo a pesquisar e fui fisicamente aos sítios, tentando ver o local através dos olhos de um adolescente.

Como foi viver em Itália em adolescente? Obviamente que teve impacto na sua escrita, mas também a influenciou a outros níveis?
Sim, sem dúvida. Expandiu a minha visão do Mundo. Eu vinha de uma comunidade, de uma religião e de uma cidade muito protegidas. Por isso, quando me mudei para lá, ainda muito jovem, de repente vi o Mundo de uma forma muito diferente. E isso ajudou-me a tentar ver o Mundo de diferentes pontos de vista, o que é importante na escrita e não só.

Pensa que o sucesso dos seus livros tem também a ver com esse lado dos cenários, do ambiente, aquela sensação de livro de viagens que eles têm?
Sim, completamente. O que mais ouço dos leitores é “senti-me como se tivesse ido a esse sítio”. Especialmente no auge da pandemia, ouvi muitas pessoas dizerem que, ao ler os meus livros, conseguiam tirar férias ou viajar.

Neles, a mãe ou o pai desempenham também papéis cruciais. As famílias e as relações familiares são pontos comuns na sua escrita?
Sim, acho que a forma como nos relacionamos uns com os outros e nos afetamos mutuamente é o mais interessante do Mundo. E penso que muitos livros para jovens adultos, especialmente, centram-se em relações românticas. Mas essa é apenas uma pequena parte na vida de um adolescente. É também a idade em que se começa a tomar consciência das relações familiares, a decidir do que se gosta e do que não se gosta e a começar a formar o que se quer no futuro. Por isso, sempre foi, a meu ver, algo muito interessante para explorar, porque a relação com os pais é, para o bem ou para o mal, muito importante.

Há também um fator comum: o amadurecimento das personagens, a transição da infância para a adolescência e para a idade adulta, com todas as suas descobertas e nostalgias. É algo que a fascina?
Sem dúvida. Escrever sobre adolescentes é muito interessante porque muitas das experiências são algo que acontece pela primeira vez. Podemos ter muitas relações na nossa vida ou tomar muitas decisões, mas nessa altura elas parecem tão grandes e importantes porque é a primeira vez que as vivemos. Mesmo depois, passamos mais tempo a pensar nessa época do que em quase todas as outras. Por isso, sim, é uma altura da vida muito fascinante. Não sei se pessoalmente a quereria repetir (risos). Mas é óbvio que penso muito nesse período.

Acha então que os seus livros são sobretudo romances para adolescentes, como normalmente são descritos; ou os adultos – secretamente ou não – também os devoram?
Acho que ambos. Mas eu penso muito no adolescente quando estou a escrever, muito mesmo. Porque senti esse vazio e esforcei-me muito por escrever livros que abordam assuntos muito sérios, mas de forma divertida, leve e cativante.

Quer que os livros sejam para fazer pensar ou para entreter?
É isso, são ambos, quero que os meus livros sejam para fazer pensar e para entreter. Quero que o livro tenha o sabor de um cupcake, ou seja, que seja açucarado, doce e divertido, mas, ao mesmo tempo, que dure como algo um pouco mais saudável e consistente, mais como um queque, certo? Por isso, as minhas críticas favoritas são as que dizem: “Pensei que ia ser leve e fofo, mas tenho estado a pensar nas situações do livro. Tenho pensado na forma como a dependência pode afetar os adolescentes, ou nos problemas de saúde mental”. Ou seja, há algo que fica. Porque os adolescentes precisam de se divertir e precisam de ter alegria nas suas vidas, mas também têm de lidar com os seus problemas.

Já pensou em explorar outros géneros literários?
Na verdade, tenho andado a pensar muito nisso. Há uns anos estava a lutar contra um esgotamento, como penso que aconteceu com muitas pessoas. Havia muita coisa a acontecer no Mundo, depois da pandemia. Comecei a sentir que estava menos interessada em histórias de adolescentes e a explorar outras ideias. Na verdade, desde que tive algum tempo para descansar dei por mim a pensar novamente em histórias para adolescentes, pelo que acho que só precisava de uma pausa. Mas estou muito interessada em escrever livros ilustrados, porque os leio muito com os meus filhos e gosto muito de livros infantis bem escritos. Acho que é algo que me pode agradar no futuro. Mas espero escrever mais livros para jovens adultos.

Sendo agora uma autora de renome, quando escreve é também importante que seja uma narrativa que resulte, que as pessoas vão gostar? Sente essa pressão?
Sim, já senti essa pressão. Mas, para mim, foi importante perceber que não tenho forma de escrever algo que as pessoas gostem. Costumava tentar fazer isso e descobri que isso bloqueava o meu processo criativo. Além disso, todos os meus livros têm tido reações muito variadas. Há pessoas que os adoram absolutamente e outras que não. Deixar de tentar criar algo de que as pessoas vão gostar tem sido muito útil para a minha escrita.

Mas quando o livro é lançado vai ler as críticas?
Tento não o fazer. Especialmente no Goodreads – não sei se isso é popular aqui. Tem tendência a ter críticas muito negativas. Acho que há qualquer coisa no algoritmo que favorece esse tipo de críticas. E descobri que isso pode ser muito negativo para o meu processo criativo. Acho que o meu estado emocional, o meu cansaço, tudo isso também pode ser afetado. Por isso, tento, em geral, não me preocupar demasiado com as críticas.

Falando em “Feitiços para coisas perdidas”, o livro passa-se em Salem, um pouco diferente de tudo o que estávamos a falar. O que a levou até lá e à magia?
Durante a pandemia, muitos de nós arranjaram passatempos, e eu tinha um grupo de amigos que decidiu trazer alguns elementos destes para a sua vida. Começámos a encontrar-nos em todas as luas cheias, falávamos de feitiços e aprendemos a ler cartas de tarot. E eu gostei imenso. Sempre me interessei por coincidências, sorte e intuição. Comecei a ler as cartas de tarot e fiquei tão fascinada… Ainda hoje leio tarot, todos os dias. Acho que é uma ferramenta muito boa para a criatividade. Por isso, tornou-se algo que me interessava muito. E achei que seria muito divertido trazê-lo para um livro contemporâneo. Porque o livro não é de fantasia. Passa-se no Mundo real, com pequenos toques de magia, que é a forma como vejo o Mundo em geral.

Se gosta de ler cartas de tarot, tem de acreditar um pouco no destino. A questão é: acredita? E o que gostaria que o destino lhe reservasse?
Essa é uma ótima pergunta. Sinceramente, encaro o tarot mais como um reflexo do que se passa dentro de mim. Mas espero que o meu futuro esteja cheio de muitos mais livros. Tudo o que aconteceu na minha carreira foi tão surpreendente que acho que não há maneira de prever o que vai acontecer. Mas espero escrever para o resto da minha vida.

Nos seus livros, há um pequeno segredo ou uma explicação oculta que guarde só para si?
Sim, provavelmente em todos eles. No meu primeiro livro, por exemplo, dei a uma das minhas personagens favoritas – não vou dizer qual – o nome de alguém com quem fui ao baile de finalistas. Eu fui terrível para ele, fui um péssimo par. Foi como um pequeno pedido de desculpas. Não sei se ele já o leu ou se faz ideia. Mas, sim, há sempre coisas desse género.

Quanto tempo leva normalmente a escrever um livro? Alguns são mais difíceis do que outros?
Todos eles têm sido difíceis para mim. Acho que quase todos os elementos da escrita de um romance são difíceis. O meu marido diz sempre: “Já passámos por isto, desta vez aprecia!”. Acho que o meu segundo livro foi o mais difícil porque o primeiro foi pensado durante dez anos. E depois foi um sucesso surpreendente. Muitas pessoas estavam à espera que eu escrevesse o mesmo livro outra vez, o que, claro, não é possível. Tinha de ser um livro completamente diferente. Por isso, nesse livro tive muita pressão, porque ainda estava a aprender a escrever. E foi difícil.

Quando escreve, sente que é terapêutico ou esgotante?
As duas coisas. É um grande desafio, mas também é um alívio poder estar no fluxo criativo, ou fazer uma pausa da minha vida normal e estar num mundo que criei. Tenho dois filhos e às vezes digo que, ao contrário dos meus filhos, as minhas personagens fazem o que eu lhes digo.

Como é o seu horário na vida real enquanto escreve? É do género “não falem comigo agora pois estou a escrever”?
Sim, na verdade escrevo quase exclusivamente fora de casa porque descobri que, se estou em casa, estou a pensar, “tenho de lavar a loiça, ou a roupa está uma confusão”, ou os meus filhos estão a gritar lá em cima… Foi útil para mim ter um espaço separado. Por isso, trabalho num café local. Fica ao cimo da minha rua e toda a gente me conhece e sabe o que estou a fazer, é muito agradável.

A Netflix adaptou “Amor e gelato” para filme; como aconteceu e o que achou do resultado?
Foi uma experiência muito interessante. Eu estava num período muito intenso da minha vida familiar e decidi vender os direitos e não ter qualquer envolvimento na realização do filme. Por isso, sinto que é muito diferente do livro, pelo que foi útil encará-lo mais como uma interação com a história ou como um ponto de partida da história do que como uma adaptação. Mas foi especial ver personagens que criei em sítios onde passei algum tempo quando era adolescente. Depois, recebi comentários positivos e negativos sobre ele. Ou seja, foi um desafio estar na ribalta por algo que eu não tinha realmente feito, percebe o que quero dizer? Foi uma experiência interessante. Mas o filme saiu-se muito bem em todo o Mundo. E trouxe muito mais leitores para o meu trabalho, o que foi uma dádiva.

Quais são os seus livros preferidos?
Neste momento, estou a ler muitas memórias, o que tem sido muito divertido. Obviamente que adoro ler obras para jovens adultos. E, depois, leio muita ficção.

Qual foi o último livro que leu?
Vamos ver… O que é que acabei de ler no avião? Oh, acabei de ler um livro de memórias, lá está, da Jenny Lawson, de “Furiously happy”.

E qual o que leu mais vezes na sua vida e porquê?
Li “Orgulho e preconceito” muitas e muitas vezes. Acho tão fascinante o facto de ela ter escrito essa história que tem sido a base de tantos outros romances. E alguns dos livros que li na minha infância, li-os vezes sem conta. Adorava o “Harriet, a espia”. Na verdade, tenho uma gata chamada Harriet, em homenagem a essa personagem.

Conhece autores portugueses? E o país, já cá tinha estado?
Não conheço autores, mas gostava; e nunca tinha estado em Portugal.

Vai ter oportunidade de dar a conhecer um pouco? Será que Portugal poderia inspirar um livro?
Claro que a minha mente está sempre a pensar nisso. E acho que este poderia ser um cenário maravilhoso para um livro para jovens adultos.

Já começou a escrever o próximo livro?
Tenho tentado fazer uma pausa, mas o meu cérebro não me está a permitir. Por isso, sim, tenho notas que vou tomando sobre as minhas ideias.

Qual é o melhor conselho que daria a alguém que quer ser escritor?
O conselho que eu gostaria que alguém me tivesse dado era este: quando escrevi a minha primeira tentativa de “Amor e gelato”, o meu nível de exigência era muito elevado. Lia muito e sabia que tipo de livro queria escrever. Sabia como queria que ele fosse. Mas não era capaz de escrever a esse nível. Portanto, havia um grande fosso entre a minha exigência e a minha capacidade. E, então, eu estava realmente desanimada, acabando por desistir durante alguns anos. Tentei outra vez. Mas continuava a não ser bom, pois ainda não tinha capacidade para o fazer. O que desencorajava-me muito. Contudo, tive muita sorte por ter tido pessoas que não me deixaram parar. O meu pai foi uma grande influência. Ele também é escritor. Acho que o que não compreendi na altura é que vai haver um vazio durante muito tempo, mas a única forma de o colmatar é… escrever. Sinceramente, sinto que ainda tenho muito caminho a percorrer até ser o tipo de escritora que realmente quero ser. Por isso, acho que importa manter essa perspetiva, tipo, oh, vai demorar algum tempo. E também é positivo, se soubermos que o nosso trabalho não está a corresponder ao que queremos, isso é bom. Porque assim consegues ver o crescimento que desejas. Se acharmos que tudo o que fazemos é ótimo, provavelmente vai ser difícil melhorar.