Margarida Rebelo Pinto

Bela, recatada e do lar


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Foi no ano de 2016 que a mulher do então presidente do Brasil Michel Temer deu uma entrevista enaltecendo as virtudes da mulher à moda antiga. A identificação e a aceitação dos valores da tradição machista e do patriarcado, nos quais a mulher é posse do marido, cuidando do foro privado, enquanto este tem direito a uma vida pública, na qual o segue como uma sombra submissa, criou uma reação em todos os quadrantes da sociedade brasileira por representar um retrocesso nos direitos adquiridos pelas mulheres. Desenganem-se aqueles que pensam que o Brasil é um país livre e solto, tal como aparece nas imagens da semana do Carnaval no Rio de Janeiro. É uma nação machista onde, já o disse aqui, uma mulher é violada de dois em dois minutos. E, como infelizmente sabemos, quanto mais machista é um país, mais perigoso é para as mulheres.

Um dos grandes problemas de perceção por parte das mentes masculinas é a incapacidade em entender que uma mulher pode ser ao mesmo tempo uma excelente profissional, uma mãe dedicada, uma boa dona de casa, uma madrasta amiga e uma namorada/companheira/esposa querida. Existe ainda em Portugal a vetusta e bafienta ideia de que uma mulher de carreira não tem capacidade para ser uma boa mãe, o que não corresponde à realidade. Assim de repente, sem ter de puxar muito pela memória, estou a lembrar-me de pelo menos uma dúzia. Um fator é comum a todas elas: de alguma maneira, ao longo da progressão da sua carreira, tiveram apoio externo ou da família. De outra forma, não teriam conseguido, porque em Portugal, quando uma mulher é mãe e trabalha, a entidade patronal espera que ela continue a trabalhar como se não fosse mãe, enquanto a família espera que ela cumpra o papel de mãe como se não trabalhasse. No que toca à progressão de uma carreira, as coisas vão-se complicando, pelo que muitas mulheres optam por não ter o segundo ou o terceiro filho. E muitas, quando regressam da licença de parto, apercebem-se que foram subtilmente emprateleiradas, porque não é incomum a crença de que uma mulher com filhos irá dedicar-se menos e, consequentemente, apresentar piores resultados.

A ideia de que uma mulher é propriedade do marido, que desfruta da sua beleza como se se tratasse de um objeto de consumo, é milenar e ainda não perdeu força. Embora as novas gerações, criadas por mulheres independentes, valorizem as mulheres fortes, na Geração X a doutrina ainda se divide. O sucesso feminino intimida o macho e é muitas vezes considerado uma ameaça. Porque é que o homem não é capaz de discorrer que, se uma mulher gosta dele sem precisar de ser sustentada, isso pode constituir uma ótima base para uma relação?

Ser forte não é o mesmo que ser fria, tal como querer ter um lar não é sinónimo de ser do lar. Queremos ser recatadas com quem entendemos e quando assim o desejamos. Queremos sentir-nos belas, sem que isso faça de nós um objeto de consumo. Não é por passar um par de horas na cozinha e enfeitar a mesa com velas num jantar romântico que uma mulher não bate a porta quando lhe sobe a mostarda ao nariz ou deixa de dizer ao outro aquilo que não tolera, ou que, simplesmente, não lhe serve.