Jorge Manuel Lopes

Depeche Mode: a gloriosa enciclopédia da synthpop


Crítica musical, por Jorge Manuel Lopes.


Os Depeche Mode que emergem em 2023, um ano após a morte do teclista e cimento da banda, Andy Fletcher, reestruturam vários capítulos do seu passado para entregar 12 canções no ponto certo. Para os fiéis da banda britânica, “Memento mori” (Mute/Sony Music) soará a objeto familiar – os fantasmas de uma vida de canções reunidos numa sala no tempo presente pela mão sábia e não revivalista do produtor James Ford, que em 2017 já havia cuidado de “Spirit”.

Sem comprometer o negrume que se prende às canções como uma camada de verniz, em “Memento mori” sobrevoa-se o tempo em que os Depeche Mode ajudaram a gerar a entidade batizada synthpop que, para o bem e para o melhor, definiu os anos 1980. É daí que vem “Wagging tongue”, com teclados de uma geometria que recua ainda mais, até aos Kraftwerk de “The man-machine” (não é caso único: a conexão sente-se de novo em “People are good”). “Ghosts again” é uma imensidão de single, um estudo sobre despedidas e reencontros de autoria partilhada entre Martin L. Gore e Richard Butler, o rosto de The Psychedelic Furs. Uma parceria determinante em quatro temas do álbum, trazendo um suplemento de agilidade a “My favourite stranger”, drama com cortinados espessos a “Don’t say you love me” (com Dave Gahan feito crooner, no seu melhor smoking) e, em “Caroline’s monkey”, um ar de 1982 e de Soft Cell.

Como é hábito, a canção em que Gore assume o protagonismo vocal é todo um acontecimento: “Soul with me” tem melancolia e uma luz solar pálida, mistério e otimismo enquanto o protagonista abandona docemente este Mundo. De resto, o interface entre batidas industriais e orquestração cinematográfica, evocativo do final do século passado, atravessa “Before we drown”; enquanto “Never let me go” é dominada por linguagem rock e coroada com uma guitarra abrasiva. “Memento mori” é o mais robusto conjunto de canções dos Depeche Mode desde “Playing the angel”, há 18 anos, quando entraram na era de refinamento do talento adquirido e demonstrado.