Do palco para o emprego, a outra vida dos cantores populares

São músicos e arrastam multidões para os seus espetáculos. Mas também têm outras profissões quando estão atrás de cena. São obrigados a acumular mais do que uma atividade e não se arrependem disso. Lutam, sacrificam-se, transpiram um esforço maior. Rompem um tabu que ainda persiste no meio artístico.

Era sexta-feira, uma sexta-feira que parecia ser como tantas outras sextas-feiras, não trouxesse consigo muito mais para contar. Terminada a semana de trabalho numa clínica de oftalmologia avançada em Lisboa, Paula Santos, que com a amiga Rita Almeida forma o duo Bombocas, saiu a correr para o Aeroporto Humberto Delgado a tempo de apanhar um longo voo transatlântico que a haveria de levar ao Canadá, onde tinha à sua espera centenas de portugueses e uma agenda de concertos que prometiam animação, sorrisos, alegre convívio, retratos felizes para memória futura. Um pedaço de Portugal levado lá longe, para os que dele estão afastados e carregam consigo saudades que prendem o peito de sufoco. O programa correu como o previsto. Sábado e domingo ocupados em cima do palco, longas conversas com compatriotas, sessões de autógrafos, tudo o que não pode falar quando o tempo é de estar com quem vive a milhares de quilómetros da terra que lhes deu chão e vida. Domingo à noite, outro voo, o de regresso. Um par de dias que pareceram semana inteira ficava para trás. E outra viagem longa, outro fuso horário, outro reentrar na outra vida, a de enfermeira, profissão que Paula, 45 anos, acumula com a de cantora. De segunda a sexta.

“Aterrei e fui logo trabalhar para a clínica. Dormi no avião, foi a única forma”, conta com naturalidade, como se se tratasse de uma rotina normal que já não lhe afeta, apenas a preenche intensamente sem que dela possa fugir. Até porque não quer. “Quem diz ir ao Canadá e regressar num fim de semana, diz voar para outros países onde estejam portugueses, as Bombocas, felizmente, são muito chamadas para atuar para os emigrantes”, diz.

(Foto: DR)

A vida de cantor popular nem sempre se faz apenas de palco e de luzes. Por trás de quem dá a vida a melodias entoadas por milhares de fãs, há vidas que não se compaginam com a exclusividade do estrelato. Ora por opção, ora por necessidade, há quem tenha outras profissões para lá da de artista. No caso de Paula Santos, a certeza é uma, sublinhada com convicção forte. “Faço duas coisas distintas profissionalmente porque quero e porque me preenche. Ambas por amor. Só assim me sinto feliz, sendo duas pessoas diferentes em registos, também eles, completamente diferentes”, assegura.

Paula e Rita formam as Bombocas desde janeiro de 1997, já lá vai mais de um quarto de século. Nunca pararam e sempre acumularam atividades – Rita é esteticista. Paula já foi muita coisa sem deixar alguma vez de ser cantora.

“Comecei por me licenciar em Nutrição e tirei depois uma pós-graduação, após a qual trabalhei a parte do emagrecimento em mais do que uma clínica. Só anos mais tarde decidi fazer outro curso, o de Enfermagem. E estou agora a tirar o de Medicina, na Universidade do Algarve”, desfia. “Sempre sonhei ser médica e cantora”, sorri.

Hoje é enfermeira-chefe na Clinialba, em Lisboa, e dedica-se também, “por uma questão de solidariedade”, à área de cuidados continuados de doentes idosos. Em 2020, a pandemia apanhou-a no centro do furacão. “Estava no Hospital de Santa Maria e também na Saúde24, duas grandes escolas. Lidei com tudo de perto. Foi o caos, parecia uma autêntica guerra.”

Paula Santos, do duo Bombocas, é enfermeira, tem duas licenciaturas e está a tirar uma terceira, a de Medicina; jamais deixou os palcos e não sabe o que são férias porque nunca as teve
(Foto: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

E há as canções, claro. As mesmas canções que a acompanham há 26 anos, enquanto membro das Bombocas, há mais anos ainda enquanto aspirante a um objetivo maior, ela que participou no concurso televisivo, da SIC, “Chuva de estrelas”, em meados da década de 1990, em que causou sensação com imitações que à época causaram furor de canções de Olívia Newton-John e dos Rádio Macau. Foi o princípio do que nunca mais acabou e que Paula Santos quer que nunca acabe. “Estou muito realizada profissionalmente, tanto na música como na saúde. Não me passa pela cabeça desistir”, afiança.

Mesmo que isso implique, como é o mais certo que implique, continuar com uma agenda supercarregada, dividida entre a bata de enfermeira e o palco. “Estou habituada. Lembro-me que quando estava a tirar o primeiro curso ia para os espetáculos com os livros e estudava sempre no carro enquanto andava de um lado para o outro pelo país”, diz.

O cansaço dos 40 a 60 concertos por ano, das idas a programas de televisão, dos ensaios, das gravações, deixa mossa. Não em grau suficiente para a encostar à parede e derrotar. “Chego todos os dias arrasada a casa. São muitas diretas em cima, muitos quilómetros, muitos anos seguidos sem um único dia de férias, é verdade. Mas há um amor maior que não me deixa parar, acho que não conseguiria optar apenas por uma atividade se me visse obrigada a isso por qualquer razão”, reforça.

Durante o verão, a temporada das temporadas para quem faz da música vida, os fins de semana são inteiros de ocupação, uns atrás dos outros, seja onde for, pelo país fora, também no estrangeiro. “Entre maio e setembro não paramos, há entre 10 a 15 atuações por mês. Agosto, então, é passado todo em digressão”, desenvolve. “Uma vida doida e de doidos”, resume de sorriso largo.

Paula Santos, do duo Bombocas (na foto está à direita)
(Foto: DR)

Gerir tudo, nem sempre parece fácil, mas é arranjada sempre forma de não deixar nada para trás. “Vou conciliando os meus turnos. Tento sempre que nenhuma profissão fique prejudicada pela outra. Quando, por exemplo, vejo que não é possível assegurar os meus horários, troco com colegas, aos quais só tenho a agradecer porque me compreendem e se sacrificam por mim.” E assim tudo se molda a uma vida que parece conter em si mais do que o tempo permite. “O topo da dificuldade é quando tenho concertos longe de Lisboa aos domingos. Muitas vezes nem descanso e sigo diretamente para a clínica manhã cedo, às oito da manhã”, revela. A mesma clínica onde há pacientes que a reconhecem mas demoram a acreditar que está ali a enfermeira que também é artista. “Tiro a máscara e quando veem quem sou é uma festa”, aponta.

A máscara que a faz enfermeira e que retira quando a hora é de virar agulhas para as canções. “De loucos esta vida”, repete Paula Santos. “Mas bastante recompensadora, afinal estou a cumprir dois sonhos.”

O plano B que ficou para sempre

Se no caso de Paula Santos, juntar a música a outra profissão foi opção consciente de que não abdica, para Victor Rodrigues foi decisão inesperada a que as circunstâncias da vida assim obrigaram. Com apenas 33 anos, o jovem minhoto é já um fenómeno nacional, sobretudo por causa do tema, de 2012, “Põe a mão na cabecinha”, que o celebrizou. Testemunha disso mesmo são as 22 milhões de visualizações do videoclipe oficial da canção no YouTube. Mas não houve sucesso que o tenha salvado do infortúnio.

“Quando surgiu a pandemia percebi que estava com um problema em mãos. Tinha comprado recentemente um camião de transporte de luz e som para os meus espetáculos, estava a planear a gravação de um álbum, havia centenas de concertos agendados. De repente, tudo parou e fiquei sem a fonte de rendimento de sempre”, vai atrás no tempo o cantor. Ao fim de seis meses em casa completamente parado, deu-se o clique. “Sou um homem de responsabilidades, e percebi que tinha de partir para um plano B.” E foi pedir emprego numa empresa de camionagem, tornando-se motorista de pesados sem nunca o ter experimentado antes na vida, apesar de ter tirado a respetiva carta de condução há uns anos. “Logo no primeiro serviço fui para a Bélgica e fiquei uma semana fora do país”, recorda. E seguiram-se outros destinos, Espanha, França, Itália, Alemanha, Países Baixos, sempre ao volante, dias e noites ao volante, sozinho, nove horas diárias de condução.

“Senti na pele o que é o quotidiano solitário de um motorista. Solitário e sofrido, sim, mas que dá muito”, considera. E que muito é esse? “É o mundo que se conhece, são os colegas novos que se tornam família num meio onde é fácil criarem-se amizades e onde apenas sobram os fortes, porque nem toda a gente aguenta ficar tanto tempo fora de casa”, define. O pior foram as “saudades da família”, as noites a sós. Companheira fiel apenas a sua concertina, instrumento que o acompanha desde os nove anos de idade e lhe deu sucesso. “Cheguei a fazer diretos nas redes sociais para os meus fãs durante as viagens. Ao final do dia arranjava um tempo e cantava para eles à distância”, conta.

Terminada a pandemia e levantadas as restrições à atividade musical, Victor Rodrigues voltou às canções, aos concertos, ao que sempre o fizera feliz e realizado. Mas não deixou os camiões. “Não parei completamente, ainda vou conduzindo e acumulando com que a música me dá.” A agenda junta ambas as funções, por vezes quase se torce para combinar o que parece inconciliável. “Já cheguei a terminar um serviço longo e a partir imediatamente para uma atuação na Suíça”, salienta. É assim quase todas as semanas, salta do palco para a cabina de um camião com a facilidade possível dentro do impossível. “Termino os espetáculos e vou para o camião. Termino os serviços e vou para o palco. É assim a minha vida”, resume.

Abandonar qualquer uma das profissões está fora de questão, garante. “A música sempre fez e faz parte de mim. Tornei-me um grande fã da camionagem e, sobretudo, dos camionistas. Aliás, dediquei-lhes uma canção, ‘Sou camionista’ e quero criar um grande evento, talvez para o ano, que junte o máximo possível deles numa concentração nacional”, revela. Afinal, diz Victor Rodrigues, “motorista uma vez, motorista toda a vida, tal qual como um cantor”. Por isso, fez uma promessa eterna: “Jamais hei de deixar as duas áreas. A cantar ou ao volante de um camião, irei sempre à luta”.

Medos e preconceitos

No meio artístico, são poucos os que admitem ter outra profissão. Seja por vergonha, por orgulho, por receio que isso os desvalorize entre a classe. E não só. “Muitos preferem omitir essa informação porque temem que lhes sejam baixados os valores dos cachês dos concertos se tal se tornar público”, explica à “Notícias Magazine” o responsável de uma editora que lida de perto com dezenas de cantores de música popular e que pede para não ser identificado. “Outros, sobretudo os que foram obrigados a recorrer a outra fonte de subsistência, porque a dada altura da vida não a conseguiram garantir por inteiro enquanto cantores, receiam o que possa ficar de negativo da sua imagem perante os admiradores e os próprios colegas”, adianta outro elemento ligado ao meio, também sob condição de sigilo de identidade.

A pandemia, explicaram ambos, acelerou situações de desespero. Com concertos cancelados em nome de um bem maior, o da saúde pública, veio o vazio de um longo calendário livre de trabalho e, consequentemente, negro de rendimentos. Praticamente um ano e meio parados, um quadro que parecia eternidade. E que surgiu do nada, obrigando-os a interromper o que sempre haviam exercido sem amarras, com liberdade total.

“Houve inúmeros casos de cantores e cantoras que viveram situações de desespero económico. Muitos deles recorreram a outros trabalhos para conseguirem obter um salário que lhes garantisse pagar as contas normais do dia a dia”, especifica uma das fontes. “Uns conseguiram depois voltar ao estúdio e à estrada com relativa facilidade, outros continuaram e continuam com dois trabalhos. Os que deixaram definitivamente a música terão sido muito poucos”, acrescenta.

Da cozinha militar ao estrelato

E também há os casos de artistas populares que hoje arrastam multidões e que tiveram de fazer o seu caminho das pedras antes do estrelato que a pulso conquistaram até arrebatarem o carinho do público e popularizarem canções que os eternizaram no coração dos portugueses. Nel Monteiro, 77 anos, completa 78 no próximo dia 11, é exemplo forte disso mesmo. Começou dura a sua vida, em Santa Marta de Penaguião, no Douro agreste, onde o ganha-pão era conquistado com a força do corpo mesmo quando o corpo ainda era de criança. “Trabalhei nas vindimas desde os 11 anos. Só deixei quando fui cumprir o serviço militar durante três anos”, rebobina. Foi em Lisboa, no antigo Instituto de Altos Estudos Militares, em Pedrouços, onde exerceu na messe de oficiais como cozinheiro, que começou a aprimorar o prazer por fazer canções, por as cantar, por as escrever para que outros as cantassem, por atuar.

Despiu a farda, mas ainda teve que percorrer uma via de incerteza até se transformar em artista a 100%, o que aconteceu apenas em 1984, já o seu bilhete de identidade marcava pouco mais de 40 anos. “Nunca deixei as canções. Fazia as minhas coisas e tinha essa vida. Fui mantendo outras atividades profissionais.” Acumular foi verbo que se lhe colou à pele, obrigando-o a vida apertada de tempo, a dias que pareciam não ter horas suficientes para o tanto que a criatividade pedia e o relógio não deixava fazer. “Tive um stand de automóveis e uma empresa de mobiliário metálico. Também fui motorista particular”, recorda. Sempre com letras e melodias a assaltarem-lhe a imaginação, nunca com a ideia de se tornar profissional da música. “Isso aconteceu quase por acaso quando gravei um disco chamado ‘Azar na praia’, que, sem que eu contasse minimamente com isso, se tornou um enorme êxito.” Desde então que cantor é profissão única, jamais pensou voltar ao de antes. “Foi esse disco que me tirou das outras profissões e ficar só com a música”, confessa. Já lá vão quase quatro décadas. Sem arrependimentos. “Ser artista e ter outro trabalho paralelo, seja qual seja, é muito complicado. Só quem anda no meio sabe que esta vida nos ocupa muito tempo, há sempre imensa coisa para fazer além do palco; são os ensaios, as gravações, até a inspiração”, reconhece.

Quando Quim Barreiros ainda não era Quim Barreiros

Quem também sabe o que são as agruras de não ser cantor em exclusividade é outro nome que antes de saltar para a ribalta permaneceu anónimo anos a fio, mesmo quando o acordeão, o mesmo acordeão que o seu pai dominava em palco atuando pelo Conjunto Alegria, já lhe estava colado à pele e o fazia sentir que a música era bem mais do que um simples entretenimento. “Trabalhei numa loja e fui mecânico de bicicletas e motorizadas. E foi então que comecei a aprender a tocar, era ainda adolescente.” É Quim Barreiros na primeira pessoa, a recordar os tempos de juventude em que qualquer semelhança com o sucesso que viria a alcançar era simples utopia. Por entre reparações de motores, o bichinho ia tomando formas maiores, sem nunca se sobrepor ao que lhe garantia o sustento. “Fazia uns concertos, sim, tocava em conjuntos de baile, como eram chamados na altura, e em grupos folclóricos”, puxa atrás a fita do tempo. Andou pelo país inteiro, fez estrada e cansaços. “Sem nunca deixar de ser mecânico”, frisa bem. Só quando decide migrar de Vila Praia de Âncora, no seu Alto Minho natal, para a Lisboa de todas as oportunidades, é que o acordeão começou a ser olhado com outros olhos, os olhos de quem o queria ver como companheiro fiel de caminhada na música. “Fui para a Força Aérea (FA), também como mecânico, enquanto ia fazendo umas músicas”, lembra-se Quim Barreiros, hoje com 75 anos. Fez parte da Banda da FA, com o seu acordeão, claro está, levou-o para outras paragens inéditas como casas de fado das mais afamadas de Lisboa, como a Adega Machado (onde estrelou Amália Rodrigues) ou o Solar da Hermínia (da fadista Hermínia Silva). Também foi escolhido por José Afonso para ser o acordeonista exclusivo do disco “Com as minhas tamanquinhas”, lançado pelo músico de intervenção em 1976. E a rota foi-se tornando aos poucos clara até Quim Barreiros se lançar com nome próprio e deixar para trás o ofício da mecânica e assinar artista com compromisso total. Por saber o que passou, elogia quem se continua a dedicar à música, seja qual for o género, carregando consigo o peso de lhe juntar outros afazeres. “É muito complicado”, admite. Deixando uma vénia para quem o consegue.

Formações e canções

A vénia de Quim Barreiros poderia ser dirigida a Jorge Salgueiro, 47 anos, membro da banda popular Sons do Minho. E formador de cabeleireiro desde 2002.

“O mais difícil é quando chego de um espetáculo às seis ou sete da manhã e às nove tenho que começar a trabalhar”, assume. Não são escassas as vezes em que tal sucede. “Já aconteceu viajar a um domingo de madrugada do Algarve para Viana do Castelo, onde resido, depois de um fim de semana carregado de espetáculos”, concretiza.

Jorge Salgueiro, membro da banda Sons do Minho, junta aos compromissos musicais de que não abdica a atividade enquanto formador de cabeleireiro
(Foto: Rui Manuel Fonseca/Global Imagens)

A biografia de Jorge Salgueiro junta música e outra atividade profissional em doses iguais. Com 16 anos, começou por exercer na área da manutenção industrial, quando surgiu a tropa cumpriu-a na barbearia do quartel da Póvoa de Varzim. “Mal deixei o serviço militar fui tirar um curso de cabeleireiro, abri o meu próprio espaço, que ainda existe embora com outras pessoas à frente, e mais tarde, em 2002, tornei-me formador”, detalha. Nunca mais parou. Nem a ensinar a cortar e arranjar cabelos, nem a cantar.

Quando a Sons do Minho foi lançada, em 2010, a coisa tornou-se cada vez mais apertada em termos de tempo. E começou uma gestão que parece tecida com agulhas delicadas de precisão. “Como tenho os espetáculos marcados com uma certa antecedência, consigo fazer a gestão das duas coisas de acordo com a minha disponibilidade. Não é fácil”, admite. E há os ensaios, “uma vez por semana, das nove e meia da noite à meia-noite e meia, pelo menos”, juntamente com os restantes compromissos que a música traz com ela, como as idas a programas de televisão, sobretudo nas tardes de sábado e domingo. E há o trabalho de formador, claro está, todos os dias úteis das 9 às 17 horas. “A maior parte das vezes deito-me por volta das duas da madrugada, para acordar quase logo a seguir e ir para o emprego”, descreve.

(Foto: DR)

Pelo meio, surgem peripécias que quase parecem de filme, como daquela vez em que a banda regressava do Alentejo já o dia quase raiava e a carrinha que a transportava avariou sem dó. “Fui de reboque até Leiria, esperei pelo conserto da viatura e só depois segui para norte”, lembra-se. Ainda a tempo de entrar a tempo para mais um dia de labuta como formador. Ou aquelas voltas a Portugal que durante o verão se tornam rotina sem fim. “Como nessa altura do ano temos imensos espetáculos, acontece por vezes estar em Viana do Castelo de manhã, a centenas de quilómetros à tarde e à noite, e depois regressar a casa”, exemplifica. “Nunca adiei nenhum concerto”, orgulha-se. Mesmo que isso lhe custe um cansaço físico que por vezes o obriga a ponderar o futuro. “Admito que já pensei dedicar-me apenas à música. Mas tenho um grande problema, gosto de tudo o que faço e não considero nada trabalho”, brinca falando sério. “Sou profissional na área do cabeleireiro e sou músico, ponto final.” Dois num só, assim é Jorge Salgueiro.

Dias cheios de tanta coisa

Artur Peixoto, vocalista da banda 4 Mens desde 2006, é outro exemplo de que a música nem sempre é exclusivo profissional. Com 32 anos, além das canções tem ainda que lidar diariamente com funções muito próprias em duas empresas, uma de gás e outra de produtos agroalimentares.

“É cansativo”, desabafa. “Tenho que estar sempre de ambos os lados profissionais, embora tenha conseguido sempre fazê-lo. Mesmo quando era estudante juntava a música ao resto”, afirma.

Artur Peixoto, vocalista dos 4 Mens, trabalha simultaneamente numa empresa de gás e noutra de produtos agroalimentares
(Foto: Leonel de Castro/Global Imagens)

Tal como a generalidade dos artistas populares, os meses de abril a outubro são os mais pesados. Os concertos, uma média de 80 por ano, deixam tempo para pouco mais, os ponteiros do relógio rodam demasiado rápido para conseguir uma gestão delicada e firme do tempo.

“Felizmente, tenho uma equipa fantástica e consigo sempre conciliar. A única coisa que faço é folgar sempre às segundas-feiras, porque os fins de semana são imensamente cansativos e obrigam quase sempre a deslocações longas. Já para não falar das idas para fora do país para espetáculos para emigrantes”, realça. As segundas-feiras são, portanto, o dia sagrado de Artur Peixoto. “Para retemperar energias e estar com a família, que sempre me apoiou a 100%”, justifica.

Artur Peixoto, vocalista dos 4 Mens (na foto é o segundo a contar da esquerda)
(Foto: DR)

E a quem garante que irá sempre apontar toda a dedicação, apesar de uma vida passada em correria constante. Como é a vida de todos os artistas que sobem aos palcos e fazem a alegria de milhares de pessoas e vão depois para o emprego de sempre. Como se despissem uma pele e vestissem outra com toda a naturalidade do mundo. Como se a transformação mais não fosse do que o sinal cristalino de que as luzes e a ribalta nem sempre são o mar de rosas que os contos de fadas prometem, apenas a concretização de um sonho maior pago com muito suor e sacrifício. Um prazer viciante ao qual é impossível responder que não.