Herpes: mitos e tratamento

Há três principais tipos de herpes (Foto: deviddo - stock.adobe.com)

A maioria já esteve em contacto com a estirpe mais habitual do vírus, mas não é por ser recorrente que deve ser banalizado. Há cuidados a ter. Especialmente com crianças e pessoas imunocomprometidas, que podem ter consequências mais graves do que as típicas lesões.

Há um primeiro contacto e “fica para sempre”. A infeção com o vírus do herpes é uma doença incurável. Depois de a contrair, esta “corre os nossos nervos”, instala-se “perto da coluna vertebral” e permanece num gânglio. Mais tarde, devido a diversos fatores e em diversas situações ao longo da vida, “o vírus sai desse gânglio e fica exposto, em forma de lesão”. Quem faz a primeira introdução a este conhecido de tanta gente é Isabel Serpa, médica-dentista. Mas ainda que o vírus do herpes seja comum, não deve, por isso, haver menos cuidados.

Para a Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV), antes de falar do que já se sabe, é necessário desfazer mitos. Goreti Catorze, secretária-geral do organismo, começa por esclarecer que “a infeção por herpes não é apenas uma doença sexualmente transmissível”. Há muitas mais formas de ser transmitido de umas pessoas para as outras. “Embora possa ser transmitido sexualmente, também pode ser transmitido por meio do contacto direto com lesões ativas de herpes, através de beijos, partilhando objetos contaminados e de mãe para filho durante o parto.”

E pode até ocorrer autoinoculação, ou seja, determinada lesão num local do corpo é transferida para outro local.

Em segundo lugar, a responsável da SPDV sublinha que “o herpes não é apenas uma doença trivial”, ou seja, “embora a maioria das lesões de herpes sejam leves e autolimitadas, em alguns casos, podem causar complicações graves, especialmente em pessoas com sistema imunológico enfraquecido, como bebés, idosos e pessoas com doenças associadas”.

“O herpes não é apenas uma doença trivial”, explica Goreti Catorze, dermatologista e secretária-geral da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia
(Foto: DR)

As complicações referidas por Goreti Catorze em pessoas debilitadas incluem “disseminação do vírus para outras partes do corpo (como já explicado), infeção do sistema nervoso central, infeção ocular, infeção de órgãos internos e complicações durante a gravidez”. Assim, a SPDV ainda que “não procure alarmar uma situação que é recorrente a grande parte da população”, alerta que o vírus do herpes não é, em determinadas situações, inofensivo.

Falta de literacia

Voltamos a Isabel Serpa. A especialista em medicina dentária acredita que “ainda há muito desconhecimento” sobre esta doença. Assim, recomenda que, quando existe uma lesão exposta, “deve evitar-se ao máximo o contacto com outras pessoas”, especialmente as mais debilitadas, já enumeradas.

“Pode parecer que não, mas qualquer toque pode ser suscetível de ser a causa da transmissão do vírus.” Como é algo recorrente e não traz sintomas demasiado expressivos, “as pessoas não valorizam”, afirma Isabel Serpa. “Mas devem.”

Ao contrário da especialista em medicina dentária, Ana Moreira, dermatologista, atesta que a sua “impressão é que as pessoas com crises recorrentes já estão habituadas e têm os cuidados necessários”. “Começam a sentir aquele formigueiro ou calor e sabem que vão ter herpes.” Pois, além da parte estética, as lesões pelo vírus do herpes “causam sintomas, como ardência, sangramento ou dor”.

Ana Moreira considera por isso que, conhecendo o tratamento, as pessoas preferem fazê-lo, evitando, além dos sintomas referidos, a transmissão para outras pessoas. “Quando as lesões são visíveis, as pessoas têm cuidado. O problema é haver a hipótese de as pessoas estarem contagiosas sem saberem.”

Mais do que um tipo

O vírus do herpes não é simples, esclarece Ana Moreira. “Existem cerca de oito tipos de vírus de herpes, sendo o mais frequente o tipo 1 e o tipo 2, estando, respetivamente, associados as lesões dos lábios, boca ou oculares e a lesões genitais”. Sim, o herpes não é apenas aquela bolha (e mais tarde ferida) no canto da boca que aborrece pela estética e pelo desconforto, pode também estar presente nos órgãos genitais. Aí, “as lesões têm uma apresentação muito aproximada das do tipo 1, que são umas gotículas com um conteúdo aquoso”, explica a dermatologista.

Ana Moreira adianta que, devido ao grande número de pessoas infetadas com ambos os tipos, “tem ocorrido uma mistura entre o 1 e o 2”. A especialista acrescenta ainda que o herpes tipo 3, por exemplo, “é o vírus da varicela, que pode, depois de uma primeira infeção, reativar e transformar-se na chamada zona”.

Isabel Serpa intervém para assinalar o caso dos mais novos. “Quando se entra em contacto com o vírus do herpes pela primeira vez, por norma numa idade precoce, pode desenvolver-se uma primeira infeção mais expressiva”, a chamada gengivo-estomatite herpética, diz Isabel Serpa, médica-dentista na Clínica Santa Madalena. “É algo mais grave.”

“Ainda há muito desconhecimento sobre esta doença (por parte dos pacientes)”, reconhece Isabel Serpa, especialista em medicina dentária
(Foto: DR)

Nestes casos, não se trata de uma pequena lesão no lábio, mas antes de toda a cavidade. “Esta infeção é extremamente debilitante para a criança, levando a queixas de dor, possibilidade de ocorrer febre e podendo até afetar a alimentação correta.”

Passos a seguir

Dada esta sintomatologia, “os sinais aos quais os pais devem estar atentos incluem febre alta, dor na boca, gengivas inchadas e dolorosas, feridas na boca, dificuldade para comer e beber, salivação excessiva e mal-estar geral”, indica Goreti Catorze, também dermatologista. Depois de uma suspeita de gengivo-estomatite herpética em crianças, há cuidados a ter. “Deve procurar-se um médico ou dermatologista para o diagnóstico correto, seguir as recomendações de tratamento prescritas, administrar líquidos para evitar a desidratação, evitar alimentos ácidos e salgados que possam irritar as feridas e manter uma boa higiene oral.”

Mas voltemos aos adultos. Já tivemos uma primeira infeção com o vírus do herpes, que fica então alojado no organismo. O que o faz reativar? “Os fatores de reativação são vários, sendo os mais comuns a exposição solar, estados febris, stresse físico ou emocional, o período menstrual, entre outros”, assinala Ana Moreira, dermatologista.

O sol é, aliás, um fator a ter em especial conta, dado que está associado ao relaxamento e à imunossupressão, que poderá ser o que desencadeia a infeção em formas mais exuberantes. “É importante não esquecer a utilização do stick labial, para proteger esta zona do corpo e prevenir esta reativação.”

O tratamento a fazer

Ana Moreira referia anteriormente a sensação de formigueiro e ardor, proféticas de que a lesão poderá estar para ocorrer. E o que se deve fazer no caso de aparecer esta sensação? “Nessas alturas pode eventualmente fazer-se a aplicação de pomada e a lesão não terá um desenvolvimento tão grave”, aconselha Isabel Serpa. “Quanto mais cedo se atuar, melhor.”

Já a dermatologista Ana Moreira diz preferir, em primeira linha, a medicação oral. “Tem uma metodologia mais direta do que o creme tópico, que pode, em alguns casos, causar uma reação alérgica local que fica camuflada pela lesão já existente.” A par com a medicação oral referida, “os cuidados locais devem passar apenas por uma pomada desinfetante”, salienta Ana Moreira.

Este tratamento medicamentoso referido pela especialista em dermatologia é menos difundido, refere a médica. “As pessoas desconhecem que pode haver um tratamento que, muitas vezes, é eficaz e que evita que o surto tenha todo o desenvolvimento, eliminando o vírus precocemente.” Segundo Ana Moreira, para se ser um paciente elegível à receita do medicamento referido, basta ter crises frequentes, uma média de “mais de seis crises por ano”.

De forma a encerrar o tema, Isabel Serpa destaca que há dois mitos que devem ainda ser desmontados. O primeiro é a utilização de gelo quando a primeira sensação de lesão de herpes surge. “O gelo não é de nenhuma forma eficaz no tratamento do vírus e da lesão, a única ação poderá ser o alívio do tal desconforto sentido.”

“Os fatores de reativação mais comuns são a exposição solar, estados febris e stresse”, explicita Ana Moreira, dermatologista
(Foto: DR)

Por último, “quem tem uma lesão de herpes não deve comparecer numa consulta dentária”. A especialista lamenta que ainda seja comum o aparecimento de pacientes na consulta com lesões de herpes, que, sendo extremamente contagiosa e devido à utilização de aerossóis no consultório, “pode ser um risco para os profissionais de saúde e para o próprio paciente, que facilmente se pode autoinocular, passando de herpes labial para ocular”.

Herpes e os três tipos principais

  • Tipo 1
    Segundo a Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia, o Herpes Simplex Vírus tipo 1 (HSV-1), da família Herpesviridae, “está geralmente associado a infeções orais, como lesões de herpes labial (bolhas nos lábios), mas também pode causar infeções genitais através de contacto orogenital”
  • Tipo 2
    O HSV-2, o tipo 2, “por sua vez, é conhecido por ser principalmente transmitido através de contacto sexual e é a causa mais comum de herpes genital”. Nos últimos anos tem ocorrido uma mistura entre o vírus tipo 1 e o vírus tipo 2
  • Tipo 3
    Além dos dois tipos principais de HSV já referidos, “outros membros da família Herpesviridae podem causar infeções em humanos, como o vírus da varicela-zoster (VZV)”, também conhecido por tipo 3, e “que causa varicela na primeira infeção e herpes zoster (zona ou ‘cobrão’ na linguagem popular) na reativação”