Margarida Rebelo Pinto

Cartas de um poeta para um aprendiz


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Acredito que existem três categorias de escritores: os sofríveis, os bons e aqueles que são tão bons que me despertam a vontade de escrever. Entre os que tiveram tal efeito mágico, contam-se Dostoiévski, Sophia de Mello Breyner e Rilke. Ah, o Rilke! O seu pequeno e delicioso livro “Cartas a um jovem poeta” reúne dez epístolas enviadas a Franz Xaver Kappus, um jovem militar que sonhava com a glória e a aura de poeta. Uma coisa é querer, outra é ser. Para ser poeta é necessário olhar para dentro, abraçar o desconhecido que encontramos dentro de nós e nunca perder a humildade. Esta obra é um sábio manual da criação poética, à qual uma conduta de vida norteada pelo rigor e pela integridade é fundamental. Rilke foi um lírico tanto na vida como no papel. A sua existência errante, desde a vida de dandy na sua Praga natal, às deambulações pela Rússia, Egito, Itália e Espanha, é a prova do seu espírito curioso, aventureiro e inconformista. Travou amizade com alguns dos criadores mais relevantes do tempo, entre os quais o escultor Auguste Rodin de quem foi secretário. Rainer Maria amava os livros e acreditava que este amor lhe era eternamente correspondido sempre que os relia. Desconfiava da ironia, considerando que era apenas útil como mais um meio para apreender a vida. Em vez disso, preferia a profundeza das coisas, onde a ironia nunca desce. Também não levava a crítica a sério, pois considerava que as obras são resultado de uma infinita solidão e nada está mais longe de as alcançar do que a crítica. Não se considerava um crítico, apesar de ter realizado inúmeras recensões literárias. Numa carta a um amigo escreveu: “Avalio a obra de arte pela felicidade que ela me dá”. Para ele, ser artista queria dizer não calcular, nem contar, mas amadurecer como uma árvore que não apressa as suas seivas e que, confiante, se eleva nas tempestades da primavera, sem receio de que a seguir possa não vir o verão. A ausência de medo e o amor à liberdade, que todos os escritores e poetas acabam por abraçar, à medida que a sua obra vais crescendo, são os pilares do ofício, que tem tanto de rasgo, quanto de labuta.

Uma das palavras mais presentes na obra é amor: aos livros, ao desconhecido, ao silêncio inerente ao trabalho da escrita, a nós próprios sob a forma de paciência e de clemência, esse amor que nos falta na juventude, quando acreditamos que vamos conseguir encontrar todas as respostas e resolver todos os enigmas. Rilke recomendou a Kappus que amasse as próprias perguntas, como quartos fechados ou como livros escritos numa língua muito distante. A solidão é o amparo do escritor e a sua terra-mãe, a partir da qual o poeta encontrará todos os caminhos. A solidão, essa musa incómoda, cresce de forma dolorosa, como crescem os adolescentes, e triste como o começo das primaveras.

Talvez a tristeza fosse a herança involuntária de uma infância bizarra, já que a sua mãe o vestia de menina para compensar a morte de uma filha recém-nascida. Com apenas 22 anos foi amante de Lou-Andréas Salomé, casada, com 36 anos, que o levou para a Rússia. De regresso a Paris, engravidou uma discípula de Rodin e foi despedido pelo escultor e proibido de entrar no ateliê por ter respondido a cartas sem a aprovação deste. Com ele aprendi que a primeira qualidade do estilo é a clareza. Queiram as forças divinas que esta nunca me falhe.