Cláudia Soutinho: mulher de águas frias

Cláudia Soutinho é a nova presidente do Conselho de Administração da APDL - Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo, S.A.

Refugia-se na escrita, no mar e na música. Amigos descrevem-na “valente e frágil”, “doce e cáustica”. Vive com Rosa e Amélia, rafeiras que resgatou ao abandono.

“Escolho ser fera para me proteger”, escreveu aos amigos numa das muitas cartas que publica num grupo restrito do WhatsApp. Talvez por isso, António Zecca, um dos mais antigos, acrescenta à mulher “voluntariosa e valente” uma faceta menos óbvia: “A Cláudia é frágil”. Conheceu-a há quase 50 anos. “Era uma miúda bem-humorada e rebelde, não contra os pais, pessoas muito abertas, mas contra instituições e regras da sociedade.” Apaixonada por cinema, espectadora precoce da Nouvelle Vague francesa e do neorrealismo italiano por influência paterna e materna – o arquiteto Alcino Soutinho e a curadora Laura Soutinho -, numa casa frequentada por nomes maiores das belas-artes e da arquitetura.

“Mau génio e um pouco agressiva, posso ser um barril de pólvora. Sou generosa com um lado egoísta, e nada consensual. Há quem goste muito de mim, mas também quem não goste nada.” O autorretrato da nova presidente do Conselho de Administração da APDL. “Verifica-se mais na vida pessoal”, mas também quando, no âmbito da função que desempenha, “alguém decide quebrar decisões assumidas coletivamente, só por teimosia”. Ou quando confrontada, acrescenta Zecca, “com a irracionalidade humana”. É, porém, dizem os amigos em uníssono, “uma pessoa muito empática. Com um lado muito caloroso”.

Refugia-se na escrita e na casa de Ofir, herdada de um tetravô, comandante de navio. Frequentada pelo pai e por ela, desde que nasceram. “Ali vou buscar sossego e calma.” Em fins de semana e nas férias, tempo dedicado a caminhadas e a passeios de bicicleta. E ao mar. “Adoro aquele mar, gélido, ali sinto-me feliz. A maresia invade tudo. Até o rio cheira a mar.” De águas frias, tem capa densa, isolante. “Posso mesmo dizer que é uma carapaça. Sinto necessidade de a ter.”

Entre novembro de 2013 e o primeiro dia de 2014 perdeu o pai e o marido, o socialista Manuel Seabra, deputado na Assembleia da República e antigo presidente da Câmara de Matosinhos. “Dois momentos negros. Dois lutos muito violentos.” Diz a mais antiga das amigas: “Chora, é capaz de chorar muito nos momentos difíceis, entre perdas e grandes trabalhos. Criou três filhos praticamente sozinha. Depois, limpa as lágrimas, arregaça as mangas, e de armas na mão vai ao combate”. Micaela Amorim reconhece os dois lados: “Pode ser o coração mais doce e o mais cáustico. Se lhe pisarem os calos pode ser terrível”. A jurista realça a “impetuosidade, a capacidade de liderança e de aglutinação” da amiga.

O dia começa cedo, com ginásio. “Acorda às sete da manhã para treinar. Só ouvi-la falar cansa”, diz Miguel Guimarães. Conhecem-se desde a adolescência. “Já então se afirmava singular, muito afirmativa, mas muito empática.” Com um sentido de humor “rebuscado com algum nonsense à mistura”. Nota-lhe um defeito: “É do F. C. Porto. Se pudesse passava-a para o Braga”, diz o fundador dos Mão Morta. Também jurista, elogia o percurso da amiga: “Tem enorme intuição jurídica e uma carreira brilhante” no direito público local e administrativo. “Nunca quis ser outra coisa que não fosse seguir Direito”, confessa Cláudia, portista com dragão tatuado no corpo.

Vive com Rosa e Amélia, rafeiras que resgatou ao abandono. Adora estar com os amigos. Que faz questão de reunir, num fim de semana anual, em versão “Os amigos de Alex”. “Durante um fim de semana falamos sobre nós, antes que um morra. Somos ‘os amigos de Claudete’”, conta Micaela Amorim. António Zecca dava-lhe um iate que a levasse à Côte d’Azur. “A Cláudia tem um certo fascínio pela moda e pelo glamour.”

Sem intervenção partidária estudantil, foi militante do PCP. Que trocou pelo PS, liderava os socialistas António Guterres. Chefe de gabinete de Narciso Miranda, iniciou então uma carreira na administração pública local. “Acho que sempre fui vista como um bombeiro. Pronta a apagar fogos.”

Tem três filhos – Afonso, Maria Pia e Laura -, de três casamentos. E uma neta de 11 anos. Para além da escrita e do mar, refugia-se na bossa nova e rouba o poema a Vinicius de Moraes. “Ai de quem não rasga o coração/Esse não vai ter perdão” é lema de vida.

Cláudia Soutinho
Cargo:
nova presidente do Conselho de Administração da APDL – Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo, S.A.
Nascimento: 24/02/1966 (56 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Porto)