Fortunas deixadas em herança a instituições

Preparam em vida o que querem depois da morte. Dádivas que erguem fundações, ajudam misericórdias, mudam o dia a dia de uma pacata vila alentejana. Antigamente, por motivos religiosos, para salvar a alma, sobretudo. Agora, essencialmente, por beneficência, pela solidariedade. Por generosidade e por amor.

A herança da família Marques Ratão, cinco irmãos sem descendência, quatro homens e uma mulher, traçou o destino de Galveias, no Alto Alentejo, município de Ponte de Sor, distrito de Portalegre, com pouco mais de mil habitantes. José Godinho de Campos Marques, o último dos Marques Ratão, fez de tudo um pouco, administrador da Casa Agrícola Marques Ratão, presidente da Junta de Freguesia e da assembleia-geral da Casa do Povo, secretário da Santa Casa da Misericórdia e diretor do Clube Manuel Marques Ratão Júnior, diretor da Sopa dos Pobres e mecenas número um da Sociedade Filarmónica Galveense. Era um homem de trabalho. Depois da sua morte, a 12 de junho de 1967, Galveias soube que a freguesia era herdeira única dos Marques Ratão. Uma fortuna em hectares de terra, gado, alfaias agrícolas, prédios, a Casa Agrícola Marques Ratão. Mais de 56 milhões de euros só no património urbano e rústico recentemente quantificado no estado atual. Os Marques Ratão deixaram tudo à vila. Um terço para a Fundação Maria Clementina Godinho de Campos, batizada com o nome da matriarca da família, criada 11 anos antes da morte do último descendente, o restante para a freguesia.

Na margem esquerda do rio Sor, estendida numa encosta fértil, terra de azeite e vinho, Galveias não ficaria igual depois desse dia. “Naturalmente esta herança tem um impacto muito grande na vida da vila e da sua comunidade. A Junta é a maior empregadora da freguesia, dá trabalho a cerca de 80 pessoas. Estamos perante um vasto património urbano e rústico disperso por três distritos (Portalegre, Évora e Lisboa), em oito concelhos e 17 freguesias”, adianta Maria Fernanda Bacalhau, presidente da Junta de Freguesia, que lembra que só 22 anos depois da morte do testamentário é que a autarquia passou a gerir o património com total autonomia, depois de um demorado inventário. São os edifícios espalhados, são mais de cinco mil hectares de terra, três mil ovinos e mais de 300 bovinos, são os sobreiros, e ainda a marca Marques Ratão que produz azeite e vinho. A junta não esquece as suas atribuições e as disposições do testamento.

Galveias é herdeira universal da família Marques Ratão
(Foto: Pedro Martins/Global Imagens)

A gestão, admite Maria Fernanda Bacalhau, “não é tarefa fácil”. “Mas temos feito uma gestão sempre dentro das competências legais da junta de freguesia e respeitando o testamento, sempre ao serviço da população e de Galveias.” A extração de cortiça, de nove em nove anos, dos campos de Marques Ratão, segundo a autarca, “representa uma boa ajuda financeira para a vida da freguesia”. Há sobreiros que se plantam para renovar o montado, há novos pinheiros que crescem nos hectares herdados. Galveias vai vivendo o dia a dia com um legado nas mãos.

No início deste século, o desejo de um empresário português era passado para o papel. Ponto por ponto, linha a linha. A 28 de abril de 2000, António Champalimaud escrevia o seu testamento cerrado, no pleno uso das suas capacidades de decisão, de sua livre e plena vontade. A distribuição da sua imensa fortuna exposta ali, num curto manuscrito, quatro anos antes da sua morte, a 8 de maio de 2004. Um terço da sua herança destinou-a a uma fundação com o nome dos seus pais, chamar-se-ia Fundação D. Anna de Sommer Champalimaud e Dr. Carlos Montez Champalimaud, teria a finalidade de desenvolver atividade de pesquisa científica no campo da medicina, Leonor Beleza seria a presidente. Deixou tudo escrito e decidido numa das maiores heranças deixadas ao país, mais de 500 milhões de euros numa fundação. Fê-lo de forma discreta, como era seu timbre. E a sua vontade foi cumprida.

O museu da vila com espólio dos beneméritos
(Foto: Pedro Martins/Global Imagens)

Três dias depois da morte de António Champalimaud, os cincos filhos e os cinco netos descendentes dos dois filhos já falecidos reuniram-se na sala de estar em casa do pai, na Rua do Sacramento, à Lapa, em Lisboa. Abriu-se e leu-se o testamento. A fundação causou um misto de espanto e surpresa, orgulho e emoção.

Luís Champalimaud, o filho, recorda esse dia, a atitude do pai. “Ficámos sem pio com o gesto desta magnitude para com o país. Um gesto de patriotismo e generosidade extraordinários”, lembra. “Quando se abriu o testamento lá estava a incumbência.” Daniel Proença de Carvalho, advogado e amigo de longa data do empresário, e Leonor Beleza ficariam responsáveis por erguer a fundação. Tudo escrito, tudo definido. “Um gesto de enorme generosidade e grandiosidade que muito nos orgulha”, reforça Luís Champalimaud.

A Fundação Champalimaud, referência mundial na área da medicina, foi criada por vontade de António Champalimaud no seu testamento cerrado
(Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens)

Pouco depois, a Fundação Champalimaud nasceu, tornou-se uma referência nacional e mundial na área da medicina, na investigação em áreas de ponta, em descobertas de saúde, nas neurociências e no cancro, no seu programa de luta contra a cegueira. Todos os anos, o Prémio António Champalimaud de Visão atribui um milhão de euros a um projeto de luta contra a cegueira. A vontade expressa no testamento continua a ser cumprida numa fundação que todos os dias quer levar os benefícios da ciência biomédica a quem precisa e ser líder mundial na inovação científica e tecnológica. “Houve quem conseguiu transformar a vontade do meu pai numa realidade muito grandiosa”, observa Luís Champalimaud.

A história da Gulbenkian é a história de uma herança. Calouste Gulbenkian, filantropo de origem arménia, passa os seus últimos anos em Lisboa, de 1942 a 1955. Morre em 1955, aos 86 anos, uma das suas últimas vontades é criar uma fundação internacional com o seu nome em benefício de toda a humanidade. Está escrito em testamento feito dois anos antes da sua morte. A sua fortuna é dividida pelos filhos, pensões vitalícias para outros familiares, e pela tal fundação que expressasse o que ele era, um colecionador de arte, mais de seis mil obras de diversos períodos da História, um “arquiteto de empreendimentos”. A Gulbenkian nasce exatamente onde Calouste queria, em Lisboa, seu porto de abrigo numa Europa consumida pela guerra. E como queria, com estatuto, reconhecimento nacional, projeção mundial, trabalho em muitas e variadas frentes.

A criação da Fundação Champalimaud representou um investimento de mais de 500 milhões de euros
(Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens)

A arte é um dos campos de trabalho com aquisições, doações, heranças. A viúva de Amadeo de Souza-Cardoso legou a maior parte dos quadros do pintor à Gulbenkian. Os artistas Fernando Calhau, António Areal, Bernardo Marques fizeram da Gulbenkian herdeira das suas obras. Há mais doações, diretas ou indiretas, de Júlio Pomar, Victor Palla, Maria Antónia Siza.

Ana Vasconcelos, curadora do Centro de Arte Moderna (CAM) da Gulbenkian, dá nota de 3900 obras doadas à fundação, uma coleção com 11 900 registos, de diversas proveniências – dos próprios artistas, familiares, colecionadores, proprietários. Obras que se tornaram do país e do Mundo, acessíveis a todos, expostas ao longo do tempo no CAM (atualmente em obras, reabre em 2024).

Centro de Arte Contemporânea da Gulbenkian tem um acervo com mais de 11 mil registos
(Foto: Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens)

A curadora recorda conversas com colecionadores antigos que contam que a expressão “democratização da arte” era proibida de ser dita no antigo regime. Calouste Gulbenkian pensava-a e acabou por materializá-la. Ana Vasconcelos resgata uma visão poética. “Não há proprietários, há, no fundo, detentores temporários de uma obra de arte”, refere. Não há uma propriedade de imagem, há uma proteção material. “A propriedade física é, no fundo, uma responsabilização de proteção.” É o que a Gulbenkian faz com um valor incalculável nas mãos. Obras que não se dispersam, concentradas no mesmo lugar, ao olhar de quem quer ver. Tanto para mostrar, tanto que fica. “A defesa do património, do legado, da importância, dos artistas”, realça. Que fica para sempre, perene na sua existência.

Beneméritos e seus legados

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa cuida de quem mais precisa há mais de 500 anos, tem diversas valências, um gabinete de benemerências para benfeitores e beneméritos que entregam os seus bens, em vida ou depois da morte, para serem aplicados em boas causas. Se antigamente, em séculos passados, a intenção era essencialmente religiosa, salvar a alma, deixando como encargo rezar missas ou cuidar dos jazigos de forma perpétua, hoje impera a beneficência, fazer o bem, deixar o património a uma instituição que respeita um legado.

Luís Lima, técnico de arquivo da Misericórdia de Lisboa, lembra esses dois propósitos distantes no tempo. “As pessoas deixavam os bens para que fossem rezadas missas por alma, o objetivo era religioso, salvar a alma.” Com o passar dos anos, a costela solidária vem ao de cima. “Deixar os bens com o objetivo de fazer o bem para os mais necessitados, confiando numa instituição que já deu provas que cumpre a sua missão, que tem prestígio.” Foi o caso de Delmira Maçãs que deixou toda a sua fortuna, com alguns encargos, à Misericórdia de Lisboa. Uma herança de 71 edifícios, prédios rústicos, maioritariamente em Portalegre, uma coleção de anéis romanos, toda a sua biblioteca, todo o seu dinheiro.


A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa dedica uma coleção aos seus beneméritos
(Foto: Arquivo)

Luís Lima acompanhou a história da benemérita depois da sua morte, em 2007. Delmira Maçãs nasce em 1923, faz a instrução primária em casa, forma-se em Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa em 1948, é bolseira do então Instituto para a Alta Cultura. Filha única de uma família abastada de Portalegre abandona o que seria uma carreira promissora na academia para se dedicar a disputas judiciais pela posse de bens dos pais e gerir o seu património. Viaja, é madrinha de guerra, aos 50, começa a dar aulas. “Escreveu algumas obras, autobiografias sobre ela e a família.” Morre em 2007, aos 84 anos, sem descendência. Na herança, alguns pedidos. Publicar alguns livros que não tinha conseguido em vida, republicar a sua tese de licenciatura dedicada aos animais na linguagem portuguesa, entregar ao Museu Nacional de Arqueologia o conjunto de cartas que ela e o pai trocaram com o então fundador do museu, Leite de Vasconcelos, seu padrinho.

(Foto: SCML)

Enrique Mantero Belard é outro exemplo. Em 1974, deixou 70% da sua fortuna à Misericórdia de Lisboa, com algumas indicações no seu testamento, como a criação de um lar para gente ligada à cultura sem condições financeiras, numa vivenda no Restelo, Residência Faria Mantero, para acolher “pessoas idosas, cultas, de mérito e necessitadas”, como era sua vontade.

Enrique Mantero Belard deixou a sua fortuna à Misericórdia de Lisboa, como uma residência para pessoas da cultura com poucas posses
(Foto: SCML)

Ana Gomes, do centro editorial da Misericórdia de Lisboa, escreveu essa história, um dos 11 livros da coleção dedicada aos beneméritos. O seu testamento cerrado, guardado num cofre bancário, é uma peça crucial. “Um texto que é bem mais do que expressão das últimas vontades. Trata-se de um minucioso exercício de filantropia”, escreveu Ana Gomes.

Nasce em 1903 e morre em 1974, em Lisboa. Dedicado aos negócios da família, comercialização de produtos de São Tomé, cacau, sobretudo. Casado com Gertrudes Faria, sem filhos. E uma vasta fortuna que beneficiou outras entidades, como a Câmara de Cascais, e ainda 27 pessoas, entre sobrinhos, sobrinhos-netos, afilhados, primos e afilhados da esposa, com valioso espólio de quadros, gravuras, mobílias, joias, pratas, livros, porcelanas. Outro encargo associado à herança de Enrique Mantero Belard é a atribuição de prémios monetários, à época 50 mil escudos cada, agora 15 mil euros no total, a três personalidades que, em Portugal, mais tenham contribuído para “o cuidado e carinho dos velhos desprotegidos; o progresso na medicina na sua aplicação às pessoas idosas; o progresso no tratamento das doenças do coração.” E ainda a conservação dos jazigos de família.

As heranças não são apenas heranças. “Algumas preveem a criação de novas respostas muito antes de o Estado avançar, mesmo antes da iniciativa privada”, comenta Ana Gomes. É o caso da Residência Faria Mantero que surgiu ainda não havia Casa do Artista. O que tem a sua importância, a sua magnificência, porque algo de novo apareceu, por indicação expressa. “Não é uma herança deixada à toa ou ao critério da Misericórdia.”

(Foto: SCML)

A Coleção Beneméritos da Misericórdia de Lisboa é uma maneira de agradecer. “É uma forma de prestar tributo, contando estas histórias, mas também tirar dúvidas sobre as dádivas, tornar claro o processo de uma benemerência desde que a Misericórdia tem conhecimento da sua existência até à sua execução”, diz Ana Gomes.

A Santa Casa da Misericórdia do Porto também tem séculos de história, 1499 é o seu ano de fundação, residências universitárias, hospitais, várias dimensões, uma vasta atuação. “A tradição filantrópica das doações já foi maior do que é hoje”, constata António Tavares, provedor da Misericórdia do Porto. No século XIX, era mais evidente, expressiva, os brasileiros de torna-viagem eram bastante generosos, como o Barão de Nova Sintra, que deixou a sua quinta na cidade, bem como inscrições de assentamento da dívida pública nacional.

A Misericórdia do Porto tem recebido, ao longo dos séculos, várias doações, não só dinheiro, mas também edifícios, obras de arte, bibliotecas completas
(Foto: DR)

Entra-se no século XX e as doações começam a rarear nos seus meados. “O Estado começa a dar respostas mais assistenciais, na saúde, na educação”, destaca o provedor. Além disso, surgem as fundações por quem quer deixar a sua marca. E, agora, o que acontece? “O que hoje estas instituições vão tendo e recebendo, são pequenas heranças e, em regra, por quem não tem família”, adianta António Tavares. É a realidade atual, gente só, sem companheiros, sem filhos, que deixa o que tem, por vezes, com a condição de cuidar, tratar, tomar conta de si. O provedor da Misericórdia do Porto reconhece o ato de generosidade. Há quem doe obras de arte, livros, a sua biblioteca pessoal como o médico Bernardo Coelho, que deixou mais de 1800 obras da sua área de psiquiatria.

Doar, confiar, respeitar

Joaquim Ferreira dos Santos, o Conde de Ferreira, empresário, foi um dos mais importantes beneméritos da Misericórdia do Porto, no século XIX. Deixou 20 mil reis para vestuário de 24 pobres, homens e mulheres, no dia do aniversário do seu falecimento. Mais 20 mil reis para uma enfermaria, mil reis para o Hospital dos Lázaros, para entrevados e entravadas, mais mil reis para o Asilo do Barão de Nova Cintra, 500 reis ao Asilo das Velhas, e um edifício a construir para ser um hospital de alienados. A Misericórdia do Porto não esquece esses gestos nos dois volumes do livro que lhes dedica com o título “Grandes Beneméritos da Santa Casa da Misericórdia do Porto”.

O nome Champalimaud será eterno. Luís Champalimaud recorda o pai, o homem, o empresário, o lutador. “O meu pai era um homem invulgar na sua conduta. O meu pai pela sua inquietude, sempre muito inquieto, e sem qualquer preguiça, ou sem qualquer sentimento de estar vencido pela vida, sempre lutou.” A educação num colégio de jesuítas deu-lhe fibra e uma disciplina férrea, a nível mental, a nível físico. “A vida levou-o a ser proscrito pelo anterior regime, da união nacional, e, mais tarde, pelo regime revolucionário, e exilou-se por duas vezes. Sempre que o encontrei no exílio, mostrava sempre um enorme respeito à bandeira, a Portugal, à pátria, e um grande respeito, ao ponto de ser teimoso.”

O fundador da Fundação Champalimaud deixou tudo escrito antes da morte, dos estatutos à presidência, da missão à área de atividade
(Foto: Neverfall/Global Imagens)

Nunca vergou nessa posição, nesse sentimento, emocionava-se. Em 1976, numa fazenda no Brasil, com uma configuração retangular, abriu a estrada principal que batizou Avenida Portugal e nas transversais colocou o nome de avenidas Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, Timor, Santo Tomé, Goa, Açores e Madeira. Por essa altura, na inauguração da fábrica de cimento no Brasil, o governador de Minas Gerais sugeriu o seu nome para a avenida de acesso à fábrica. Recusou e ficou Avenida Portugal, ainda hoje assim está. “Tinha um apego brutal a Portugal. Sentia-se.” No outro lado do Atlântico, as saudades, os projetos na cabeça, o desejo de voltar. Luís Champalimaud resume. “O meu pai usava a inteligência e o trabalho para vencer os seus desafios.” Venceu-os e deixou um legado gigante ao país.

Em Galveias, os Marques Ratão continuam vivos na memória de todos. José Marques, curiosamente com o mesmo nome do testamentário, sem ser da família ou parente afastado, é secretário da fundação. Chegou a conhecer o último dos Marques Ratão, foi escriturário da Casa Agrícola nos últimos cinco anos antes da morte do benemérito. “Era uma pessoa muito sociável. Deixou tudo à freguesia de Galveias”, comenta. Hoje a Fundação Maria Clementina Godinho de Campos tem um lar de idosos com 59 utentes, em março terá mais 16 camas, na zona baixa da vila. Chegou a ter um posto hospitalar que agora serve de abrigo a refugiados da Ucrânia. José Marques assinala ainda que o dinheiro foi doado aos trabalhadores que mais diretamente trabalhavam com o benfeitor. “Foi muito importante para o desenvolvimento da freguesia”, conclui.

A Fundação Maria Clementina Godinho de Campos gere parte da herança. Tem um lar de idosos em Galveias
(Foto: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

As doações fazem parte integrante da história das misericórdias. Sempre assim foi, sempre assim será, mais constante ou inconstante, consoante as épocas. Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas, relembra a natureza assistencialista. Quando não havia Estado Social, havia mais beneficência, gente que doava o que tinha às misericórdias. “A natureza das doações está intimamente ligada à natureza básica das misericórdias, antes do Estado Social, as misericórdias viviam disso. A história das misericórdias mais antigas é feita à volta das doações”, acrescenta.

As dádivas a estas instituições têm razões e há uma justificação que sobressai. “Por causa de uma coisa fundamental que é a confiança. As pessoas sabem que as misericórdias vão utilizar este bem, bem”, realça Manuel Lemos. Há, porém, momentos mais generosos do que outros. “Isto vem em ondas, como o mar. O Estado Social, de alguma maneira, vem pôr fim a essas doações, as famílias acharam que não era preciso dar, que o Estado tratava delas quando fosse necessário.” Os tempos vão mudando pela conjuntura, pela vida e pela morte. “Entretanto, recomeçaram as doações, não têm o impacto que tiveram em tempos, mas ainda têm valores significativos”, revela o presidente da União das Misericórdias Portuguesas. Heranças que ficam, vontades que são respeitadas.