Margarida Rebelo Pinto

Embustes virtuais


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Conheceu-a no Facebook. Foi ela quem meteu conversa. Muitas vezes são as mulheres quem mete conversa, atualmente é comum. O cinquentão em questão, como acontece aos homens bonitos, tem a caixa de mensagens agradavelmente recheada de missivas simpáticas e aparentemente inócuas de jovens e de senhoras comunicativas. As de Lourdes chamaram-lhe a atenção. Gostou da fotografia de perfil, olho verde, bem pintado, testa decorada com madeixas de um loiro luminoso. Engenheira, filha de portugueses emigrantes em Paris, daí o nome português com grafia francófona. Tinha 29 anos e vivia em Itália, onde trabalhava para uma multinacional de plásticos. Inteligente, misteriosa, católica, culta, uma pessoa de bem, pareceu-lhe. E com muito tempo livre para conversar, sempre via FB, está-se a ver. O cinquentão deixou-se ir. Apeteceu-lhe encantar-se e vai daí, apaixonou-se pela conversa, pelo olho verde rasgado, pelos valores que transmitia. Pediu-lhe o telefone, ela não quis dar. Numa viagem de trabalho a Roma, marcaram um encontro que ela falhou. Quando já tinha perdido a esperança de a conhecer, recebeu uma chamada anónima e do outro lado ouviu o ruído de beijos. Perguntou se era ela. Nem uma palavra. Enviou mensagem no FB já dentro do avião a pedir satisfações. Ao aterrar, tinha uma missiva escrita de desculpas e a seguinte explicação: “Não falo porque sou muda. Tive um acidente de carro quando era criança e nunca mais consegui voltar a falar”. O cinquentão, imbuído de princípios católicos arreigados, sentiu o interesse e a paixão crescerem, como se o defeito físico a tornasse ainda mais atraente e digna aos seus olhos. Continuaram no enlevo, com ela sempre a alimentar-lhe o ego. Trocaram fotografias e números de telefone. Ele ligava-lhe e falava. Ela respondia por uníssonos, que não impediam momentos íntimos. Por fim, ele convidou-a para passar férias, planeou um périplo pelo norte de Portugal; pousadas, castelos, descida do Douro e o diabo a quatro. Entretanto, através de uma aplicação, ele descobriu imagens dela. Eram de uma modelo conhecida. Confrontou-a com o facto, enviando fotos. De um dia para o outro, Lourdes desapareceu. Deixou de atender o telefone, de estar online no FB, o perfil foi apagado. Quatro dias depois, uma suposta amiga mais velha, que vivia em Almada, ligou-lhe para lhe comunicar que Lourdes morrera. Lourdes será certamente a senhora de idade que lhe ligou, quiçá reformada, registada à nascença com a singeleza de apenas um U, bocejando pelos cantos escuros de uma existência que nunca chegou a ser uma vida.

As redes sociais estão carregadas de embustes emocionais, quase sempre com o intuito de extorsão financeira ou do exercício de um qualquer tipo de chantagem, perpetradas por seres humanos com pouco juízo, transtornos de personalidade ou puro interesse monetário. Outra narrativa frequente é a do ex-combatente herói esquecido de uma qualquer guerra americana que pede dinheiro a senhoras de meia-idade para pagar as despesas hospitalares de uma mãe agonizante, ou para comprar um bilhete de avião e que se evapora assim que a transferência transita. Porque é que as pessoas, mais ou menos inteligentes e esclarecidas caem na armadilha da ilusão? As pistas serão lançadas na próxima crónica.