Boaventura Sousa Santos: o nome escrito no muro

Boaventura Sousa Santos é diretor emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e coordenador científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa

Aluno brilhante, professor reconhecido, intelectual de culto em toda a América Latina. Está acusado de assédio moral e sexual. E de extrativismo.

Boaventura de Sousa Santos, o pensador estrela dos movimentos sociais. Nas áreas da Sociologia do Direito, da Sociologia Política, da Epistemologia, da globalização, da democracia participativa e dos direitos humanos. Um cientista, um analista social, um teórico do sul com trabalhos traduzidos em castelhano, inglês, italiano, francês, alemão, chinês, romeno e dinamarquês. “Uma das figuras intelectuais mais destacadas da Europa”, afirma-se na página da Universidad Nacional de Tres de Febrero (Argentina), sinal da admiração que recebe em toda a América Latina.

“O sociólogo português da antiglobalização varre por onde passa”, afirmou a 9 de fevereiro de 2016, no “El País”, Lola Huete Machado. Na reportagem sobre a Conferência Latino-Americana de Ciências Sociais (Medellín, Colômbia 2015), a jornalista retrata “um sociólogo convertido em estrela”. Quis saber o segredo. “Elegante, vestido com camisa branca e calças pretas.” Boaventura, que ganha em popularidade ao mais pintado, não deixa de forçar um sorriso, para disparar a resposta. “Mas porque me faz essa pergunta? Sempre existiram estrelas académicas… Ou pensa que porque sou português não posso sê-lo ao estilo de outros mais do norte?” O intelectual “não evita a confrontação”. Provoca-a, até. “Um banho de massas recebeu este homem durante a semana que durou CLACSO 2015”, garante a jornalista. “Creio que sou famoso porque tenho um modo de comunicar as minhas ideias que tem muito a ver com o meu trabalho junto dos movimentos sociais, na rua, no território.”

É doutorado em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale (1973). Aluno brilhante apaixonado pelo trabalho de campo, investigou na Colômbia, Moçambique, Angola, Cabo Verde, Bolívia e Equador. Nas favelas do Brasil. Professor catedrático jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, docente creditado em instituições dos EUA e de Inglaterra, o diretor emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES), de que é fundador, acaba de cair em desgraça.

“Todas sabemos.” Um grafito poderoso, tantas vezes apagado a lixívia quantas repetido nos muros do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, foi espalhando a acusação. Agora, consubstanciada em livro: três mulheres denunciam o todo-poderoso académico de assédio moral, sexual e de extrativismo sexual. O CES suspendeu o professor das suas funções – Boaventura assegura que o pedido de suspensão partiu dele -, o Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais, onde era tão querido, seguiu o mesmo caminho.

No mês da Revolução de Abril, o nome queima. Referência da Esquerda portuguesa, o sociólogo tem afirmado que a perseguição se deve ao facto de ser quem é. Um ataque à Esquerda. Neste momento, amigos, adversários, opositores, ninguém arrisca dar a cara. Não negam a craveira intelectual – “O contributo estimulante da obra de Boaventura para várias áreas do conhecimento, sobretudo na área das ciências sociais. Uma reflexão muito vasta, reconhecida mundialmente”. Mas referem a “arrogância, a vaidade, os episódios coléricos”. Construiu um centro de investigação que ajudou a definir as Ciências Sociais em Portugal, à medida do seu pensamento. “Ele próprio tornou-se um culto.” Que não permite falhas de fidelidade. “Há muitos anos, numa conferência em que ambos participámos, eu era ainda muito jovem, chegou atrasado, porém, no final da minha intervenção aproximou-se do meu ouvido e disse três palavras: ‘Não me citou’”, conta uma fonte.

É também poeta. A escrita de poesia foi sempre acompanhando o trabalho do académico e intelectual. “Se eu fosse mulher, / teria uma história pessoal para contar. / Se eu fosse mulher, diria as amenidades do costume de modo impessoal e com os dentes cerrados para não ofender as autoridades. Se eu fosse mulher, diria obrigada, obrigada / e seria obrigada a dizê-lo até estar grata.” No “poema feminista”, diz ainda: “Se eu fosse mulher, sentiria as mãos onde não queria e quereria as mãos onde as não tinha / “Se eu fosse mulher, teria de ter ânimo para me vestir e despir segundo a moda e o emprego / e manter a calma apesar do medo na alma”.

Acusado de se valer da posição de poder para exercer assédio moral e sexual, Boaventura de Sousa Santos é casado com Maria Irene Ramalho, académica reconhecida, e tem dois filhos. Um deles, João Ramalho-Santos, biólogo, é vice-reitor da Universidade de Coimbra.

Boaventura de Sousa Santos
Cargo:
diretor emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e coordenador científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa
Nascimento: 15/11/1940 (82 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Coimbra)