Margarida Rebelo Pinto

Casos sérios


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

A vida é maravilhosa enquanto nos consome. A frase é de D. H. Lawrence, escritor inglês que brindou a humanidade com romances cujo papel na sociedade moderna ultrapassou em muito o mero deleite literário. Já aqui referi “O amante de Lady Chatterley” pela sua natureza corajosa e sincera, talvez um dos romances com maior honestidade emocional que já li. A própria obra de Lawrence se revela evolutiva, afastando-se a cada romance, mais e mais, do formalismo vitoriano, audácia que pagou cara em vida: o livro foi banido em Inglaterra, palco da realidade da história que narra. O romance foi publicado dez anos depois da Primeira Grande Guerra, em 1928.

Mais de uma década antes, o escritor sueco Hjalmar Söderberg apresentou “O jogo sério”, que conta a saga amorosa entre dois apaixonados separados por opções de vida que as teias poderosas da paixão insistem em prender numa trama que se revela catastrófica para ambos. Uma história de amor absoluto provoca sempre algum espanto para quem nunca a vivenciou e uma nostalgia acesa nas almas que por tal loucura passaram. À luz do tempo, uma paixão que resiste ao tempo, ao espaço, às convenções de uma época ou às limitações internas, pode sentir-se simultaneamente como uma enorme bênção ou uma inesquecível tragédia. Nunca, em décadas de relatos de terceiros sobre o tema que a profissão de escritora me proporcionou, ouvi alguém dizer que se arrependeu de tudo o que viveu nesses períodos conturbados da existência. Par contre, a confissão mais comum é a tristeza de não ter arriscado, predominante nos homens, o que me levou a acreditar que, tendencialmente, nas questões amorosas, as mulheres deixam-se ir e os homens deixam-se ficar. Lydia, ao trair o marido, fruto de um entendimento de conveniência, com o seu primeiro amor, decide separar-se, enquanto Arvid, dividido entre a paixão secreta por Lydia e a ternura pela mulher adorável que lhe proporciona uma vida perfeita, escolhe nada escolher e deixar andar. Lydia assume então os traços da heroína romântica que abdica de uma vida confortável e se vê privada da companhia da sua única filha em nome de uma paixão sofrida por um homem que tem o melhor dos dois mundos, até perder o seu lugar no Mundo. Nesta narrativa arrebatada e polvilhada, tanto de solidão e de tristeza, quanto de delírio e de sensualidade, prevalece a ideia de que o amor encerra sempre um conflito, uma luta sem vencedores nem vencidos.

A ficção serve para espelhar a realidade, para a dissecar e ampliar, para revelar toda a sua complexidade, mostrando ao Mundo o quão caótica e fragmentada é a vida para aqueles que abraçam sem reservas. Os casos sérios são sempre uma dose dupla, um misto quente, sanduíche de gente, citando Rita Lee. Nunca vale a pena lutar contra um grande amor, ou, pior ainda, fugir dele, sob o risco de alimentar um monstro amoroso que nos persegue pela vida fora. Mais vale vivê-lo com todas as nossas células e consumá-lo em gestos, palavras e livros, ainda que nos consuma. O tempo e a vida encarregam-se de reorganizar a realidade, esbatendo a saudade em tons pastel. Essa, nunca acaba, apenas se suaviza, até ganhar a leveza de uma nuvem distante, à sombra da qual o coração enfim descansa.