Jorge Manuel Lopes

Depois vai-se a ver e… quase nada


Crítica cinematográfica, por Jorge Manuel Lopes.

É um filme pejado de disruptores, um termo que nesta era se tornou sinónimo de uma classe sinistra de flibusteiros dos negócios e da política. São milionários, ou candidatos que parasitam nessas órbitas, e creem que a fama e fortuna residem em torpedear, um a um, os alicerces do contrato social, da decência básica. Causar o caos e sair de cena com o dinheiro. Nenhum disruptor sai bem tratado de “Glass onion: Um mistério knives out”, o filme de Rian Johnson com uma parada de estrelas e humor ácido, mas nenhum é também convincentemente abalado.

A obra com nome de canção de The Beatles monta uma escalada de tensão entre Miles Bron (interpretado por Edward Norton), um bilionário das tecnológicas que convida um grupo de amigos/assalariados para um fim de semana na sua ilha privada na Grécia, onde deverão testemunhar o seu homicídio; e Benoit Blanc (Daniel Craig, o melhor motivo para ver o filme, deliciosamente camp, sotaque sulista americano e vocabulário de um romance do século XIX), detetive que se intromete neste périplo e em minutos desmonta o enigma, infantil, do morto-que-não-o-foi. Só que neste dispositivo de espaço confinado, com o seu quê de mistério de Agatha Christie, há traições, ressentimentos e relações de dependência económica suficientes no grupo (onde se incluem Kathryn Hahn, Kate Hudson e a admirável, e cool, Janelle Monáe) para produzir um assassinato de verdade.

O humor em “Glass onion” mal encobre o simplismo de um argumento incapaz de semear a tensão ou a dúvida, graças a uma insistência narcisista em explicar longamente, e com deleite, todos os truques que o espectador acabou de ver. Um filme como uma cebola, com sucessivas camadas e a garantia que nada mais existe no âmago.