Estar sempre cansado não é normal

"A fadiga e o cansaço, quaisquer que sejam, não são normais e devem ser analisados", explica Maria Moreno, psiquiatra

Sentir preguiça constante e prolongada pode ser sinal de vários problemas de saúde e é sintoma suficiente para procurar ajuda médica. Quando todos os aspetos da vida são afetados pelo cansaço, pode estar-se perante a síndrome de fadiga crónica.

Estilo de vida. Depressão. Falta de alguma vitamina. Anemia. Problemas imunológicos. Ou a próprio síndrome de fadiga crónica. Há um leque alargado de causas que podem levar a que alguém se sinta cansado de forma intensa e prolongada. Mas antes de partir para qualquer diagnóstico, é importante estar atento às sensações que o corpo transmite e procurar ajuda médica. “Porque a fadiga e o cansaço, quaisquer que sejam, não são normais. E devem ser analisados”, começa por sublinhar a psiquiatra Maria Moreno.

Quando o cansaço afeta o decorrer do dia a dia – falta de energia para fazer atividades de lazer, perda de produtividade no emprego, uma vontade constante de estar simplesmente deitado no sofá ou na cama – é um sinal de alerta, já que “a fadiga está associada a diversos problemas de saúde”, assinala a psiquiatra da clínica Fisiogaspar.

Maria Luís Marques, médica de medicina geral e familiar, acrescenta que, além de ser, por norma, “avaliado como normal por quem o sente”, o cansaço nem é apercebido. “Muitas vezes os pacientes só passam a ter consciência de que sentem fadiga quando um amigo, um colega ou o próprio médico questionam.” O mesmo, descreve, acontece com sintomas associados à fadiga persistente, como o sono ou a irritabilidade. “Pergunto muitas vezes a pacientes ‘e tem dormido bem?’ e eles ficam a pensar durante um ou dois minutos e só nesse momento se apercebem que não.”

Portanto, Maria Luís Marques, da CUF Tejo, acredita que o primeiro conselho a passar aos pacientes é “esteja atento”. Prestar atenção às sensações que o corpo transmite é o primeiro passo para que problemas de fadiga persistente sejam percebidos e seja procurada ajuda. Além de a atenção ao corpo e à mente ser desvalorizada, também por ser “uma sensação subjetiva e difícil de avaliar” é que a fadiga é, tantas vezes, ignorada. “É normal”, ouve por diversas vezes Maria Luís Marques. Mas não é.

E pode ser resolvida, já que, quer seja por medicação, por mudança nos estilos de vida ou por tratamento de algum problema de saúde em particular, a fadiga pode ser eliminada.

O mesmo raciocínio segue a psiquiatra Maria Luís Marques, recordando que, “por serem sintomas subjetivos, e na maioria das vezes psicológicos, há uma tendência para se achar que não são reais”. Mas são. E ainda que a fadiga não seja “fisicamente visível” e não haja um exame que confirme ou não a existência ou a causa do cansaço, é um sintoma que causa um grande impacto na vida da pessoa afetada. “E esse impacto é bem visível e passível de avaliação e quantificação”, explica a especialista em medicina geral e familiar.

Diagnóstico de exclusão

E quando parece não haver causa aparente para o cansaço constante e prolongado? Há, em último caso, um diagnóstico que deve ser considerado: síndrome de fadiga crónica. No entanto, esta é uma doença responsável por apenas 3% dos casos de fadiga prolongada e persistente, já que “a maioria das pessoas tem o sintoma e não a síndrome”, assinala Maria Luís Marques. Ou seja, esta queixa é, em grande parte dos casos, causada por um outro problema de saúde que não a síndrome de fadiga crónica. Ainda assim, vale a pena conhecer e estar atento.

Para ser considerado fadiga crónica, a médica de medicina geral e familiar especifica que o cansaço tem de ser prolongado por mais de seis meses, ser intenso, ao ponto de afetar o normal funcionamento das atividades do dia a dia, e incluir, também, “algum tipo de disfunção cognitiva”. “Tanto o físico como o psicológico estão postos em causa.” Há perda de memória, falta de energia, incapacidade física de desenvolver tarefas simples como as domésticas e um cansaço agravado pelo exercício físico e que não melhora com o descanso.

Por se caracterizar, principalmente, por um sintoma que pode estar ligado a uma multiplicidade de outras doenças (a fadiga), esta síndrome é considerada o que se chama na medicina de “diagnóstico de exclusão”. “Quando já se verificaram diversas hipóteses antes e parece não haver explicação para o cansaço, coloca-se então em cima da mesa a possibilidade de ser este problema de saúde”, afirma Maria Luís Marques.

“Por ser um sintoma subjetivo, há tendência para achar que não é algo real”, reconhece Maria Luís Marques, médica de medicina geral e familiar

Maria Moreno completa que, “à semelhança dos problemas de doença mental”, não existem imagens de diagnóstico que descartem ou confirmem esta síndrome. Por isso, uma das definições da fadiga crónica é que esta não seja explicada por qualquer outra condição médica. Todas estas questões fazem com que a síndrome de fadiga crónica esteja, muito provavelmente, subdiagnosticada.

Sem causa ainda conhecida e sem tratamento, o importante é “ter qualidade de vida”, lembra a psiquiatra Maria Moreno. Assim, tratar esta síndrome envolve uma equipa multidisciplinar, que vai desde o psiquiatra ao psicólogo, ao reumatologista e até ao personal trainer.

“Tal como a fibromialgia ou a síndrome de intestino irritável, por exemplo, são doenças que estão na fronteira de diversas especialidades médicas”, avança Maria Moreno. Por isso, um psiquiatra irá considerá-las uma doença mental, um neurologista uma doença neurológica, um reumatologista uma doença reumatológica, e por aí fora. Nessa linha, médicos de diversas competências podem fazer este diagnóstico, sendo a peça fundamental pedir ajuda.

Questionar as rotinas

Quer seja em caso de diagnóstico da síndrome ou simplesmente de fadiga generalizada, a medicina geral e familiar desempenha um papel fundamental na identificação de sintomas e no acompanhamento de queixas como o cansaço extremo. Como está a alimentação? Como está o exercício físico? Estas são questões que Maria Luís Marques considera que devem estar presentes em qualquer consulta de rotina. “E não falamos só no caso de ser ‘a menos’, exercício físico ou horas de sono em demasia são igualmente preocupantes e podem também levar a queixas de fadiga e cansaço.”

Sono, stresse, álcool, tabaco, café e medicação são alguns outros aspetos a ter em conta, já que podem ser a causa do sintoma de cansaço. O importante é considerar uma panóplia de causas que podem levar à fadiga e, depois, tentar equilibrá-las. No caso de essa primeira intervenção não funcionar, aí sim, poderá passar-se para considerar a síndrome de fadiga crónica.

Sobre estar atento e pedir ajuda, a psiquiatra da Fisiogaspar reconhece que há uma consciência crescente para os problemas de saúde mental, “mas, entre ser crescente e ser uma grande consciência, há uma grande diferença”. Maria Moreno lembra que, apesar de os sintomas de doença mental serem cada vez mais falados, ainda há estigmas e preconceitos a combater.

Acima de tudo, há que combater a ideia de que “é normal” não estar bem. Não é. Não é normal não ter vontade de sair da cama de manhã, não é normal passar horas em frente ao telemóvel sem justificação, não é normal não ter energia para uma caminhada ou para as tarefas do dia a dia. Por isso, se estamos cansados, devemos procurar ajuda.