Joel Neto

Citius, altius, fortius


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Aproximam-se os seis meses, chega a altura de inscrevê-lo na natação, e eu dou por mim a perguntar: que espécie de desportista será o Artur? Será um jogador de equipa ou um cowboy solitário? Um atleta ardoroso, um fixolas a quem a descontracção impedirá de evidenciar qualquer talento ou um daqueles garotos que se sentam ao canto do pátio, à abrigada, perplexos com o que poderão ver os colegas naqueles ritos de fervor e rudeza a que chamam desporto? Que tipo de jogador será o meu filho: um arauto do fair play ou um sacaninha viscoso a que eu próprio teria sentido a tentação de dar uma canelada? Um tecnicista ou um bruto? Um artista ou um vencedor? Um solista ou mais um rosto no plantel?

Alguma coisa há-de depender de nós, e nas questões de carácter vamos empenhar-nos. De resto, ele vir a gostar de futebol será pelo menos uma possibilidade. Não sei: talvez se rebele contra estes finais de tarde em que o sento no colo a ver o Sporting, na presunção de que, se tudo o mais falhar, ainda lhe poderá aproveitar esse quinhão de estoicismo. Mas, se de facto gostar, não o dissuadirei. O futebol é um jogo tão valoroso como sujo. Da sua natureza fazem parte a manha, a dissimulação e a trapaça, mas também a longanimidade, o desejo e a firmeza. Talvez algum desporto nos proporcione melhor metáfora para a vida, até para a condição humana, mas eu ainda não o encontrei. E, além disso, tem umas mãos enormes, o Artur – podia ser guarda-redes, em posição de equidistância entre o futebol e a poesia.

Enfim, espero que não escolha, antes, fazer parte de uma claque. Mas, entre isso e vir a transformar-se no maluquinho do escritório, um daqueles pobres-diabos para quem o Sporting ou o Benfica são a identidade número um – o mundo todo repartido entre um catálogo de reforços e uma quadrilha de inimigos, árbitros de futebol à cabeça -, venha o diabo e escolha. “Pela minha parte”, dizia Nick Horny sobre o fanatismo pelo Arsenal F.C., “só queria ter a oportunidade de, uma vez por semana, me comportar como uma idiota de óculos e orelhas salientes.” Há quase uma nobreza nisso.

(Não há nada. Claque, não, por favor. Filho, nunca te pedi nada: nem claque, nem jotinha.)

Evidentemente, também há o golfe, o meu outro jogo, e a opção não teria menos eloquência. Onde o futebol é paixão, o golfe é tempo. Onde o futebol é artimanha, o golfe é honestidade. Onde o futebol é concupiscência, o golfe é temperança, autodomínio, parcimónia. No golfe, o jogador é o seu próprio árbitro: se defraudar um adversário, talvez até ninguém descubra, que ele próprio levará essa nuvem para casa. O problema é que, por cada selvagem que encontramos no campo de futebol, encontramos no campo de golfe um arrivista. E isto para já não falar do egocentrismo. Um golfista é capaz de passar hora e meia a descrever a sua ronda a um amigo – mesmo que faça 100 pancadas. Se no fim o amigo quiser contar-lhe como salvou o par no 8, interrompe-o para discorrer sobre qual devia ser o layout do 8, de modo a repor a justiça do campo e, de caminho, adaptar-se ao seu slice.

Bem, talvez o Artur prefira o ténis, por causa de um amigo. Ou o atletismo, por causa das saltadoras em altura. Ou os dardos, por causa da cerveja fresca. Embora, se ele me pedir opinião, a minha resposta esteja pronta: tenta primeiro a dança.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)